QUO VADIS? e, de novo, o tema da Igreja Católica

Depois de 3 anos achou-se que já era seguro o suficiente realizar, de novo, na Igreja de Santiago, a Vigília Pascal.
É a eucarística de todas as eucaristias, a mais solene, a mais significativa, a central em toda a fé católica pois celebra, precisamente, o mistério central de todo do cristianismo: a ressurreição de Jesus de Nazaré.
Fui por respeito, exemplo e sentido de dever e de estar, com a minha gente, neste momento que é importante na nossa tradição, não só como religião, mas como cultura e povo, e, também, óbvio, por ser o retomar de um ritual secular nestas terras depois de um período tão traumático e marcante para todos como foi a Pandemia.
E, assim, com calma, pus-me, de novo, a observar esta celebração.
Está cheia de símbolos, de ritos, de significados.
De palavras que festejam e anunciam, de gestos que invocam, que sagram, que purificam. Está repleto de hinos belíssimos à vida, ao poder do bem sobre o mal, da virtude sobre o pecado, da vida sobre a morte, da luz sobre as trevas.
A Vigília Pascal acabou por absorver toda a ritualística do equinócio de primavera de todas as culturas, tradições e religiões que influenciaram o cristianismo. Dos judeus aos romanos, dos gregos aos celtas, dos godos aos normandos, em rigor, todo o ocidente pode encontrar, naquela celebração, um pouco de si, da sua história, das suas tradições, da sua alma.
Da cerimónia do fogo novo à bênção da água, da entoação do precónio Pascal à inovação solene do "Glória", que entre sinos e luzes, anuncia a vitória da vida sobre a morte, a Vigília Pascal é, para crentes e para não crentes (o meu caso) um momento único, belo, pleno.
No meu caso, se não a vivencio nos mistérios da fé, vivencio-a na relevância cultural, histórica, simbólica, ritualística que preserva o que é muito da história, cultura, simbolismos e rituais da cultura a que tenho a honra e o orgulho de pertencer.
Mas, depois, outra questão coloquei: quantas daquelas pessoas que assistiam à celebração, sabem, de facto, o significado, o sentido, a razão de ser e de se fazer todos aqueles rituais, gestos e símbolos? Quantos sabiam o sentido por de trás de tudo o que era feito e dito, do que era realizado, da origem e sacralidade dos gestos, muitos deles com origens e fundamentos muito antes do tempo de Jesus Nazareno?
Porque assistir a uma Vigília Pascal sem se saber o que se faz, porque se faz e o que significa torna-se, apenas, um martírio de 3 horas, de senta e levanta, levanta e senta, vazio de valor, sentido, vivência e significado.
Mas é o que acontece!
A Igreja, ao longo dos séculos, protegeu os seus mistérios e, com eles, o significado dos seus rituais e símbolos, de modo a manter e preservar a principal arma do seu poder: o Medo.
E nada se teme mais do que aquilo que não se conhece.
Por isso, desde os rituais às escrituras, as vivencias e práticas da religião somente eram conhecidas por uma pequena elite sacerdotal restrita e completamente vedado aos crentes.
Note-se que até aos anos 70 do século passado, até a língua das celebrações e ritos, o latim, era estranha à esmagadora maioria dos crentes.
Os crentes viam, não entendiam, logo temiam.
Eram encantamentos sagrados que os podiam condenar à salvação eterna ou à condenação perpétua.
Não era importante entender: o importante era estar, obedecer, cegamente, sem questionar, sem pensar, sem reagir, não se fosse, mesmo sem intenção, provocar a ira divina!!!!
Eram os tempos em que a Santa Madre Igreja baseava o seu poder numa multidão de crentes fiéis, obedientes, amedrontados e ignorantes.
Mas os tempos do medo terminaram, felizmente, e já ninguém acredita (e muito menos teme) infernos de enxofre ou almeja paraísos com rios de leite e mel.
Hoje o povo quer razões, quer significados, quer vivências e experiências.
E nisso a Igreja Católica tem um grande trunfo: toda uma ritualística, simbologia, espiritualidade e misticismo cultivado e aperfeiçoado ao longo de 2 milénios e, para além do mais, ocidental, alicerçado nas nossas histórias e nas nossas tradições, nas nossas memórias e na nossa "alma mater" como europeus e ocidentais.
Numa sociedade hiper consumista e supra materialista que busca, sem cessar, respostas para o espírito vazio que não se preenche com bens de consumo chegados pela UPS, a Igreja Católica tem tudo e mais alguma coisa para preencher esse vazio.
E as pessoas buscam e buscam cada vez mais essa espiritualidade.
Nunca, como agora, houve tantas "ofertas" e "hipóteses" para preencher esse "vazio" que o ocidente, notoriamente, sente.
De astrologias a angiologias, de tigelas tibetanas a diferentes tipos de ioga, tantras e métodos de meditação, há de tudo para preencher esse vazio espiritual que é sentido e sofrido por um ocidente que tem tudo, compra tudo, consegue tudo menos saber quem é e para onde vai, e, a essas questões, o espírito sempre "venceu" a racionalidade e a ciência.
Depois há todas as "novas respostas" que, embora não o parecendo, no fundo e bem analisadas, não passam de "preenchimentos" modernos, materialistas e ocidentais da mesma espiritualidade de sempre. Alguns (e eu disse "alguns") tipos de coaching, de mentoria, de Mindfulness, de milagrosas Programações Neurolinguísticas, assim como o extremar de causas e ideais, que, por muito corretos e nobres que sejam, mas, quando extremos e radicalizados se tornam nocivos, perniciosos, agressivos, violentos, perigosos, são a consequência de carteiras cheias, mas almas vazias que, tarde ou cedo, "exigem" ser preenchidas, completas, vivenciadas, seja lá com o que for.
E tudo isto, ao contrário do que muitos pensam, inclusive a própria Igreja Católica, não é uma ameaça, mas sim uma oportunidade.
Porque é, precisamente, esse o caminho que a Igreja Católica tem se seguir.
Tem que se deixar de preocupar com questões sexuais, relacionais, comportamentais e materiais, tem que se deixar de imiscuir em políticas e finanças, em jogos de poder e de domínio.
Tem, de uma vez por todas, de aceitar a frase do próprio fundador "A César o que é de César, a Deus o que é de Deus".
A Igreja Católica tem de deixar de ser César e passar a ser, "somente", para quem o procura, o caminho para Deus.
A Igreja tem de alimentar a fé e o espírito de quem nela procura resposta a questões do transcendente.
A igreja tem de se tornar uma verdadeira "eclesia", uma assembleia de crentes em que o clero é o orientador e não o comandante, é guia e não o tirano, é o conforto e não a opressão, é a explicação e não o mistério, é o bom pastor e não o carniceiro.
Uma igreja viva e vivida por todos, em que todos podem encontrar o seu caminho, a sua espiritualidade, a sua paz.
Uma igreja de irmãos e não uma igreja de servos.
Uma Igreja de Homens perante Homens, de iguais perante iguais, de irmãos perante irmãos, ajoelhados nunca perante um seu semelhante mas somente diante o seu Deus!
Uma igreja que se explique e que se deixe explicar, que responda e se deixe questionar, que se desvende, que se ilumine, que se dê, que se entregue.
E tem tanto, tanto para dar….
Conta a lenda que Pedro, desiludido da sua primeira ida a Roma, decidiu regressar à sua Galileia natal. Pensou que aquele grupo inspirado por Jesus nunca se tornaria a fonte da salvação numa Roma imperial omnipotente.
Mas, na beira da estrada, um rapaz, questionou-o "Quo vadis, Petrus". "Onde vais Pedro?" (e aqui Pedro mais no sentido de "Pedra" do que, propriamente, no substantivo próprio).
E Pedro, que nesta criança viu a imagem do seu Mestre, humildemente, voltou para Roma e lançou as fases do que é, atualmente, a Igreja, tornando-se o primeiro Bispo de Roma, o primeiro Papa.
Hoje, essa mesma Igreja, precisa que lhe façam a mesma pergunta: "Quo vadis?"
Porque da resposta a essa questão depende muito, até a sua própria existência.
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