TRUMP VENCEU: E AGORA?
Donald Trump venceu, com grande expressividade, as eleições do passado dia 5 de novembro.
Derrotou a candidata democrata Kamala Harris para a presidência, numa vitória de magnitude como não se via há mais de 20 anos, conseguindo também, para o partido republicano, vitórias no Senado, no número de governadores e uma boa posição na Câmara dos Representantes.
Foi uma vitória que, antes de mais, legitima, sem margem para dúvidas, o pseudo magnata, ao assegurar-lhe a maioria dos delegados no colégio eleitoral (bem acima dos 270 que necessitava) e, ainda, a maioria dos votos populares.
Garantiu esta maioria em quase todos os estratos sociais e em quase todas as etnias, conseguindo, assim, reivindicar com verdade que uniu o país.
É algo de espantoso e insólito que analisaremos neste espaço muito brevemente.
Hoje vamos focar-nos no que se pode esperar da administração de Donald Trump nos próximos quatro anos.
Mas antes de avançarmos nessa antevisão, convém ressalvar alguns aspectos que estarão na base tanto das políticas internas como externas desta presidência.
Em primeiro lugar, Donald Trump governará focado, unicamente, na sua reeleição daqui a quatro anos ou, então, numa "passagem de testemunho" segura (terá, então, 82 anos) para um seu "discípulo", J.D. Vance.
Desta forma, irá governar com uma lógica e uma estratégia de curto prazo, eleitoralista, visando obter resultados imediatos para ter grande impacto e mediatismo (fundamentalmente mediatismo) nos quatro anos de mandato, ainda que se saiba, pelo mais comum bom-senso, que essas mesmas medidas, a médio/longo prazo, serão muito prejudiciais, mesmo calamitosas, económica e socialmente.
Toda a estratégia desta administração será, por isso, consolidar o poder através de um mediatismo e populismo baseados no imediatismo do "faz agora, pensa depois".
Este "estilo" de governação será possível pois, para além da sua eleição, Trump assegurou a maioria no Senado, o que lhe facilita a governação ao não ter de enfrentar "bloqueios" na câmara alta do poder legislativo norte-americano e permite-lhe, também, boicotar qualquer tentativa democrata de contrariar as suas decisões ou de avançar com iniciativas que, de alguma forma, pudessem restaurar a popularidade do partido democrata, agora completamente arrasada.
E este último fator — um partido democrata completamente arrasado, dividido, descredibilizado e sem rumo — ditará, em grande medida, os próximos quatro anos.
Em rigor, Trump governará sem oposição.
O partido democrata sai destas eleições completamente destruído. Perante a desitência de Biden avançou-se com a candidatura de "recurso" de Kamala Harris, uma senhora que, embora bem-intencionada e com verdadeiro espírito democrático, enquanto "agente político" pouco mais é do que mediana, sem capacidade de comunicação, sem empatia, sem "rasgo", sem gestão política da imagem, da mensagem e da oportunidade.
O partido apostou tudo para salvar uma candidatura que, com Biden, estava mais do que perdida.
Por isso, não foi só Kamala que se "queimou" nesta eleição, mas toda uma cúpula partidária, que era tudo o que os democratas tinham, à falta de resultados, realizações e ações da administração Biden.
Acrescente-se, a tudo isto, uma descaracterização ideológica "preenchida" pelas causas radicalizadas dos movimentos woke.
"Monstros sagrados", o mais precioso património democrata, como os Clinton e os Obama e até Biden, bem como várias personalidades de "elite" (desde a mega-celebridade Taylor Swift até à "divina" Oprah Winfrey), sabem, hoje, que o seu poder de influência não é tão grande assim, logo o seu real poder não é assim tão significativo.
O partido democrata precisa, urgentemente, de se reorganizar, de se definir, de encontrar bases de apoio, de descobrir novos rostos, novas ideias, toda uma nova dinâmica.
E não será em quatro anos que conseguirá tudo isto!
Tendo tudo isto em consideração, o que podemos esperar dos próximos quatro anos com Donald Trump confortavelmente instalado na Casa Branca?
Em termos de política interna, a medida mais marcante e imediata será um aumento exponencial do protecionismo do tecido empresarial e comercial norte-americano, através do aumento da taxação sobre as importações e benefícios à exportação.
Terá ótimos resultados a curto prazo, com o aumento do emprego e dos lucros das empresas; embora, a médio/longo prazo, não é preciso ser um génio da economia e finanças para saber que resultará num grande aumento da inflação e do custo dos bens/serviços, pois os Estados Unidos estão muito longe de serem autossuficientes, mesmo em sectores e áreas estratégicas, desde microprocessadores a alimentação, vestuário e combustíveis.
Assim, quando acabarem as reservas internas desses produtos, será o consumidor final a pagar a "fatura".
O segundo grande "impacto" será na política de gestão da imigração.
Trump, certamente, tornará muito mais difícil a entrada e permanência de imigrantes em território norte-americano.
Inicialmente, isto dará uma boa imagem mediática, satisfará o "povão" que se sente "invadido" e diminuirá a taxa de desemprego entre os americanos, até que estes "descubram" que não querem fazer o trabalho dos imigrantes pelo salário dos imigrantes, nas condições em que os imigrantes trabalham (recomendo o documentário "Uma fábrica Americana" na Netflix).
Tal provocará uma escassez de mão-de-obra (especialmente não qualificada) e o seu consequente aumento de custo. Áreas básicas, mas fundamentais, como manutenção, limpeza, construção civil e manufatura verão os seus custos subir exponencialmente por falta de trabalhadores, o que causará um grande aumento do preço de bens e serviços ao consumidor final.
Demorará cerca de três a quatro anos, mas será assim, o que aumentará a inflação e diminuirá, significativamente, o poder de compra dos americanos.
Além disso, é mais do que certa uma completa liberalização dos mercados, em áreas como saúde, seguros, segurança social, ensino, construção e alimentação, o que, aliado aos dois fatores já descritos, aumentará ainda mais o já dramático fosso entre ricos e pobres.
Em termos de política externa, não haverá grandes surpresas, pois Donald Trump disse, claramente, o que faria (nisso, honra lhe seja dada!).
Em relação à Ucrânia, o apoio norte-americano será reduzido a quase zero, ou mesmo zero, fazendo com que o governo de Kiev perca o seu maior e mais importante aliado, condenando, em definitivo, as pretensões de Volodymyr Zelensky de uma saída honrosa, quanto mais vantajosa, deste conflito. Com a proximidade de Trump a Putin, resta à Ucrânia negociar e ceder às exigências russas, a menos que o "afoito" presidente ucraniano queira sacrificar o seu povo numa causa mais do que perdida.
Quanto ao conflito na Faixa de Gaza, o apoio a Benjamin Netanyahu e às fações mais radicais de Israel será quase incondicional, o que implicará fornecimento de material militar e "carta branca" para que o Primeiro-Ministro de Israel aja como desejar na Faixa de Gaza, em toda a Palestina, no Líbano, e possivelmente na Síria e no Irão.
Com isso, Trump agradará à poderosa comunidade judaica norte-americana e ao importante lobby do armamento, "matando dois (ou três) coelhos com uma cajadada só", negócios do tipo que Trump adora fazer.
Outra postura que definirá a política externa de Trump é a sua relação com as instituições internacionais.
Nações Unidas, OTAN/NATO e União Europeia terão um futuro difícil, com o seu mais importante parceiro a mostrar-se notoriamente hostil e a pôr em causa a legitimidade e a utilidade dessas instituições.
O nacionalismo extremo, o egocentrismo exacerbado e o populismo radical tornam Trump pouco inclinado a parcerias e alianças, a menos que saia notória e completamente beneficiado, em termos de proveitos e de imagem. Sabe-se que Trump vê as Nações Unidas como inúteis, considera a OTAN/NATO um desperdício de dinheiro americano e acha a União Europeia um parceiro medíocre.
Haverá, por isso, um crescente isolacionismo dos Estados Unidos, que desenvolverá ações diplomáticas unilaterais, muitas vezes mesmo à revelia dos seus aliados históricos.
Contribui para isto o antagonismo com que as lideranças dessas instituições trataram Trump na sua administração anterior e em todo o processo eleitoral. Estes "profissionais da política", sem inteligência e sem conhecimento, esqueceram-se que a diplomacia é, antes de tudo, a "arte" de não fazer inimigos.
Em relação à China, prevê-se um endurecimento da tensão, especialmente no campo comercial e económico. Como outras medidas, terá um impacto imediato muito positivo, especialmente em termos de imagem, mas fortemente negativo a médio/longo prazo, pois, atualmente, e muito devido à gestão da administração Biden, os Estados Unidos não têm hipóteses reais de vencer a "guerra" comercial com a China, dado o posicionamento favorável que o "Império do Meio" conquistou nos últimos quatro anos.
Em resumo, o Presidente Donald Trump não será uma surpresa, pois sempre deixou claro o que faria se fosse eleito.
O povo americano votou de forma legítima, legal, livre e soberana, e esse voto tem de ser totalmente respeitado, pois, em democracia, independentemente das opiniões, ideologias ou até do mais comum bom-senso, a vontade popular é soberana.
Todos teremos de arcar com as consequências desta eleição, cientes de que Trump não é a causa, mas a consequência, e que fenómenos como este (cada vez mais frequentes) só acontecem porque as democracias ocidentais e os Estados de direito democrático não souberam evoluir, atualizar-se, permanecendo como "feudos" de "políticos profissionais" e "burocratas de carreira" que se afastam, cada vez mais, das reais necessidades das populações.
Fenómenos como Trump só são possíveis porque surgem como a melhor opção disponível, representando a ruptura com um sistema político e uma classe política ignorante, incompetente, inconsequente e desfasada da realidade.
Trump só existe porque nós permitimos.
Ele é o presidente de todos nós, porque, pelo voto, pela passividade ou pela incompetência, fomos todos nós que tornámos possível a sua eleição.