PORTUGAL EM CINZAS: QUANDO A FLORESTA DEIXA DE TER FUTURO

Passou mais um ano e, com ele, mais milhares de hectares de floresta e de matas desapareceram sob as chamas.
É quase um ritual trágico: chega o calor, surgem os incêndios, instala-se a catástrofe.
No final, fica a paisagem devastada, as casas destruídas, bombeiros em perigo, milhões gastos e perdidos.
Depois, basta a primeira chuva para que o tema desapareça do debate público.
É um ciclo vicioso que se repete, década após década, e que já se tornou insuportável.
Todos os verões, as mesmas imagens. Todos os anos, as mesmas promessas.
Mas, na prática, nada muda.
Ou melhor, muda para pior: menos floresta autóctone, mais eucalipto, mais despovoamento, mais território vulnerável.
A verdade é que não podemos continuar a aceitar esta normalização do desastre.
Não se trata apenas de um problema ambiental. É um problema social, económico, político e cultural.
O país arde todos os verões e, de alguma forma, já quase nos habituámos a assistir à tragédia.
E é precisamente essa habituação que mais assusta. Porque quando um povo aceita a tragédia como inevitável, deixa de ter forças para mudar.
E é disso que Portugal sofre: de resignação.
Não basta culpar incendiários. Eles existem, é certo, mas o seu poder destrutivo só ganha dimensão porque encontram combustível abundante, floresta desordenada e gestão inexistente.
Com floresta bem gerida, o incendiário não tem palco.
O problema não está na ignição — porque haverá sempre quem ateie fogo, haverá sempre acidentes, haverá sempre fenómenos naturais que iniciem chamas.
O verdadeiro problema está no combustível.
Está no abandono da floresta, na acumulação de biomassa, na ausência de planeamento económico e territorial.
Se a floresta fosse economicamente rentável, seria gerida, cuidada e defendida. Se os recursos fossem aproveitados, haveria indústrias locais, emprego e riqueza.
Mas em vez disso temos um território improdutivo, entregue ao acaso, pronto para arder todos os verões.
A biomassa, por exemplo, poderia ser uma fonte energética alternativa, sustentável e rentável. Mas em Portugal continua subaproveitada, como se não tivesse valor. Enquanto isso, gasta-se uma fortuna em importações de energia.
Precisamos de transformar a floresta numa oportunidade e não num problema.
A madeira, a cortiça, os frutos silvestres, a resina, a caça, o turismo de natureza: tudo pode gerar valor e fixar pessoas no território. Mas exige visão estratégica e investimento de longo prazo.
No entanto, não basta mudar a lógica económica. É preciso mudar, de forma radical, o sistema de gestão de emergência. Porque os incêndios acontecem sempre, mesmo com floresta mais bem gerida, e é crucial saber responder de forma rápida e eficaz.
Os bombeiros, heróis de todos os verões, continuam a ser voluntários na sua maioria.
Isso é insustentável num país que enfrenta fogos de proporções quase catalíticas. É preciso profissionalizar, formar, testar, preparar.
A resposta ao fogo não pode depender da boa vontade, por mais nobre que seja.
Tem de ser uma força preparada, equipada, organizada e dirigida com base em critérios técnicos e não em interesses associativos ou locais.
O comando das operações também precisa de ser repensado. A Proteção Civil tem de estar entregue a profissionais que saibam distinguir entre estratégia, tática e operação. Que percebam que combater incêndios não é apenas apagar fogos, mas sobretudo preveni-los.
É inadmissível que ainda se insista em políticas de curto prazo, baseadas em cosmética institucional. Mudam-se cargos, mudam-se slogans, mas a essência fica sempre igual. E o resultado repete-se: um país em chamas.
Se nada mudar, Portugal será, em poucas décadas, um país de cinzas. E não é metáfora. A desertificação do interior, a perda da biodiversidade, o colapso económico rural, tudo isto já está em curso.
É preciso coragem política para enfrentar os lobbies, as resistências e as inércias. Coragem para mexer em interesses instalados. Coragem para dizer que não é aceitável deixar o país arder todos os anos.
Mas não basta coragem política. É preciso também envolvimento social. Porque a floresta é de todos, e todos temos responsabilidade. O proprietário, o agricultor, o autarca, o cidadão urbano. A floresta é um bem comum.
Infelizmente, em Portugal, ainda persiste a ideia de que a responsabilidade é sempre dos outros. E assim se vai adiando o essencial. Enquanto isso, a cada verão, o país perde mais um pedaço de si.
A comunicação social também tem de rever o seu papel. Não pode continuar a alimentar apenas a espetacularização da tragédia, com imagens dramáticas no auge das chamas, esquecendo o tema logo depois da primeira chuva.
Precisamos de um debate sério, constante e fundamentado. Não de um circo mediático sazonal. A floresta não pode ser notícia apenas em agosto.
E há que reconhecer: algumas medidas já foram tomadas ao longo dos anos.
Mas quase todas ficaram a meio, ou foram executadas sem convicção, ou não tiveram continuidade. É o mal crónico do nosso país.
A reforma florestal não pode ser apenas legislativa. Tem de ser prática, visível, transformadora. A lei, por si só, não apaga fogos. É a sua aplicação séria que faz a diferença.
É tempo de quebrar este ciclo. Portugal precisa de assumir que tem de fazer diferente. Não apenas pequenas correções, mas uma mudança radical de paradigma.
O que temos hoje não funciona. E quando algo não funciona, não se insiste até à exaustão.
Muda-se. É isso que precisamos: mudar.
Se queremos ter floresta amanhã, temos de a tratar hoje. Se queremos um país verde, temos de rejeitar a ideia de que arder todos os verões é inevitável.
Porque não é.
E não pode ser.
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