UCRÂNIA: A FESTA BONITA E INÚTIL
Como diz o grande Francisco Buarque de Holanda na sua celebre canção "Foi bonita a festa, pá!".
E, de facto, a conferencia realizada com o objetivo de encontrar uma solução real e definitiva que opõe a Rússia à Ucrânia há mais de 2 anos e meio, realizada na luxuosa estância de Burgenstock, na Suíça, em junho de 2024, contou com a presença de 80 países, a maioria ocidentais e correu, para os olhos do público extremamente bem.
A foto final estava cheia, com muita gente, com Volodymyr Zelensky no centro, rodeado dos seus aliados, passando a perceção mediática de quem tem o apoio de tantos nunca pode perder.
Só que, em geopolítica, como em muitas outras coisas, o número não significa qualidade nem força.
Uma reunião de muitos fracos vale bem menos que uma simples conversa dos fortes.
E os fortes não estavam presentes, pura e simplesmente.
Os Estados Unidos, uma das peças centrais e fundamentais de todo este conflito, aliado incondicional da Ucrânia, não se fez representar pelo seu Presidente, Joe Biden, mais preocupado em ser reeleito do que com questões externas, especialmente aquelas que, ele sabe bem, são insolúveis.
Enviou a cada vez mais fragilizada Kamala Haris, a vice-presidente, diminuída politicamente com a candidatura de Joe Biden à Casa Branca (que, pela lógica e simples bom-senso, devia ser sua) e sem qualquer tipo de poder de decisão senão o repetir, pela milionésima vez, que os Estados Unidos apoiam a Ucrânia embora, todos o saibamos, depois esse apoio demore meses a ser materializado devido a questiúnculas internas no Senado e no Congresso americano, cada vez mais divididos, fragmentados e extremados.
A natureza da presença dos Estados Unidos nesta conferência é o espelho do que este país, a potencia global do pós-guerra fria, é atualmente: uma nulidade diplomática sem poder e influência, um vazio político que não consegue resolver os seus próprios problemas quanto mais os dos outros, uma sombra pálida e difusa sem capacidade de influência, de decisão e de condicionar a política externa seja em que direção for.
A presença dos Estados Unidos, nos moldes em que se concretizou, não só não credibilizou e deu força a esta conferencia como teve o efeito contrário. Sem a presença do Presidente e sem o anunciar de medidas imediatas e com impacto, os Estados Unidos transmitiram uma mensagem que a Ucrânia é, para a política americana, cada vez mais, uma questão secundária que quase só é mantida para "não perder a face".
<E, assim, fazendo-se representar a um nível secundário, secundarizou toda a conferencia, tirando-lhe, desta forma, uma grande cota do seu real impacto a nível geopolítico.
Outra ausência estrondosa foi a da República Popular da China, país que terá, sempre e inevitavelmente, uma palavra a dizer numa futura resolução deste conflito. Jogando com a expectativa da sua presença ou não no encontro até ao último segundo, deixou que muitos países confirmassem a sua presença confiando que a China estaria presente (embora sempre a um nível muito "baixo"), garantindo que esta se realizava para, depois, no último momento, simplesmente não se fazer representar.
Não direi que, com a ausência da China a conferencia condenou-se ao fracasso absoluto só por esse fator, mas fazer uma reunião deste tipo com uma das potencia secundarizada (os Estados Unidos) e outra pura e simplesmente não representada, a China, é tornar este encontro completamente inútil e fútil.
Não sendo a Rússia simplesmente convidada, sendo uma das partes do conflito e as duas potências mundiais atuais estando uma ausente e outra diminuída, já se sabia que nada de concreto ou sequer minimamente relevante podia sair da Suíça.
Simplesmente os que podem, de facto, resolver todo este conflito, não estavam presentes.
A ausência da China também marca, claramente, duas coisas muito importantes: a primeira que o seu apoio à Rússia continua firme e inabalável; em segundo que a China não dará o seu apoio a nenhuma solução de paz que tenha origem no "ocidente alargado".
Este segundo fator, para quem sabe "ler" nas "entrelinhas" da diplomacia global pode querer dizer duas coisas: ou a China está tão certa de uma vitória russa que nem se dá ao trabalho de se preocupar com acordos de paz neste momento ou, então, que ela própria tem planos próprios e específicos para essa mesma paz.
Vários indicadores sustentam as duas hipóteses: o Brasil esteve presente mas remeteu-se, formal e efetivamente, ao estatuto de observador; a India participou mais não assinou a declaração final, assim como Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e a África do Sul (para além Arménia, Barém, Indonésia, Colômbia, Líbia, Suriname, Tailândia e México).
Ora, nota-se, de imediato, neste ponto, um alarme grave e declarado: nenhum dos BRICS assinou a declaração final, ou por estarem ausentes (China e Rússia) ou por não concordarem com ele (Brasil, India e África do Sul).
Assim os BRICS, obviamente seguindo instruções de Pequim, actuaram em bloco, marcando a sua força, a sua influência e esvaziando completamente a declaração final de sentido prático e de valor diplomático real.
Afinal que paz pode ser alcançada se as maiores potencias reais do mundo não a apoiam?
O facto de "aliados naturais" dos Estados Unidos como a Arábia Saudita e o Emirados Árabes Unidos também não o terem feito igualmente é um fator a assinalar, revelando que, mesmo no "bloco" que devia apoiar os Estados Unidos há divisões e discordâncias e logo de duas superpotências petrolíferas e económicas fundamentais para a estabilidade económica e financeira da América.
Se somarmos a estes indicadores o facto de a maior parte dos países do mundo não se terem feito representar (somente 80 de 193 países) demonstra que, em relação à questão ucraniana, não há união, não há consenso, que se tornou uma questão secundária ou mesmo terciária e que a maioria da comunidade internacional está cansada e saturada deste conflito.
Embora a União Europeia se tenha esforçado ao máximo por dar relevância e notoriedade a esta conferência, tentando que fosse um evento revigorante e reforçador no apoio da comunidade internacional à causa Ucraniana, simplesmente falhou, como falhou tudo o que a União Europeia fez ou tentou fazer ao longo dos últimos 2 anos e meio.
A Ucrânia e, especialmente, Volodymyr Zelensky, saem desta conferencia com belas fotos, com uma declaração que diz o que já foi dito e com uma certeza: cada vez tem menos apoios e os que tem estão cada vez mais fracos.
Quem vence?
Em primeiro lugar a Rússia que, nesta conferencia, vê a sua causa reforçada tirando partido da declarada divisão da comunidade internacional, não em relação ao ao conflito em si, mas em relação à sua resolução.
Em segundo lugar a China e os seus aliados do BRICS que vêm a sua posição e influência reforçada pois veem comprovado o facto de, na política global, atualmente, nada se decide sem eles.
Quem perde?
A Ucrânia que vê a sua causa enfraquecida, os Estados Unidos que veem a sua influência cada vez mais diminuída e a União Europeia e as Nações Unidas que veem a sua inutilidade, incapacidade e incompetência cada vez mais vincadas e notórias.
Nem vou falar da OTAN/NATO que, tendo estado na origem de toda esta situação (e não disse que era culpada) cada vez se mostra mais incapaz, inútil e ineficaz.
Que conclusões podemos, então, retirar deste encontro?
Que, uma vez por todas, os Estados Unidos e a União Europeia têm de chamar a Ucrânia à razão e convencer Volodymyr Zelensky que nunca vencerá este conflito, que uma capitulação russa é impossível, logo, terá, mais cedo ou mais tarde, de se sentar a uma mesa com Putin para obter a paz. E que essa paz implicará cedências de ambas as partes, cedências essas, inclusive, que a Rússia já declarou que está disposta a fazer, sendo, neste ponto, a Ucrânia a facção inflexível e intransigente.
Cada vez com menos apoios, cada vez mais fragilizado, com a situação militar a tender favoravelmente, atual e nitidamente, para a Rússia, o presidente ucraniano está, simplesmente, a adiar o óbvio e o inevitável, e cada dia que passa a Ucrânia e o seu povo estão mais destruídos, mais vitimizados, mais pobres, mais massacrados.
Por muito injusta que seja toda esta situação (que é!), por muito que nos custe não vencer e submeter Putin e o seu regime, por muito que nos custe abdicar de valores e princípios que deviam ser inegociáveis, acho que chegou o momento de enfrentar a dura realidade e, de entre os males, optar pelo menos prejudicial e traumático.
A Ucrânia, o povo ucraniano e a restante população mundial já sofreram demais e a paz, neste momento, justifica tudo.
Até o admitir que falhamos.
O ocidente falhou a evitar o conflito, depois falhou na avaliação da capacidade de resiliência de Putin, depois falhou no campo militar e diplomático e agora está a falhar no encerramento definitivo da situação adiando o inevitável.
De facto, são demasiados falhanços para se poder, depois, esperar uma vitória ou, sequer uma vantagem.
Terminou o período dos sonhos e dos ideais.
Chegou o momento de enfrentar a realidade e, com humildade, assumir os erros para se conseguir o absolutamente fundamental:
A Paz.
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