IRÃO: QUE FUTURO ?

21-05-2024


O Presidente do Irão, Ebrahim Raïssi, morreu, no passado dia 19 de Maio, num acidente de helicóptero no noroeste do país depois ter procedido a uma inauguração de uma barragem.

Depois de horas de busca foram encontrados os destroços do helicóptero e confirmou-se que não havia sobreviventes.

Para além de Raïssi, morreu no acidente o ministro dos negócios estrangeiros e mais 6 passageiros num total de 9 mortos.

Algo que imediatamente preocupou a comunidade internacional, logo que se soube do desaparecimento do heli, foi qual a origem do acidente. Se se tratasse de uma ação da Mossad ou, então de alguma tribo ou grupo contestatário do regime, muito abundantes numa zona complicada como é o Azerbaijão Oriental, criaria, por certo, uma escalada no já muito débil e inserto contexto diplomático e militar nesta zona do médio oriente.

Acresce que Raïssi era cada vez mais impopular, tanto para a generalidade dos iranianos (exceptuando os radicais), como dentro da própria "máquina" estatal do Irão, tendo, por isso, uma panóplia de pessoas, organizações e grupos com vontade e capazes de desencadear um atentado.

Mas, até ao momento, é quase certo que se deveu, de facto, de um acidente devido ao mau tempo e intenso nevoeiro que se fazia sentir na região no momento do acidente.

O facto de ser uma aeronave antiga (um Bell 212, versão civil do famoso helicóptero militar "UH-1N, muito utilizado na guerra do Vietnam fabricado entre 1968 e 1978 nos Estados Unidos), sem equipamentos de navegação modernos, e com manutenções muito superficiais, devido aos embargos de que o Irão é alvo desde os anos 70 também contribui para que helicóptero embatesse no cimo de uma montanha.

Esta é, inclusive, a versão oficial do governo iraniano, agora chefiado pelo primeiro vice-presidente Mohammad Mokhber.

Raïssi, com 63 anos, no poder desde 2021, era um clérigo xiita, que venceu as eleições de 2021, sendo considerado um protegido do aiatola Ali Khamenei e um dos membros mais radicais do aparelho do Estado Iraniano.

Quando assumiu a presidência intensificou, em muito, a repressão religiosa, o antagonismo ao ocidente, assim como tentou reforçar a posição do Irão como potência regional no golfo pérsico e em todo o médio oriente.

Foi por sua iniciativa e ordem que os Hutis do Iémen começaram a ter apoio financeiro e militar de modo a destabilizar o trânsito marítimo no golfo de Áden, também foi, por certo, com o seu aval, que o Hamas desencadeou os ataques de Outubro a Israel assim como o recente ataque a território israelita.

Ainda no passado mês de Março, aqui, no Realpolitik, publiquei um artigo chamado "O que pretende o Irão?" (https://www.realpolitik.org.uk/l/o-que-pretende-o-irao/ ) em que analiso toda a política externa de Raïssi.

Mas, neste momento, todos pensamos numa só coisa?

O que virá a seguir, quais as consequências da morte do presidente iraniano?

A primeira, na minha opinião é que haverá um período em que o Irão, sem liderança legitimada (as eleições tem de ser realizadas em 50 dias), diminuirá, consideravelmente, a sua ação tanto em termos de influência, como diplomáticos, como militares.

O Vice-Presidente, agora Presidente interino, não ousará ações estratégicas e táticas nem escaladas de nível de conflito em período de transição de poder.

Nas próximas semanas deve-se gerar uma forte luta pelo poder nos corredores dos palácios de Teerão.

A ala conservadora, chefiada pelo aiatola Ali Khamenei, que tinha Raïssi como seu sucessor e, assim, o protegia de tudo e todos, tentará manter a sua posição de domínio do sistema.

Por outro lado, a ala mais liberal, cada vez mais forte e reforçada, principalmente pelo crescente descontentamento da população em relação ao governo, pode aproveitar este "fatídico" acontecimento para se impor.

Tendo ficado a ala conservadora mais débil, porque deixou de ter um "sucessor natural", estando o aiatola Ali Khamenei cada vez mais débil (tem 85 anos), pode ser o momento certo para os mais liberais tomarem o poder.

Mas todas estas "manobras" que por certo acontecerão, durante algum tempo, deixarão o Irão sem uma liderança clara, mais ocupado e preocupado com a política interna do que com a política externa.

Este facto pode, de alguma forma, pelo menos, diminuir o apoio e assistência aos "proxys" ou "agentes" do Irão para exercer a sua política de destabilização na região, como são os já referidos Hutis do Iémen e grupos como o Hamas, a Fatha e a Jihad Islâmica.

Este enfraquecimento ou redução do apoio pode ser uma excelente oportunidade para países como Israel e mesmo organizações como a OTAN/NATO desencadearem ações que permitam a resolução de focos de tensão, como os reféns Israelitas ainda sob o poder do Hamas, a tensão no Líbano ou o domínio dos Hutis nas águas do Golfo de Áden.

Mas para que isso tenha efeito tem de ser feito rapidamente, de uma forma eficaz e empregues todos os meios possíveis para que não seja apenas ações "cosméticas", mas ações definitivas que restabeleçam a ordem e a paz, de um modo duradouro, nestas regiões.

Mas a consequência mais profunda que pode advir da morte de Raïssi é a definição do futuro político do Irão nos próximos anos e mesmo nas próximas décadas.

Embora seja mesmo muito improvável a queda do regime dos aiatolas, se a ala moderada conseguir vencer este "confronto" de poder, o próximo aiatola pode ser mais moderado criando condições para uma crescente desradicalização do Irão e a sua aproximação a posições mais "alinhadas" com o ocidente.

O ocidente pode aproveitar esta conjuntura para, por exemplo, reduzir as sanções ao Irão, em especial ao petróleo (o que faria baixar, em muito, o preço do crude devido às imensas reservas do Irão que é um dos maiores produtores de petróleo do mundo), ter mais controlo sobre o "preocupante" programa nuclear iraniano, como reduzir a tensão política e militar na zona, o enfraquecimento de grupos terroristas e a normalização do transito marítimo no mar arábico e, logo, a baixa dos preços de transportes de mercadorias do oriente para ocidente e vice-versa.

Relembro que, embora seja o povo a eleger o Presidente, é o aiatola que "faz a triagem" dos candidatos à presidência.

Com o atual regime essa "triagem" tem excluído, sempre, os candidatos mais moderados dando total domínio à ala conservadora.

Nas eleições de 2021 verificaram-se os maiores níveis de abstenção eleitoral da história do Irão, porque o que distinguia os candidatos era quase nada em termos de políticas e ideologias e todos sabiam que Raïssi era o favorito do aiatola Ali Khamenei.

Esse facto, a crescente contestação social e a falta de um sucessor natural podem fazer com o que a atual "cúpula" religiosa do Irão, para se manter no poder, faça algumas concepções de modo a manter a situação sob controlo e não provocar uma nova versão da "Primavera Árabe".

De facto, o povo iraniano tem-se mostrado cada vez mais descontente e cada vez com menos medo das "forças do regime" como demonstraram as manifestações de 2023 aquando da morte da Mahsa Amini, às mãos da "policia religiosa" pelo uso "incorreto" do hijab (lenço que as mulheres são obrigadas a usar na cabeça em público em alguns países islâmicos).

Por outro lado, se a ala conservadora sair vencedora deste período podemos antever a continuidade da atual política iraniana, ou mesmo até o seu endurecimento, prevendo-se, assim, mais alguns anos de pressão, instabilidade e insegurança na região, com os resultados inversos aos que referi em relação a uma possível vitória da ala moderada.

Claro e obvio que, em todo este contexto, não podemos esquecer um ator central e fundamental em todo o "jogo político" no Irão: os super poderosos e omnipresentes serviços de informação e segurança (Serviços Secretos) do Irão, ainda hoje conhecidos pelo seu antigo nome: a SAVAK (com o atual nome oficial de VEVAK - Ministério da Inteligência e da Segurança Nacional).

Com um poder enorme, infiltrados em todas as áreas e níveis da administração do Irão, altamente eficientes e impiedosos, são, literalmente, um Estado dentro do Estado.

Ora, de facto, neste momento não há consenso se a SAVAK tende mais para o lado mais moderado ou mais radical (acho que nem mesmo eles sabem).

Uma transição para uma postura mais moderada traria vantagens à SAVAK como a possibilidade de cooperação com os seus vizinhos sunitas, a diminuição das ameaças (em especial do seu arqui-inimigo: a Mossad), assim como a possibilidade de modernização e evolução. Embora com operacionais de excelência falta à SAVAK meios, dos mais elementares como sistemas de comunicação, até mais avançados, como dispositivos de vigilância, o que tem provocado sucessivas "derrotas" dos serviços, desde sabotagens a centrais de enriquecimento de urânio, até furto de documentos altamente secretos e a eliminação contínua de altos dirigentes iranianos como aconteceu no passado mês de Março, em Damasco, na Síria, com uma ataque ao consulado geral iraniano que matou o general Ali Reza Zahdi, Comandante da Guarda Revolucionária e um dos militares mais influentes do Irão.

Por outro lado, se a SAVAK apoiar a ala mais conservadora manterá a sua estrutura, o seu poder, a sua influência interna, embora, claramente, perca, cada vez mais operacionalidade.

Mas a posição da SAVAK é uma incógnita, sendo que, muito possivelmente, do seu apoio a uma ala ou a outra, dependerá a definição do vencedor.

Mas se ala conservadora vencer, se por um lado podemos contar com a continuidade das ações desestabilizadoras externas do Irão, podemos contar, também, com a crescente contestação interna ao regime, logo, a uma maior tensão interna o que, logicamente, conduzirá a uma diminuição da tensão externa.

Desta forma o desaparecimento de Ebrahim Raïssi, em termos de Realpolitik é sempre uma "boa notícia" porque, em primeiro lugar e com efeitos imediatos, provocará uma diminuição das ações do Irão no exterior, e a médio e longo prazo, diminuirá o poder de influência e ação do Irão em termos de projeção de influência no contexto do golfo pérsico e de todo o Médio Oriente.

Falta saber se a comunidade internacional, em especial o "Ocidente alargado" e, muito específico os Estados Unidos da América e a União Europeia, saberão tirar partido deste "presente do destino" e empreender, em tempo útil, ações diplomáticas, militares e de Intelligence que condicionem, de facto, o futuro da política externa do Irão.

Falta também saber qual a reação, influencia e pressão que os dois maiores aliados do Irão, a China e a Rússia, exercerão em todo este processo, sabendo que ambas, tem muito mais a ganhar com a manutenção da ala conservadora do que com a ala moderada.

Neste momento só podemos dizer que "os dados estão lançados".

Veremos, depois, qual será o resultado e as consequências desses resultados e como todos os "atores internacionais" se comportarão em relação a esses resultados.

Resta-nos ter, o que realpolitik, é uma das mais valiosas virtudes:

paciência!!!!


________________________

SIGA-NOS NO NOSSO CANAL DO YOUTUBE EM www.youtube.com/@REALPOLITIK-uk