TERRORISMO GLOBAL EM 2024: TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS

05-01-2024


O brutal ataque do Hamas ao território israelita ocorrido em 7 de outubro de 2023, seguido pela resposta militar do Estado Judaico, consolidou a guerra em Gaza como um elemento central e incontornável no cenário da ameaça terrorista em 2024.

Nos Estados Unidos da América, o diretor do FBI, Christopher Wray, alertou repetidamente sobre o aumento do nível de ameaça terrorista, afirmando perante o Congresso que "avaliámos que as ações do Hamas e dos seus aliados servirão de inspiração para outros agentes como não vimos desde o lançamento do autodenominado califado pelo Estado Islâmico há anos".

As preocupações também atingem a União Europeia, com a Comissária Ylva Johansson a declarar, recentemente: "Com a guerra entre Israel e o Hamas e a polarização que provoca na nossa sociedade, existe um enorme risco de ataques terroristas na União Europeia durante a época natalícia."

Se as preocupações da comissária são de curto prazo, as minhas não são.

Temo mais pelos efeitos a médio prazo, porque é necessário tempo para os extremistas propagarem a sua mensagem, concentrarem meios e planearem ações.

Como em tudo, o terrorismo também precisa de tempo, de planeamento e de preparação e, se há coisa que o terrorismo sempre primou, foi pelo cuidado, minúcia e planeamento que coloca nas suas ações.

Mas, é inegável, que o presente conflito entre Israel e o Hamas poderá atuar como catalisador para planos e ataques terroristas para além da própria zona de conflito, motivando indivíduos radicalizados, pequenas células e redes descentralizadas a atacar alvos associados a um dos lados.

Já ocorreram casos desse tipo nos últimos meses, por exemplo, com sete indivíduos detidos na Dinamarca, Alemanha e Holanda por, alegadamente, planear ataques terroristas contra instituições judaicas na Europa, sendo alguns deles membros do Hamas.

Embora o conflito em Gaza ocupe uma parte significativa da agenda global do contraterrorismo, a região do Sahel, na África Subsaariana, provavelmente continuará a ser o epicentro do terrorismo no futuro próximo.

O Sahel enfrenta desafios tais como fronteiras indefinidas ou contestadas, forças de segurança enfraquecidas e juntas militares ilegítimas, permitindo que grupos jihadistas operem quase impunemente.

Grupos como Jama'at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM), Província do Sahel do Estado Islâmico (ISSP) e Província da África Ocidental do Estado Islâmico (ISWAP) continuarão a explorar Estados falhados e áreas sem governo para, livremente, se basearem, treinarem e preparem as suas ações, e, como é óbvio, desenvolverem toda a espécie de atividades de crime organizado e transnacional com que se financiam.

A região testemunhou uma série de golpes militares nos últimos anos, levando ao estabelecimento de regimes próximos à Rússia como é o caso de Burkina Faso, Mali e Níger.

A Rússia, embora com menos impacto, pode utilizar a mesma tática que, tudo indica, aplicou na faixa de Gaza: ao escalar conflitos locais, mas de grande impacto mediático, esvazia a questão ucraniana que é a que mais preocupa e desgasta o regime de Moscovo.

A presença da empresa militar privada russa "Grupo Wagner" (muito longe de estar inoperante ou mesmo enfraquecida), especialmente após a morte do líder Yevgeny Prigozhin em circunstâncias suspeitas (grande eufemismo), intensificou a questão do terrorismo no Sahel, resultando em baixas civis significativas e danos colaterais.

A morte de Prigozhin provou-nos a todos que o mal que temos pode ser o melhor que podemos esperar e que é sempre possível um mal maior, mais descontrolado e mais sanguinário.

O Jama'at Nusrat, próximo à Al-Qaeda, permanece poderoso no Sahel e busca expandir as suas operações para a costa da África Ocidental.

Embora alguns analistas estejam otimistas sobre o declínio iminente do grupo, outros, incluindo eu, não descartam a resiliência histórica da Al-Qaeda e a sua capacidade em se regenerar quando encontra refúgio em Estados falhados, como é o caso do atual governo talibã no Afeganistão.

Não podemos esquecer que a retirada das Forças Aliadas do Afeganistão, transformou a Al-Qaeda num grupo que estava enfraquecido, sem líder e sem base, num grupo, de novo com uma base, com financiamento fixo e que, mais cedo que tarde, encontrará um líder que a consiga revigorar.

Estar muito, mas mesmo muito atento à atividade da Al-Qaeda é fundamental para não sermos, de novo, surpreendidos pelas suas ações.

A situação no Sul da Ásia também merece muita atenção, com a Al-Qaeda no subcontinente indiano e as ligações de longa data do Tehrik-i-Talibã (TTP) com a Al-Qaeda.

Após a reconquista do Afeganistão pelos talibãs em 2021, o Paquistão enfrenta um aumento dos ataques terroristas planeados por grupos militantes jihadistas, alguns utilizando o Afeganistão como base segura.

A insurgência do TTP representa uma ameaça crescente, e a incapacidade das forças de segurança paquistanesas em reprimi-la (incluindo os seus poderosos e muito eficazes "Serviços Secretos": o "Inter") pode resultar numa instabilidade generalizada em 2024 na região.

O Estado Islâmico, embora enfraquecido no Iraque e na Síria, persiste na realização de uma insurgência de baixo nível na região desértica da Síria.

Questões não resolvidas em campos de detenção, como em al-Hol, continuam a ser uma preocupação, representando potenciais pontos de fuga para membros do EI.

A ameaça do Estado Islâmico da Província de Khorasan (ISKP) no Afeganistão, embora contida em grande parte no Sul da Ásia, poderá aumentar se o grupo conseguir, de alguma forma e com a patrocínio de algum país ou organização (e há muitos candidatos) reconstituir as suas operações especialmente em ataques externos que lhe confiram visibilidade e, de novo, fonte de recrutamento e de financiamento.

O Médio Oriente, por sua vez, pode, como já afirmei, presenciar uma mudança temporária no paradigma do terrorismo, passando de grupos salafi-jihadistas sunitas para grupos xiitas patrocinados pelo Irão.

Embora o Hamas e a Jihad Islâmica Palestiniana (PIJ) sejam sunitas, outros grupos xiitas, como o Hezbollah libanês, os houthis no Iémen e milícias xiitas iraquianas, especialmente o Kata'ib Hezbollah, continuarão a representar desafios significativos para a região.

O prolongar do conflito em Gaza pode (e vai) radicalizar as populações internas dos países árabes e mesmo na diáspora, incluindo a Arábia Saudita, aumentando o risco de terrorismo doméstico.

O distanciamento mais do que óbvio de Riade em relação aos palestinianos e à sua causa pode gerar uma reação na sociedade saudita, semelhante ao período pós-11/9, quando a Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP) representava uma ameaça em termos de terrorismo doméstico.

Para além de tudo isto, que, no fundo, é a continuidade e a evolução natural do que acontece há anos, soma-se a ameaça dos atores extremistas violentos com motivações raciais e étnicas no "mundo ocidental", que, embora permaneçam descentralizados, com grupos como a Divisão Atomwaffen, "A Base" e o "Movimento de Resistência Nórdica" perdendo, progressivamente, destaque, vão surgindo, por toda a Darkweb, fações, subgrupos e outros atores, muitas vezes quase informais, quase pop-up (já se começa mesmo a falar me terrorismo pop-up por incrível que pareça) mas capazes de desencadear ações muito sérias, em especial no que diz respeito ao ciberterrorismo.

No entanto, o Movimento Imperial Russo (RIM) foi revitalizado pela guerra na Ucrânia, intensificando esforços de recrutamento, propaganda e treino paramilitar (quase, por certo, financiado pelo regime Russo).

O conflito ucraniano pode gerar extremismos violentos motivados pela ideologia nacionalista e étnica, apresentando ameaças ao Ocidente, tanto do lado russo como do lado ucraniano (não nos podemos esquecer do Regimento Azov que, embora muito enfraquecido, está longe de estar extinto).

O impasse que as forças ucranianas estão a sofrer do ponto de vista de guerra convencional, aliado ao desgaste do conflito e ao sofrimento das populações pode, muito facilmente, dar origem a células que recorram a técnicas de conflito assimétrico, incluindo o terrorismo, para fazer frente à invasão russa.

Do lado da população que apoia a Rússia e a anexação dos territórios do Donbasse e da Crimeia (porque a há e é numerosa por muito que os nossos órgãos de comunicação social o tentem esconder), também elas massacradas e exaustas, pode acontecer exatamente o mesmo.

Desta forma, o enfraquecimento do conflito convencional e uma escalada da beligerância não convencional baseada numa vaga de ataques terroristas de ambas as partes é uma possibilidade bem real (com ambos os países a terem "interesse" nisso e capazes de por os seus Serviços de Inteligência a apoiar esses movimentos). Desta em forma e em relação a esta questão, arriscaria dizer que já passamos a questão do "se", para passarmos para questões de "como, quem e quando".

A todo este cenário, junta-se, e perdoem-me o termo, o terrorismo de "salada de frutas" onde os extremistas e radicais das mais diversas origens e extratos, adotam e assumem componentes, motivações e características de diversas ideologias.

Este tipo de fenómeno, provavelmente persistirá e até aumentará, facilitado pela cultura da internet e pela propagação de teorias conspiratórias, misoginia, antissemitismo e propaganda anti-LGBTQ.

Os movimentos Woke e Antifas, muito ligados à "filosofia", cada vez mais radical, das (e não da) Cancel Culture são, sem dúvida nenhuma, não só polos de tensão, mas polos de atração para indivíduos que buscam uma causa que justifique e "oriente" o seu radicalismo.

A declarada incapacidade das instituições legitimas, nomeadamente as Nações Unidas e a União Europeia de resolver as questões internacionais, sociais, económicas, humanitárias e ambientais são campo fértil para todo o tipo de teorias da conspiração, desinformação e populismo que, obviamente, congregam radicalismos e extremismos que, facilmente, dão origem a atos de terrorismo.

Além disso, o terrorismo de "interesse especial", envolvendo causas como direitos dos animais e resistência ecológica, representa uma ameaça crescente. Indivíduos motivados por questões pró-vida e pró-escolha relacionadas com o aborto também são uma preocupação no cenário de ameaça terrorista.

Nunca nos podemos esquecer que o terrorismo não estás nas causas que suporta, muitas das vezes justas e meritórias, mas nos meios que aplica para promover e impor essas causas.

No entanto, podemos concluir que o cerne da ameaça terrorista para 2024, do meu ponto de vista, será a da violência politicamente motivada.

Com eleições previstas em 2024 em oito dos dez países mais populosos do mundo, incluindo Brasil, Índia, Indonésia, Paquistão e Estados Unidos, é crucial monitorizar a violência política relacionada com essas mesmas eleições.

Por exemplo, o potencial para terrorismo doméstico e extremismo antigovernamental nos Estados Unidos é evidente.

Eventos de destaque em 2024, como os Jogos Olímpicos de verão em Paris, França, representam alvos visíveis para terroristas, incluindo aqueles interessados em utilizar tecnologias emergentes, como drones e armas impressas em 3D.

A ameaça terrorista é dinâmica e em constante evolução.

O ataque surpreendente do Hamas em outubro desafia suposições anteriores e destaca a importância contínua da análise cuidadosa de fatores e variáveis para compreender a natureza em mutação do terrorismo transnacional.

Mas, fundamentalmente, temos de assumir, de uma vez por todas, que em 2024, a ameaça terrorista não vai diminuir, muito antes pelo contrário.

E se, ao fim de quase 50 anos de luta contra o terrorismo este não está a enfraquecer, talvez seja altura de repensarmos a nossa metodologia, o nosso anglo de abordagem, as nossas estratégias e táticas.

Talvez seja altura de repensarmos, mesmo, o nosso empenho nesta luta e definirmos, de uma vez por todas, qual o nível da nossa determinação e até que ponto estamos dispostos a ir, enquanto sociedade, enquanto cultura para, de uma vez por todas, erradicarmos este fenómeno, que, ano depois de ano, há décadas, nos diminui, nos enfraquece, nos empobrece, nos fragiliza e, com isso, promove a própria causa do terrorismo.

Porque, nós, Estados de Direito Democrático, sociedades livres e igualitárias, para sairmos vitoriosos temos, claramente, de vencer, a eles, terroristas, basta-lhes não perder, pois, como dizia o IRA, ao falhar o ataque à primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, a 12 de outubro de 1984, em Brighton: "Vocês tem de ter sorte sempre, nós, uma única vez!"

A sorte tem de ser nossa, a vitória tem de ser nossa porque o contrário é pura e simplesmente inaceitável.