PORTUGAL NAS AUTÁRQUICAS: O ESPELHO DE UMA POLÍTICA EM RUÍNAS

03-10-2025


Aproximam-se mais umas eleições autárquicas e, uma vez mais, Portugal prepara-se para mostrar ao mundo o que realmente vale em termos políticos.

Digo-o sem rodeios: sempre defendi que o verdadeiro "estado político" de um país se revela mais nas autárquicas do que nas legislativas.

É nestas eleições que se expõe a realidade nua e crua da nossa vida política, porque aqui entram em cena os agentes mais próximos das populações, aqueles que deveriam estar no terreno a resolver problemas concretos, a ouvir e a servir.

Mas, em vez disso, o que encontramos é um retrato desolador.

Não é exagero afirmar que aquilo que vemos hoje não é bonito. Muito antes pelo contrário.

É feio, degradante e, para piorar, tende a agravar-se de eleição para eleição.

O ambiente político local, que deveria ser de proximidade, transformou-se num palco de vaidades pessoais, disputas de facções e carreirismo sem escrúpulos.

O primeiro problema, e talvez o mais evidente, é a qualidade dos candidatos.

Cada vez mais as listas são ocupadas por "profissionais da política" que nunca trabalharam fora dos corredores dos partidos, ou então por dinossauros agarrados ao poder, incapazes de ceder lugar a novas gerações que poderiam trazer sangue fresco e ideias renovadas.

Entre os dois extremos, o resultado é o mesmo: uma política pobre, previsível e incapaz de mobilizar os melhores de nós.

Não é de estranhar que empresários, académicos, médicos, engenheiros, professores ou cidadãos empenhados, que poderiam dar um contributo sério, se afastem cada vez mais da política ativa.

Porquê?

Porque o ambiente é tóxico, porque a lógica dos aparelhos partidários repele quem ousa pensar de forma livre e porque o sistema está montado para proteger "os de sempre".

A política autárquica, em teoria, deveria ser o espaço mais genuíno do serviço público. Afinal, é no município, na freguesia, que as pessoas sentem no dia a dia o impacto direto da governação.

Mas aquilo que se vê é uma caricatura desse ideal.

Em vez de proximidade, há afastamento. Em vez de soluções, há arranjinhos.

E o nível do discurso? Esse, então, caiu para a sarjeta.

Onde deveria existir debate sério, propostas concretas e visão estratégica, o que domina são ataques pessoais, maledicência, demagogia rasteira e promessas ocas.

O palco autárquico, que poderia ser um laboratório de inovação política, tornou-se um ringue de ofensas e banalidades.

As redes sociais agravaram esta tendência.

O debate político transformou-se numa sucessão de slogans baratos e fotografias estudadas, onde importa mais a pose do que o conteúdo.

Os candidatos já não falam de políticas públicas, falam de si próprios, como se as eleições fossem concursos de popularidade e não momentos decisivos para o futuro das comunidades.

É deprimente ver que, cada vez mais, os partidos encaram as autárquicas como um jogo de xadrez, onde importa colocar peões e cavalos em posições estratégicas, não para servir os cidadãos, mas para garantir poder interno.

A autarquia passa a ser moeda de troca, trampolim ou aterro sanitário de carreiras partidárias falhadas.

A democracia local, que deveria ser a mais saudável, está assim minada por vícios que corroem a confiança pública.

E a confiança, quando se perde, dificilmente se recupera.

Basta olhar para as taxas de abstenção: a cada eleição, mais portugueses optam por não votar.

Não é desinteresse; é descrença.

Não podemos fingir que não vemos.

A política em Portugal tornou-se um feudo restrito a uma pequena elite de aparelhos partidários, que se fecha sobre si mesma e se alimenta da sua própria mediocridade.

A consequência é clara: afasta-se qualquer pessoa de bem que poderia contribuir de forma séria.

É doloroso admitir, mas já não se faz política em Portugal.

O que se faz é partidarismo baixo, redutor e humilhante para todos nós.

O cidadão comum não se revê neste teatro de interesses, e é por isso que cresce a sensação de que estamos entregues a uma classe política cada vez mais distante da realidade.

A responsabilidade, no entanto, não é só dos partidos.

Também nós, cidadãos, temos culpa quando permitimos que o pior continue a dominar. O silêncio, a indiferença ou o simples desabafo de café não mudam nada.

A política não se regenera sozinha.

E não venham dizer que não há alternativas. Elas existem, mas são sufocadas pela máquina.

Os melhores de nós estão por aí, nos hospitais, nas universidades, nas empresas, nos bairros, nas associações culturais e desportivas.

Só que o sistema político prefere ignorá-los, porque não são maleáveis, porque não se deixam domesticar.

Os que entram de fora depressa percebem a engrenagem. Muitos desistem, outros são engolidos e transformados em mais do mesmo. O ciclo repete-se. O país perde.

Chegámos a um ponto em que a política autárquica já não é a expressão de cidadania ativa, mas sim a sombra de um sistema esgotado.

E, no entanto, paradoxalmente, é aqui que tudo poderia recomeçar. Porque é ao nível local que se pode construir uma verdadeira revolução democrática.

Mas para isso seria preciso coragem.

Coragem para abrir portas, para renovar listas, para dar espaço a vozes novas, para apostar na competência em vez da obediência cega.

Algo que os partidos, infelizmente, parecem incapazes de fazer.

As populações, por sua vez, assistem cada vez mais desiludidas. Sentem-se usadas, enganadas, manipuladas por discursos que prometem mundos e fundos e, depois, resultam apenas em pequenas obras de fachada ou em políticas de espetáculo sem substância.

É este o retrato que se repete de norte a sul, em grandes cidades e pequenas vilas. Uns mudam a cor da bandeira, outros apenas os protagonistas, mas a essência continua a mesma: carreirismo, promessas vãs e um afastamento crescente das reais necessidades da população.

E ainda há quem se admire com a descrença nas instituições. Como pode haver confiança quando a política se tornou uma caricatura dela própria?

O drama é que, ao contrário do que muitos pensam, a democracia não morre de um golpe. Morre lentamente, de desgaste em desgaste, de desilusão em desilusão, até se tornar irreconhecível.

As autárquicas que se aproximam serão mais um capítulo dessa história. Nada indica que veremos mudanças profundas. Pelo contrário, tudo aponta para mais do mesmo, e talvez ainda pior.

A mediocridade instalou-se de tal forma que já não causa choque. Tornou-se normal. E quando a mediocridade é normalizada, a esperança morre.

Ainda assim, é preciso insistir! É preciso lembrar que a política deveria ser serviço, não carreira. Que a política deveria ser compromisso com os outros, não instrumento de vaidade pessoal.

É preciso exigir mais. Não podemos contentar-nos com pouco. Portugal merece muito melhor do que aquilo que lhe é oferecido.

E sim, talvez esta seja uma luta ingrata.

Mas desistir é entregar de bandeja o poder aos que o usam em benefício próprio.

Desistir é ser cúmplice!

Por isso, estas eleições devem ser mais do que uma escolha entre listas. Devem ser um momento de reflexão séria sobre o que queremos para o futuro das nossas comunidades.

Se aceitarmos o atual estado de coisas como inevitável, condenamo-nos a viver numa democracia de fachada. Mas se ousarmos exigir mais, ainda podemos virar a página.

O desafio é enorme. Os obstáculos são muitos. Mas a esperança só resiste quando há quem acredite, quando há quem se recuse a aceitar a política como ela está.

Porque a política, no seu sentido mais nobre, ainda pode ser resgatada.

E talvez o caminho comece exatamente onde hoje ela parece mais degradada: no poder local.


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