O QUE PRETENDE O IRÃO?

16-04-2024


Para quem não está acostumado a estas questões de geolítica e geoestratégia o conflito entre o Irão e Israel pode parecer não ter muito nexo.

Afinal os 2 países não têm fronteiras físicas, não partilham rotas e fluxos comerciais, não são concorrentes em quase nenhuma área comercial e industrial... 

Assim, para além das razões religiosas, em que são, aí sim, fortemente antagónicos, qual a razão de tal animosidade que justifica os ataques a território de Israel pelo Hamas mas como notório "proxy" do Irão, o que gerou e invasão de Israel da faixa de Gaza, o ataque israelita ao consulado iraniano em Damasco na Síria e correspondente ataque maciço a Israel por parte do Irão, com drones e misseis na noite de 14 de Abril?

Em primeiro lugar temos de abrir aqui um parêntesis para explicar, para quem não saiba, a diferença entre sunitas e xiitas que todos, por certo, já ouviram nas notícias.

O islão, e todos os seus praticantes, mais de 1,9 mil milhões de pessoas, ou são sunitas ou são xiitas e ambos não se reconhecem mutuamente como islâmicos porque acusam-se de apostasia.

Mas estas duas vertentes do islão não estão minimamente em equilíbrio, sendo 85–90% sunitas e 10-15% xiitas.

Mas qual a diferença entre os dois?

Simples, mas muito antiga.

Remonta aos anos que se seguiram à morte do Profeta Moḥammed, em 632. 

Quando morreu o iluminado profeta uma questão ficou: quem lhe sucederia na liderança da Umma, isto é, a comunidade de todos os crentes no islão, pois Moḥammed não tinha deixado indicações claras sobre isso?

Entre os seguidores do profeta uns defendiam que a sucessão na liderança devia ser quase dinástica, dentro da família do profeta, sendo o seu herdeiro natural o primo e genro de Moḥammed, Ali Bin-Abu Talib, dando origem à corrente xiita.

Os sunitas, por sua parte, defendiam que qualquer muçulmano podia tornar-se o líder político, religioso e militar da Umma, isto é Califa, apoiando para a sucessão Abu Bakr, o homem mais próximo do Profeta.

E é esta a diferença.

Ao longo dos tempos ambas as tendências tiveram algumas divergências na interpretação e na ritualística do Islão, mas nada de significativo.

No entanto, embora todos islâmicos, ainda hoje, as duas tendências são muito antagónicas e beligerantes entre si.

Esta divisão é importante pois o Irão é o único Estado islâmico xiita, sendo todos os outros sunitas.

Quando surgiu o Estado de Israel, em 1948 nenhum Estado Islâmico reconheceu Israel, mas o Irão sim pois ainda não era um Estado xiitica sendo, na altura, uma monarquia pró-ocidente liderada pelo Xã Rezā Pahlavi.

Quando se dá a revolução iraniana, em 1979 e o país se torna uma teocracia, sendo governado pelo seu líder religioso com o título de Aiatolá, fica isolado como Estado xiita, sendo, no entanto, reconhecido pelos outros Estados Árabes em respeito pela Umma mas nada mais.

Mesmo assim foram vários os conflitos que opuseram o Irão a outros Estados Islâmicos como a longa guerra entre o Iraque (sunita) e o Irão (xiita) que durou entre 1980 e 1988.

Desta forma o único fator que liga e permite quase a sobrevivência do regime totalitário no Irão é o consenso no princípio que Israel não deve existir.

Esse consenso esteve na origem da guerra dos 6 dias em 1967 que congregou ativamente 4 países contra Israel (com o apoio de mais 8) e a guerra do Yom Kippur em 1973, já aí somente com a participação ativa de 3 países e o apoio de apenas 2 (a União Soviética e Cuba, nenhum deles Islâmico nem tão pouco árabe).

Isto é, ao longo dos tempos, devido à necessidade de evolução e estabilidade, tanto social como económica, a esmagadora maioria dos Estados Islâmicos deixaram de dar prioridade à questão israelita.

Uns deixaram "cair" a questão, não reconhecendo nem mantendo relações diplomáticas com Israel, mas também não tendo ações antagónicas contra ele, mas outros, inclusive, assinaram tratados de paz, de mútuo reconhecimento, tem relações diplomáticas ou, então, fortes relações comerciais.

O "ponto critico" desta progressiva aproximação foram as conversações entre Israel e a Arábia Saudita, o principal país sunita e "guardião" dos lugares sagrados do Islão, a cidade de Meca e Medina, que estavam a decorrer de um modo muito satisfatório. Inclusive foram assinados tratados comerciais e estabelecidas rotas áreas regulares entre os dois países. 

A única questão divergente era a Palestina. 

Mesmo nessa questão delicada muitos analistas (eu inclusive) viram nesta aproximação e com a questão palestiniana como único fator de divergência, uma excelente oportunidade e fator motivador para se encontrar uma solução razoável e definitiva para a questão da Faixa de Gaza. Nada como os "petrodólares" e acordos comerciais no valor de milhares de milhões de USD para resolver questões ideológicas e políticas.

Afinal, no fundo, em tudo, o dinheiro é sempre quem mais ordena.

Mas o reconhecimento de Israel por parte da Arábia Saudita, o maior, mais rico e significativo país da península arábica, e em especial pela família reinante saudita, os Al Saud, na prática significaria o reconhecimento de todos os sunitas, 85% dos islâmicos, de Israel.

Isto é: o Irão ficaria completamente isolado sem qualquer tipo de conexão com a comunidade dos países islâmicos.

Mais: sendo aliados ou mesmo não oponentes do Estado de Israel, os países árabes não iam poder apoiar o regime de Teerão contra as incursões comerciais e mesmo militares especialmente dos Estados Unidos.

Desta forma a resposta para o Irão estar em conflito com Israel é que o Irão não pode permitir a estabilidade, o entendimento e a paz entre Israel e os restantes países árabes.

Seria catastrófico para o Irão, que, assim isolado, não teria qualquer esperança no levantamento das sanções económicas ocidentais que duram desde 1979, correndo mesmo o risco de alguns países árabes, declaradamente ou não, se juntarem a essas sanções; perderia todos os aliados diplomáticos e muitos acordos comerciais seriam dissolvidos.

Para além disso o Irão tem, e cada vez mais, a intensão de se tornar uma potencia regional, como bem demonstra o seu apoio à Rússia e a aliança crescente com a China, isto é, está "posicionar-se" no "tabuleiro" da geopolítica global algo que só se justifica se quiser ter nela alguma intreferencia, isto é, só se justifica se se quiser tornar uma potencia, não global (nunca o conseguiria) mas regional.

Desta forma o Irão tem de manter instável a região, sabendo que os outros Estados Islâmicos não o poderão condenar abertamente, e que Israel e os Estados Unidos terão de reagir às suas agressões e provocações, garantindo, em simultâneo, a condenação dessas reações por parte dos países sunitas, afastando-os, assim, da possibilidade de chegar a acordos com Israel.

É isso que pretende o Irão e nada mais.

Para o regime dos Aiatolá, em especial para o atual, Ali Hosseini Khamene, no poder desde 1989, a instabilidade, o conflito e a volatilidade na região é uma questão de básica sobrevivência.

Por isso a continuidade deste tipo de ações e ataques, sejam diretos, seja com "proxys", não tem qualquer tendência em terminar estando mesmo num período de crescendo.

Outros fatores não são tranquilizadores tais como o antagonismo entre Donald Trump e o Irão. 

Se o candidato Republicano vencer as eleições de Novembro haverá, por certo, uma escalada dramática no conflito.

Soluções: um acordo entre os Estados Unidos e o Irão (quase conseguido por Obama e destruído por Trump). 

Este tratado garantiria a aceitação do regime xiita por parte dos Estados Sunitas (que não querem perder a aliança com os Estados Unidos), o levantamento das sanções, o regresso do Irão aos mercados, especialmente o do petróleo e do gás e um assumir do Irão como potencia regional. Neste contexto, que beneficiaria todas as partes e em que o Irão teria mesmo muito a ganhar, passaria, facilmente, um tímido e nada publicitado pacto de não agressão entre o Irão e Israel e o fim das hostilidades.

Mas esta solução é cada vez mais remota.

O regresso do Irão ao mercado dos hidrocarbonetos, sendo este a 4ª maior reserva do mundo de petróleo, faria descer o preço do crude, algo que os Estados Unidos, com a economia a desmoronar-se, está longe de querer. 

Lembremo-nos que os Estados Unidos, sendo a 9ª reserva de petróleo do mundo é o seu maior produtor e isto porque, pela via política e diplomática, tem afastado ou controlado as maiores reservas do mercado ( afastou, com sanções, a Venezuela, Irão e Rússia) e controla a produção dos outros países que são seus aliados (Iraque, Canadá, Arábia Saudita, Kuwait e Emirados Árabes Unidos).

Pelo mesmo motivo, para manter a sua indústria de armamento a funcionar, os Estados Unidos até tem bastante interesse neste conflito, visto que Israel é um dos seus maiores e melhores clientes.

Somente na noite de 14 de Abril Israel gastou mil milhões de USD em material militar, a esmagadora maioria de origem Norte-Americana.

Por isso, acho que teremos conflito, "quente" ou "morno", direto ou por "procuração" nos próximos tempos, com os respetivos impactos na economia mundial, em especial nos preços dos combustíveis e do preço dos produtos com origem na Ásia, que não permitirá a descida da inflação, logo das taxas de juro e por aí fora...

No fundo, e como sempre, quem será mais afetado por todas estas "manobras" será o simples e cada vez mais empobrecido cidadão.

Como muitas vezes nestas questões, espero estar redondamente enganado.

Mas duvido.


NO CANAL YOUTUBE EM: https://youtu.be/Cx6JhjFXYdU