TRUMP VS KAMALA: O MAL MENOR

25-10-2024


As eleições nos Estados Unidos da América estão próximas e tudo está em aberto.

De facto, a menos que, entretanto, aconteça uma hecatombe (e, mesmo assim), tudo se decidirá no último momento e os resultados definitivos poderão demorar semanas a ser conhecidos.

Os números estarão muito próximos em vários Estados e, certamente, ambas as partes, conforme lhes for conveniente, pedirão contagens e recontagens, e depois seguir-se-ão todos os processos judiciais já habituais, atrasando a proclamação do próximo Presidente da maior potência mundial, que tomará posse no dia 20 de janeiro (curiosamente, o dia do meu aniversário).

Mas, seja qual for o resultado, podemos afirmar uma coisa: muito infelizmente, os americanos vão ter de escolher entre um mal menor ou entre o melhor de dois males.

Em rigor, nenhum dos candidatos se enquadra naquilo de que os Estados Unidos da América, e, consequentemente, o mundo, precisariam neste momento: discernimento, proatividade, orientação para a solução de problemas, boa "capacidade política", seja a nível interno, seja a nível externo, inteligência e geração de consensos.

Convenhamos que a situação global atual é tão complexa que precisaríamos de uma pessoa excecional para assumir a "Casa Branca".

Tanto Trump como Kamala têm as suas vantagens e desvantagens, como todos nós.

Mas, em ambos, as vantagens não são suficientes e as desvantagens são demasiadas para termos alguma esperança numa política contínua, coerente e eficaz nos próximos quatro anos.

Além disso, serão quatro anos de pura e dura campanha eleitoral, em que ambos farão tudo para garantir a sua reeleição em 2028.

Serão, assim, quatro anos em que, ganhe um ou outro, não farão mais o que fazer o que querem que se faça em vez de fazer o que é necessário fazer, que normalmente não é popular e não cativa votos, muito pelo contrário.

E é necessário fazer tanto...

Mas, analisemos um e outro.

Donald Trump quase que não precisa de comentários.

Sempre igual a si próprio, é o "elefante cor-de-rosa na loja de porcelana" da política mundial.

Populista, espontâneo, imprevisível, profundamente ignorante do que é política, diplomacia ou geoestratégia — tudo isso é muito mau, mas, simultaneamente, muito bom.

Porque, convenhamos, não será já altura de termos "um elefante cor-de-rosa" na estagnada, inerte e decrépita "loja de louça" da política atual?

Não será necessário alguém que rompa com o sistema, que mude os hábitos, os costumes, que "arrume" os mesmos de sempre e revigore, em definitivo, o modo de ser, estar e fazer política?

Já não é altura da política, que se mantém no mesmo "registo" desde o final da Segunda Grande Guerra, se adequar aos tempos modernos, à globalização, à velocidade e dinamismo dos mercados e das sociedades, à "irrequietude" das novas gerações?

Já não é tempo de ter uma nova política e novos políticos para os novos tempos?

Não estou a dizer que se deve fazer política como Donald Trump.

Pessoalmente (e é a minha opinião, que só a mim me vincula), defendo outro estilo de comunicação, de dialética e de ser e estar na política.

Mas, como sempre, as grandes "revoluções" começam nos extremos e com extremos, tendendo depois a estabilizar no "meio-termo".

Por isso, este populismo, imprevisibilidade e "jogar fora do jogo" de Trump pode ser uma vantagem.

Depois, digam o que disserem, Trump faz!

Bem ou mal, vai, reúne, fala, ordena, avança!

Seja para a Coreia do Norte, seja para Israel, seja para a China, seja numa guerra ou numa pandemia, ele vai "com tudo".

Concordemos ou não com ele, com o que propõe ou com as políticas e soluções que defende, ele vai e tenta, com toda a força, com toda a vontade e convicção, que, convenhamos, em geopolítica, muitas vezes (a maior parte das vezes), é o mais que necessário para que alguma coisa se resolva e se faça, se mais não for para que o que Trump propõe não se faça.

Trump rompe entropias!

Quem é por ele tem de "mexer-se" para que aconteça o que ele quer, quem é contra ele tem de fazer alguma coisa para que não aconteça o que ele quer.

Em ambos os casos, faz-se alguma coisa, o que, em política, é extremamente raro, quase antinatural.

Porque, numa atividade que cultiva, há séculos, a arte de nada fazer parecendo que se faz, alguém que faça é, sem dúvida, uma vantagem.

Outra vantagem que Trump terá é que, sem dúvida, fará uma oposição firme e decidida aos avanços da China na sua consolidação da hegemonia global.

Pode não o fazer da melhor maneira, pode não obter um resultado positivo e definitivo (quase impossível, diga-se), mas pelo menos atrasará o avanço e fará Pequim ter mais parcimónia nos seus avanços políticos, económicos e militares.

Desvantagens… desvantagens há muitas.

A economia norte-americana ficará mais agressiva, mais "selvagem", o que para os mercados externos é bom, mas, em termos de política social interna, é péssimo.

Nos Estados Unidos, os ricos ficarão mais ricos e os pobres mais pobres, os imigrantes sofrerão uma repressão sem precedentes e a política externa em relação à América Latina e à Europa será agreste e a OTAN/NATO quase que se poderá considerar extinta (na prática não o está já?).

Por isso, as vantagens estão longe de compensar as desvantagens, mas algo será feito, isso é certo!

Quanto a Kamala Harris, podemos esperar que dedique uma grande atenção à política interna, que se empenhe num trabalho árduo na estabilização social americana, especialmente no âmbito da saúde, habitação e equidade salarial e fiscal, que tente implementar uma política de integração dos imigrantes, uma faça uma maior aposta e controlo na segurança interna e um dê um grande suporte a causas como a igualdade racial, cultural e de género e o combate à "ganância excessiva" dos grandes impérios e interesses económicos norte-americanos (que, se for eleita, aos grupos defensores e promotores dessas causas poderá agradecer.)

Mas, em termos de política externa, Kamala não tem poder, influência, atitude.

Falta-lhe agressividade, proatividade, espírito de iniciativa e o "instinto matador" de correr riscos e assumir a iniciativa.

É uma senhora, uma Lady e a sua carreira é brilhante e meritória, mas tornou-se, muito rapidamente — demasiado rapidamente até — uma mulher de Capitol Hill, que se sente bem nos corredores do poder de DC e que raramente sai dessa "segurança" cómoda.

Por isso, é muito provável que haja um abrandamento na economia norte-americana, uma maior transferência de indústrias para outros países devido ao aumento dos direitos laborais e da taxação dos grandes grupos, uma desvalorização do dólar e uma "apatia" ou ineficácia em termos de política externa.

Também podemos esperar um abrandamento nas indústrias do petróleo e do armamento pela aplicação de políticas ambientalistas e pró-desarmamento tal como tem prometido na sua campanha.

Mas, não nos podemos esquecer, que estas 2 indústrias são dos maiores motores e impulsionadores da economia norte-americana e empregam, direta e indiretamente, milhões de pessoas e geram receitas, tanto privadas como de coleta fiscal, megalómanas.

Assim, o "bem-fazer" de Kamala e o seu apoio a causas de mérito incontestável terá um "reverso da moeda" muito caro e com um impacto gigantesco na economia americana e, consequentemente, de todo o mundo.

A Europa verá fortalecida a sua relação com o seu antigo aliado, mas quase só formalmente, pois, ao contrário de Trump, que acredita na velha máxima de Henry Kissinger de que "problemas de política interna resolvem-se com política externa", Kamala acha que a política externa é secundária, dando sempre preferência à política interna.

E se houve presidentes democratas que souberam manter o equilíbrio, como Obama, acho, sinceramente, que Kamala não tem o "génio" nem a "tarimba" para o conseguir fazer.

Desta forma, temos, de um lado, Trump, que faz as coisas acontecerem, embora, muitas vezes, essas coisas sejam completos disparates, e, do outro, Kamala, que não faz as coisas acontecerem e, logo, ficamos na mesma ou, em geopolítica atual, pior, pois, como várias vezes já disse, nos dias de hoje, é impossível a inércia: os acontecimentos e a evolução são tão rápidos e impiedosos que, quando não se está a evoluir, está-se a regredir.

Podemos, então, concluir que, como sempre, os dois candidatos têm vantagens e desvantagens.

Acontece que nenhum deles tem o que, de facto, é necessário, tanto para o contexto interno norte-americano como para o contexto externo global, em que os Estados Unidos continuam a liderar e a influenciar decididamente.

Assim, espera-se quatro anos de "controlo de danos" por parte de toda a comunidade internacional, ou lidando com os disparates de Trump, ou com a inação de Kamala.

Veremos como os outros "players" globais, como a China, Rússia, Irão, Índia, Brasil (os BRICS), África (cada vez mais assumida como potência emergente) e, finalmente, a União Europeia, se vão adaptar a este permanente, contínuo e imprevisível "quebra-cabeças" político que será o que acontecerá aos Estados Unidos da América nos próximos quatro anos.

Não estou pessimista, nem otimista.

Seja qual for o vencedor, teremos de lidar com ele, maximizando as vantagens, mitigando ou reduzindo as desvantagens, o que, em realpolitik, é o dia-a-dia em relação a tudo e a todos.

Uma coisa é certa: seja quem for o vencedor, o sol voltará a nascer e, depois, virá a noite, será mais um dia e o mundo continuará o seu curso, acomodado no seu hábito de não ter hábitos.