TRUMP COM AS “CALÇAS NA MÃO”?
Há alguns meses, quando as eleições nos Estados Unidos começaram a ser tema nos meandros da geopolítica, afirmei, neste espaço, que Trump já tinha ganho, mesmo que não vencesse nas urnas (o que duvidava que acontecesse).
Isto porque Trump parecia imbatível no espectro político que então se configurava.
Biden avançou para a reeleição, Kamala Harris estava (e continua a estar) um pouco apagada, o Partido Democrata estava completamente fragmentado, e tudo indicava que a estratégia democrata para assegurar a Casa Branca era impedir Donald Trump com manobras legais (artigo em: https://www.realpolitik.org.uk/l/trump-ja-ganhou/).
Mas o artigo foi escrito em fevereiro e, em política, não há meio-termo: ou as coisas acontecem penosamente devagar ou vertiginosamente depressa.
Não vos vou maçar com a descrição do que se passou no último mês: a nomeação de Vance para vice-presidente republicano; o atentado a Trump; a desistência de Biden; a nomeação de Kamala Harris e a nomeação de Tim Walz como vice democrata.
Acho que nem o mais brilhante dos adivinhos conseguiria prever um vórtice político de tal escala.
Mas esta é a situação!
E quais as consequências para a candidatura de Trump?
Convenhamos: Trump tinha a eleição ganha!
Então, depois do catastrófico debate de junho, era tão certo como o sol nascer amanhã.
E a máquina eleitoral republicana tinha tudo preparado, pronto, alinhado, delineado para vencer as eleições com uma boa margem.
Toda a estratégia, todo o discurso, todas as jogadas, todas as "piadolas e "golpes baixos" estavam preparados para vencer um homem, branco, idoso, com mais de 50 anos de carreira política, bom político, mas sem provas dadas no terreno, fraco em questões económicas e que atirou os dossiers mais "quentes" para a sua vice.
Tudo estava preparado, desde discursos a t-shirts, para atacar este alvo fácil, este "sitting duck", como se diz em bom inglês-americano.
Mas eis que tudo muda!
Tudo!
Agora Trump tem de enfrentar uma mulher, negra, jovem, com pouca carreira política, mas com muita experiência no terreno como procuradora, academicamente muito bem formada, inteligente, combativa, rápida de raciocínio, com muitas conquistas efetivas na sua carreira, especialmente no combate à criminalidade violenta e aos direitos das mulheres.
Uma mulher sem muitos "esqueletos no armário" (tem alguns, como todos).
Isto é, em resumo: os democratas viram a sua estratégia eleitoral reduzida a pó!
E, para quem não está familiarizado com os processos eleitorais, especialmente nos Estados Unidos, uma estratégia eleitoral demora meses, muitos meses, a fazer e custa dezenas de milhões de dólares.
Se é verdade que Kamala Harris tem apenas 5 meses para vencer estas eleições, também é verdade que Donald Trump tem os mesmos 5 meses para não as perder.
E se, por um lado, Kamala Harris pode herdar e aproveitar muito do que foi feito para a campanha de Joe Biden, porque a estratégia era o combate ideológico e esse continua o mesmo, a campanha de Trump, que baseia a sua estratégia no combate pessoal, ficou, literalmente, sem nada.
Os republicanos têm de mudar tudo: os argumentos, os estilos, o eleitorado a abordar, o tipo de discurso e até as "piadolas" e os "golpes baixos".
Reparem que Trump passou de jovem e vigoroso candidato, que era com Biden, para o mais velho candidato à Presidência dos Estados Unidos de sempre!
Mesmo em termos de financiamento de campanha, que nos Estados Unidos é fundamental e é um muito assertivo indicador de popularidade entre as elites decisoras americanas, Trump já arrecadou o que tinha a arrecadar, o que já não foi muito, mas era mais que Biden.
Kamala beneficiou por vencer o medo de muitos patrocinadores e lobbies em relação a Biden e, nas duas últimas semanas, bateu todos os recordes de angariação de fundos em eleições americanas.
Outro fator é que Trump, como ele gosta, é um "one man show", egocêntrico, narcisista, que só se promove a si e gosta de brilhar sozinho. O Partido Republicano é, unicamente, o meio para o indivíduo atingir o fim de ser eleito.
O partido aceita porque, em rigor, não tem mais ninguém.
Aceita, mas cada vez menos apoia.
Viu-se pela convenção republicana: morna, sem figuras de relevo da vida pública americana, sem políticos de renome, com delegados apáticos e público pago para lá estar.
Kamala, pelo contrário, conseguiu congregar e unir o Partido Democrata e, na sua convenção, teve a seu lado os Obama, os Clinton, o próprio Joe Biden, além de dezenas das mais proeminentes figuras da sociedade norte-americana, desde intelectuais, cientistas, artistas e grandes figuras dos media.
Kamala Harris sai da convenção democrata em crescendo e com capacidade de atrair eleitorado que, antes disto tudo, não votaria nela.
Assim, para vencer, Kamala Harris tem de fazer uma coisa: ser ela própria!
Deve manter o discurso focado no futuro e não no passado, na recuperação económica e não na situação atual (que, de facto, não é a melhor), deve manter-se restrita às ideias, às estratégias, aos projetos, aos planos, isto é, em tudo o que Trump não tem, não terá e nem sequer entende.
Se Kamala se mantiver fiel a si própria, Donald Trump ficará sem argumentos, sem respostas aos ataques pessoais, baixos e vis, "fora do seu jogo", "sem chão" e, emotivo como ele é, começará a entrar em desespero e, aí, "descerá" cada vez mais baixo, será cada vez mais agressivo, inconsequente e incompetente, radicalizando cada vez mais o seu discurso e afastando cada vez mais o eleitorado moderado e não filiado, que, como todos sabemos, é quem decide as eleições em qualquer país ocidental.
Há, assim, algo que ainda há um mês não existia: uma hipótese de não termos Donald Trump na Casa Branca em janeiro.
Já é alguma coisa!
Mas, também como todos sabemos, Trump é Trump e, na "terra dos livres e país dos bravos", tudo, mas mesmo tudo, é possível.
Até alguém como Donald Trump vencer alguém como Kamala Harris!
Até isso!