PORTUGAL, ENTRE O MAR E A ALMA: UM RETRATO POSSÍVEL

13-06-2025


No passado dia 10 de Junho, mais uma vez, festejou-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades.

Mais uma vez, e bem, se exaltaram as glórias do passado, se sublinharam os desafios do presente e se esboçaram esperanças para o futuro.

É sempre um dia carregado de simbolismo, onde nos voltamos para a nossa identidade, onde se procura a chama que nos une e que nos empurra — às vezes mais, outras menos — para o que ainda podemos ser.

Este ano, porém, o contexto é particularmente distinto.

Vivemos um início de ciclo político que, pela sua composição parlamentar e pela postura dos seus protagonistas, representa uma nova configuração no panorama democrático.

Não apenas um novo governo, mas também uma nova forma de oposição.

Uma nova ordem, se quisermos, que exige maturidade, vigilância e responsabilidade.

E, acima de tudo, exige consciência!

Mas antes de nos voltarmos para os grandes debates sobre o que queremos ser, talvez devêssemos parar um pouco para pensar sobre quem somos.

Não como mito ou como narrativa histórica, mas como realidade presente.

É essa pergunta, tantas vezes esquecida, que precisa de ser feita com coragem: quem é Portugal hoje?

Assumir essa resposta implica reconhecermo-nos nas nossas qualidades e defeitos.

É um exercício de verdade!

Temos de nos olhar com olhos limpos, sem o deslumbramento de quem vive das memórias, nem o complexo de inferioridade de quem se acha eternamente pequeno.

Portugal é o que é — com vantagens e desvantagens, com potencial e limitações.

E é aí, nesse reconhecimento honesto, que começa qualquer futuro possível.

Não se trata de uma operação simplista.

Pelo contrário!

Requer análise profunda, multidisciplinar, competência e visão.

Não é matéria para este texto nem tenho eu habilitação para o fazer de forma técnica.

Mas há, creio, dois eixos fundamentais que devíamos colocar no centro dessa reflexão: a nossa posição geoestratégica e a nossa idiossincrasia cultural e histórica.

Em primeiro lugar, Portugal é, geograficamente, periférico.

Estamos na extremidade ocidental da Europa, encostados ao Atlântico, de costas voltadas para o centro do continente.

Não somos vizinhos das grandes capitais da decisão política e económica. Isso, à partida, é uma desvantagem. Mas é também uma condição. Não vale a pena negá-la — devemos antes compreendê-la e trabalhar a partir dela.

Porque essa mesma periferia nos coloca numa posição atlântica privilegiada.

Somos, potencialmente, uma ponte. Um corredor de acesso à Europa. Com uma costa extensa e recursos portuários relevantes, poderíamos — se quiséssemos — tornar-nos num dos grandes centros logísticos de entrada de bens e matérias-primas para o continente.

Bastaria investir com seriedade em infraestruturas e planeamento estratégico.

É nesse ponto que a maritimidade portuguesa se revela uma mais-valia.

Já o foi no passado, e pode voltar a sê-lo no presente.

Temos águas profundas, rotas seguras e uma tradição náutica que nos distingue.

Se não conseguimos competir com gigantes da indústria pesada ou com superpotências tecnológicas, podemos — ao menos — ser o elo logístico essencial que alimenta essas potências.

Além disso, essa posição geográfica dá-nos um clima que muitos invejam.

Um clima que não serve apenas para atrair turistas, mas também para produzir.

Produzimos vinhos premiados, azeites de excelência, frutas únicas. Temos, em muitas regiões, condições naturais de excelência para uma agricultura de valor acrescentado. Mas falta-nos visão — e às vezes até vontade — para assumir esse caminho com firmeza.

Investir na agricultura não significa voltar ao passado. Significa transformar o campo em motor de desenvolvimento. Modernizar, qualificar, internacionalizar.

Há quem já o faça com sucesso, e esses exemplos mostram que o caminho é possível.

Basta deixar de olhar para a terra como um resíduo do passado e começar a vê-la como um pilar de futuro.

Claro que, quando falamos do clima e da geografia, falamos também inevitavelmente de turismo.

É talvez o setor onde temos crescido de forma mais evidente nas últimas décadas. Tornámo-nos um destino de referência a nível mundial, e isso é mérito de muitos. Mas essa dependência crescente começa a ser perigosa.

Quando quase tudo depende de um setor tão volátil, o risco é alto.

Precisamos de diversificar, de equilibrar, de planear.

O turismo é importante, mas não pode ser tudo. E, sobretudo, não pode ser só para fora. O país não pode viver apenas para receber. Tem também de se desenvolver por dentro, para dentro, com raízes e com profundidade.

E aqui entra o segundo grande eixo da nossa identidade: a nossa idiossincrasia cultural.

Portugal é um caso raro!

Somos pequenos, mas temos uma história global.

Temos séculos de contacto com culturas de todos os continentes, uma diáspora imensa e uma capacidade notável de adaptação ao outro.

Somos, por natureza, comunicadores. E isso vale ouro no mundo de hoje.

Num mundo cada vez mais globalizado e interdependente, a capacidade de mediar, de facilitar, de criar pontes entre culturas é uma das competências mais procuradas.

Não temos poder suficiente para sermos os protagonistas das grandes decisões internacionais. Mas temos perfil para sermos os mediadores. Os que fazem acontecer.

Ser facilitador não é ser subalterno.

É ser essencial!

É ser o elemento sem o qual as peças não se encaixam.

E Portugal tem, na sua matriz identitária, as ferramentas para desempenhar esse papel.

Falamos línguas, compreendemos culturas, temos empatia e flexibilidade.

Temos tudo para apostar na diplomacia económica, na formação intercultural, na criação de redes.

Mas para isso precisamos de educação. Formação de qualidade. Ensino das línguas, sim, mas também do pensamento crítico, da capacidade de negociação, da compreensão dos outros.

Precisamos de preparar jovens não para serem apenas técnicos, mas para serem cidadãos do mundo. Representantes de Portugal num tabuleiro onde o que conta é a inteligência relacional.

Isso implica investimento sério, estratégico, continuado. Não se faz com medidas avulsas nem com cortes orçamentais. Faz-se com um projeto de país. E esse projeto tem de partir do reconhecimento do que somos. Sem ilusões, sem megalomanias, mas também sem complexos.

Portugal nunca será uma superpotência.

E ainda bem!

Não temos de ser!

O nosso papel não é dominar, é inspirar. Não é impor, é articular.

Se aceitarmos isso com lucidez, encontraremos uma identidade sólida e um futuro com propósito. Um futuro em que, mesmo pequenos, podemos ser grandes.

Porque a grandeza não se mede em território ou orçamento, mas em relevância e coerência.

E essa coerência começa na política, mas não termina nela.

Começa nos líderes, mas exige compromisso de todos.

Começa no Estado, mas concretiza-se nas empresas, nas escolas, nas famílias.

É um esforço colectivo que se alimenta da confiança e se traduz em responsabilidade.

Neste dia de Portugal, que é também de Camões — o poeta maior da nossa língua — e das Comunidades espalhadas pelo mundo, talvez valha a pena recordar que a nossa identidade nunca foi imóvel. Sempre foi feita de viagens, de encontros, de descobertas.

Somos um povo em trânsito!

E isso pode ser uma fraqueza, mas também pode ser uma força.

Basta sabermos onde estamos e para onde queremos ir. Basta deixarmos de repetir apenas os feitos do passado e começarmos a construir, com verdade, os caminhos do futuro.

Com os pés assentes na terra e os olhos postos no horizonte. Sem medo. Com esperança. E com trabalho.

Porque Portugal, no fundo, nunca precisou de muito para fazer muito. Nunca teve tudo, mas teve sempre o suficiente.

E é disso que se faz a verdadeira grandeza: da capacidade de, com pouco, fazer o possível.

E, às vezes, até o impossível!!!

É esse o desafio. E é esse o apelo.

Neste novo ciclo, nesta nova configuração do país, que saibamos responder-lhe com autenticidade.

E que, no coração de cada português, viva a coragem de assumir quem somos — para sermos, finalmente, tudo o que podemos ser.