PORQUE PRECISAMOS TANTO DE “MESSIAS”?
Segundo a ciência, o Ser Humano, tal como hoje se assume (Homo Sapiens), tem 250.000 anos: muito tempo para as nossas pequenas e finitas vidas, apenas uma fração de segundo na imensidão do tempo cósmico.
Ao longo destes breves 250 milénios passamos de seres assustados e nus, vivendo em cavernas e lutando, quase minuto a minuto, pelo simples privilégio de estarmos vivos, a senhores do mundo e da criação, dominadores da natureza, criadores de máquinas pensantes e de inteligências alternativas.
Mas, curiosamente, há algumas poucas constantes que se mantém desde esse momento criador do Ser Humano, algures no Grande Vale do Rifte, no Quénia, até às mais evoluídas metrópoles dos nossos dias.
Uma dessas constantes é a necessidade permanente de "Messias", isto é, de salvadores que, com capacidades sobre-humanas, nos salvam, a todos, dos malefícios da criação e da existência terrena.
Esses "Messias" já foram divinizados, depois passaram ser sociabilizados e, mais recentemente, digitalizados.
Em tempos mais antigos (ainda com algumas reminiscências atuais) os "Messias" eram um fenómeno religioso, intimamente ligados a uma determinada ética e filosofia de vida, a uma moral, a uma exegese e, quase sempre, ou eram deuses ou tinham relações privilegiadas com o divino.
É o caso de David, Jesus de Nazaré, Maomé, Buda, Isaías, Confúcio e Lao-Tsé.
Especialmente devido aos 3 monoteísmos, em especial ao Cristianismo e ao Islamismo (pois o Judaísmo, embora seja religião messiânica, assume que o seu Messias ainda está para vir), esta visão perdurou mais de 2.000 anos, tornando-se uma fonte civilizadora, formando as éticas das sociedades contemporâneas e ainda hoje persiste na vivência religiosa de milhares de milhões de indivíduos espalhados pelo globo.
Mas os desenvolvimentos científicos do século XX, o surgimento das democracias plurais, a melhoria das condições de vida de muita da população e um certo "positivismo" nas mentalidades muito provocado pela massificação da educação e do acesso ao conhecimento, assim como a separação dos Estados das confissões religiosas, veio "esvaziar" um pouco, a visão salvífica dos "Messias" religiosos e dar-lhes ou outra dimensão ou, então, relegá-los para um plano acessório na vida dos indivíduos. Pois, embora as religiões instituídas e institucionalizadas não o queiram assumir, o número de quem se afirma de uma religião e de quem, de facto, pratica e participa, efetivamente, nessa religião, é muito diferente, e o número daqueles que praticam os ritos dessas religiões (tais como iniciações como batizados, ou casamentos e funerais) o fazem mais por razões culturais e sociais do que por razões religiosas.
Como afirmava um meu Mestre, um Padre Jesuíta: "se as pessoas fossem verdadeiramente crentes não haveria lágrimas nos funerais."
Mas o fim do messianismo religioso fez com que crescesse o messianismo social, isto é, deixava de ser o indivíduo que era deus ou tinha contacto com o divino, mas o indivíduo que se destacava, que tinha a capacidades extraordinárias de liderança, de impor a ordem e a equidade e conduzir todos os outros a uma vida de felicidade, a uma "terra prometida", a um "maravilhoso mundo novo".
Sempre existiram "heróis", desde Leónidas a Júlio César, de Carlos V a El-Rey Dom João II e Dom Sebastião, de Hitler a Lenine, de Mao a Mandela ou Ghandi, de Churchill a Isabel II, sempre tivemos os nossos líderes, pessoas capazes de inflamar multidões, de liderar nações, de conduzir povos, umas vezes para a melhor, outras nem por isso...
Eram os nossos heróis, mas não os nossos "Messias".
Mas agora sim!!
Personalidade são idolatradas, quase divinizadas, o seu estilo de vida é copiado, as suas opiniões assumidas como leis, quase dogmas e, através das redes sociais e dos Mídea, atingem uma aura quase divina. E não me refiro a políticos (que quase não os há neste contexto), mas a simples artistas, desportistas, ou, simplesmente, coisa nenhuma que se denominam como "influencers" que, não sendo, na essência nada, são, para muitos, tudo.
Mas ainda há outro tipo de messianismo: o tecnológico.
Há a crença que a tecnologia chegará a um ponto que tudo tornará possível, tudo dominará, tudo resolverá ao ponto de alguns até vaticinarem que a criação ultrapassará o seu criador e seremos todos dominados pelos dispositivos por nós inventados.
Estamos, no presente, a assistir ao aumento exponencial de um desses messianismos com o tema da Inteligência Artificial Generativa, tema exposto, debatido e rebatido em todos os lugares, seminários, ovalários, simpósios e congressos que anunciam que, quase em todas as áreas da nossa vida, a IA dominará e revolucionará o mundo tal como entendemos.
Nada de novo!
Aconteceu o mesmo com o aparecimento do computador, da internet, dos telemóveis depois com os smartphones, ainda há 2 anos andávamos a "messianizar" as telecomunicações 5 Gs, agora é a IA e depois desta virá outra e outra.
Mas porquê, sejam religiosos, políticos, culturais ou tecnológicos o Ser Humano tem de ter sempre os "seus messias"?
A resposta é simples: por medo e culpa!
Medo de decidir, medo de errar, medo de falhar, medo de que isto se resuma somente a isto mesmo, medo do sofrimento, medo da pobreza, medo da morte.
Temos uma dificuldade imensa em assumir e entender que este mundo não é um lugar nem simpático, nem pacifico. Não queremos acreditar que a crueldade faz parte da vida, que o mais forte vence e o mais fraco perde, que a "justiça" é de quem tem o poder, que esta vida é tudo o que temos, que sofrer é inevitável, a morte é certa e o estado de felicidade uma plena utopia.
Por isso, por termos todas estas inevitabilidades, criamos sempre fantasias que nos "libertem" destas realidades de que não gostamos. Reparem que todos os "Messias" impõem a justiça, elevam os pobres e desfavorecidos ao poder, combatem os poderosos e o status quo, garantam o bem-estar (os tais paraísos descritos por tantos de tantas maneiras e estilos), a felicidade, o conforto e, em muitos casos, a imortalidade ou a vida eterna noutro mundo, noutra dimensão.
Pela religião, a morte é só uma transição, pelos ídolos a morte é só um estado a que se nos subtraímos pela memória eterna dos nossos semelhantes (Elvis vive!!!!!), pela tecnologia a morte é algo que, mais tarde ou mais cedo, será abolido (há milhares de pessoas que pagaram milhões de dólares para serem criogenadas tanta a certeza que esse dia chegará em breve).
Os "Messias" são as respostas aos nossos medos, mas também à nossa culpa, culpa de sermos falíveis, de errarmos, de fazermos coisas que não se enquadram na ética comum, de sermos "fracos", de não sermos, fundamentalmente, aquilo que pensamos de nós próprios.
Por isso Arthur Schopenhauer, um dos meus filósofos favoritos, afirmava que "Em geral, chamamos de destino às asneiras que cometemos."
Custa-nos imenso assumir, em especial perante nós mesmos, os nossos defeitos, os nossos erros, as nossas limitações, os nossos sofrimentos, por isso precisamos sempre de alguém a quem culpar quando essas coisas acontecem.
Como detestamos assumir que erramos e que falhamos gostamos que exista sempre alguém que nos diga o que fazer, como fazer, quando fazer, gostamos e até precisamos de ser parte do "rebanho", não por assumir que os "Messias" sabem mais ou são melhores do que nós, mas porque se as coisas correrem mal a culpa nunca será nossa.
Por isso, tantas vezes na história, tantos seguiram até à morte os "Messias" da sua destruição. Porque no fundo acreditamos que preferimos morrer falsamente inocentes a viver realmente conscientes do nosso fracasso, da nossa incapacidade, do desfasamento entre o que queríamos ser e o que, de facto, somos.
Destino, vontade de deus, karma, alinhamentos astrológicos resumem-se, todos, a uma cobardia reprimida de nos assumirmos como principais responsáveis por tudo o que somos e nos acontece.
Por isso esta necessidade imperiosa e desde as origens permanente de "Messias", de salvadores, de diversos tipos, de diversas formas, de diversas naturezas.
Surgem, prosperam e até eles não conseguem resistir à impiedosa natureza do tempo que dita que tudo tem início, mas que tudo tem fim, que tudo começa e que tudo acaba, porque tem de ser assim, porque é assim, gostemos ou não.
Talvez chegue o tempo em que cada um se torne o seu próprio "Messias", em que cada um se assuma, com as suas vantagens e fraquezas, com as suas forças e as suas debilidades, mas que encontre dentro de si as forças para se tornar, dia-a-dia, melhor e fazer do mundo um lugar melhor.
Talvez um dia cada um se deixe inspirar, mas não conduzir; influenciar, mas não obedecer e assuma que os nossos atos são, total e simplesmente, da nossa absoluta responsabilidade.
Talvez um dia consigamos assumir que somos finitos, limitados, falíveis e consigamos viver, perante os outros e, principalmente, perante nós próprios, com a calma e serenidade da nossa humilde, finita e errante circunstância.
Talvez um dia o Homem assuma que sonhos são sonhos e a realidade é a realidade.
Talvez um dia o Homem viva para alcançar os seus sonhos e não fique à espera de viver uma vida de sonho que nunca alcançará.
Talvez...
Até lá continuemos a criar os "Messias" que nos convém para que possam, eles, calar os nossos medos, assumir as nossas culpas e prometerem-nos tudo aquilo que sabemos que nunca iremos alcançar.
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