POLÍTICA NAS SOMBRAS… E afinal o que é a Realpolitik?
Desde que nascemos que ouvimos falar de política.
Porque, e em rigor, tudo é política.
Antes de avançarmos defina-se que política é um termo, como não podia deixar de ser, grego, e que se refere à atividade de gerir a cidade (que em grego se diz polis).
Assim, desde que o Ser Humano se sedentarizou que existe política, mesmo antes, em sociedades nómadas, embora de forma diversa, embora em diferentes dimensões, embora em diferentes estilos, modos e práticas.
Assim sendo política é definir, decidir e executar desde quem constrói a estrada, quem recolhe o lixo todos os dias, contratar professores, médicos, enfermeiros, há alimentos, há água?
Garantir que tudo funcione e, de preferência bem, é o que é, de facto a política.
Política é o que fazemos em casa, mas aplicado à freguesia, ao conselho, ao distrito, aos países e, em último nível, ao mundo.
E digamos que, durante muito tempo foi mesmo assim: havia os reis e os senhores que iam, melhor ou pior, gerindo as coisas.
Umas vezes corria mal, outras nem por isso.
Era preciso mais alimento? Invadi-se o país vizinho! Queria-se mais peixe ou rotas comerciais? Invadia-se a costa do oponente! E, depois, claro, os sentimentos mais ou menos mesquinhos que sempre tornaram o Ser Humano tão fascinante...
Ora, tendo em conta que, tudo isto, não é nada simples, especialmente em grandes, mesmo em gigantescas dimensões, e que, na base de toda a política está (ou devia estar) o povo (de preferencia bem tratado, feliz e contente), foram-se tentando vários sistemas, várias ideologias, isto é, vários modos de gerir tudo isto.
A velha técnica da tentativa erro... como em tudo, como em todos.
Porque, ao longo da história, as cidades e os países começaram a ficar cada vez maiores, mais complexos, e, começou-se a denotar um fator fundamental em toda a política: o povo, de preferência, tem de estar satisfeito do modo como é governado.
Pois povos insatisfeitos são muito difíceis de governar, de seguirem a política que os seus políticos definiram e pode-se chegar ao ponto desse mesmo povo expulsar os seus políticos, aqueles que executam a tal política, em coisas normalmente muito desagradáveis a que se chamam revoluções e que, se os fins normalmente são muito "elevados" os meios nem por isso.... (na revolução francesa, cujos ideais eram a liberdade, a igualdade e a fraternidade (isso, os Seres Humanos serem todos irmãos), foram mortos na guilhotina 40 mil pessoas em menos de 2 anos...)
Isto ao ponto de na Grécia (sempre a Grécia!!), se ter criado o conceito de Democracia (que significa, literalmente, "o poder do povo"), isto é, é o povo que vai ser governado que escolhe quem o vai governar, isto é, quem vai exercer a política, o governo da polis.
Na teoria, pensavam eles, o povo elegeria sempre os seus melhores para o fazer, por isso, a política seria sempre bem executada.
Mas 3.000 anos de peripécias chegam para demonstrar que os nossos antepassados gregos estavam a ser, talvez, um pouco otimistas demais...
Mas, entre bons e maus, génios e mentecaptos, cá nos encontramos no ponto em que estamos hoje.
E depois de monarquias, impérios, ditaduras e outras tentativas, é precisamente a democracia, criada há mais de 3 milénios, que vigora em quase todos os países do mundo, pelo menos ocidental, pelo menos é o que parece.
É nesta necessidade de, por um lado governar de facto a coisa pública mas, também e em simultâneo, de convencer o povo a votar para que se possa exercer esse governo, que se criou a divisão entre a política e a realpolitik.
Foi no século XIX, desta vez na Alemanha (alguma coisa não grega!!!) que um tal Klemens von Metternich avançou com o termo em que política passava a definir vertente mais ideológica, retórica, popular da gestão do Estado e a Realpolitik passava a tratar do que, de facto, tinha de ser feito e realizado.
Pois convencer o povo, levá-los a eleger os seus representantes, leva-los a acreditar em ideologias, em ideias, a votar em nós, viu-se e vê-se, dá um enorme trabalho.
Em especial quando o povo não quer saber quem vai recolher o lixo, como a água lhe chega à torneira, ou quem paga ou formou o médico que o atende quando está doente ou ensina o filho quando o manda para a escola.
São coisas chatas de mais, complicadas demais e, no final, o importante disto tudo é só uma: que tudo funcione para que se possa viver o melhor possível.
Como isso acontece? Não importa!
Por isso lá se desenvolveu toda uma "arte", toda a uma atividade que tem por objetivo convencer o povo que se vive bem e que se votar neste ou naquele vai viver ainda melhor.
E depois há tudo o resto que é necessário fazer para que isso aconteça: e é a isso que se passou a chamar Realpolitik.
O primeiro vislumbre que a população em geral teve desta realidade não foi, curiosamente, nem pelos jornais nem pelo estudo da história, mas sim pelo humor. A série de televisão britânica "Sim, Senhor Ministro" e, depois, "Sim, Sr. primeiro-ministro", trouxe para as "luzes da ribalta" (algo que a Realpolitik detesta) a diferença abismal entre o que é dito ao publico e o que é decidido nos gabinetes e nos corredores, o que é mostrado e o que é escondido e, como, muitas vezes, atos e feitos altamente louváveis e necessários são conseguidos pelos modos mais sórdidos e mesquinhos.
A absolutamente genial personagem do Sir Humphrey Appleby (interpretada pelo saudoso ator Nigel Hawthorne) quase que se tornou sinónimo do que é, de facto, a Realpolitik no seu cerne e âmago.
O mal disto tudo é quando o que as pessoas pensam de como se devia fazer as coisas não coincide com como as coisas tem de ser feitas para, de facto, acontecerem.
Porque algumas vezes, a maior parte das vezes, a felicidade e a alegria do povo são conquistadas com práticas que não são nem felizes, nem alegres, muito antes pelo contrário.
Se na política os meios não justificam os fins, na realpolitik os fins justificam sempre os meios.
Por isso a política passou a mostrar (e a anunciar) os resultados e a realpolitik a garantir que eles acontecem, seja como for, seja de que modo for, senão, o povo não vive feliz e contente.
Claro que esta divisão, com o surgir dos sistemas de direito democrático, com os órgãos de comunicação social, com as redes sociais, e com a própria complexização do mundo atual, adensou-se muito mais.
A política criou uma perceção idílica em que o mundo é naturalmente bom e que tudo se consegue desde que haja bom senso e justiça…
Tudo é sorrisos, beijinhos, apertos de mãos e visitas a criancinhas e a velhinhos e que tudo se vai resolver, não tarda, e amanhã, pelo meio-dia, mais coisa menos coisa, isto vai ser um paraíso para todos!!! (eis a Política em pleno funcionamento).
E as pessoas acreditam!!!!!!
Só que o mundo, e as sociedades que a compõe (constituídas por animais, mamíferos, os tais homo que só depois, e nem sempre, são sapiens), continuam a ser tão impiedosas, egoístas e sanguinárias como foram desde a origem.
Afinal, ninguém revogou a Lei da Seleção Natural e da Evolução das Espécies!
Os fortes continuam a vencer e os fracos a perder, e os fortes continuam a ter e os fracos a não ter, uns continuam a prosperar e outros a sucumbir, uns sabem o que é a alegria, outros a amargura.
É assim que é e, convenhamos, como afirma Darwin, é assim mesmo que deve ser para a natureza manter o seu equilibrio...
Assim a Realpolitik criou um sistema (que até deu o nome de Deep State) em que alguns poucos fazem o que é necessário para que a maioria acredite, piamente, naquilo em que quer acreditar e em que é feliz, alegre e contente.
A Realpolitik, enfim, é a política da realidade, é essa onde se faz acontecer, em que se decidem as coisas, em que se fazem alianças, em que se cometem traições, em que o foco está nos fins e não nos meios.
É saber a verdadeira razão das coisas, as bases do que, em rigor, define as nossas vidas e os nossos dias e que me prende a atenção e que me leva a investigar, a estudar, e, também, a partilhar convosco, humildemente, o pouco que vou aprendendo, descobrindo, desvendando.
Claro, e cada vez mais, há uma opinião negativa da Realpolitik por parte do povo.
Afinal, todos desconfiam do que não conhecem, em especial, quando sabem que esse não conhecimento, esse ocultar, é deliberadamente intencional, calculado e planeado.
E, de facto, há várias razões para isso, muitas das quais estão relacionadas com a perceção, absolutamente correta, de que essa abordagem política dá prioridade a interesses pragmáticos e estratégicos em detrimento de princípios éticos ou morais.
O primeiro fator a contribuir para esta desconfiança é a Falta de Princípios Morais Transparentes pois, a Realpolitik, foca-se nos interesses nacionais acima de considerações éticas ou morais (em rigor: o que importa somos nós e os outros que se desenrasquem!). Tal leva as pessoas a acreditar, e com toda a arazão, que os líderes políticos estão dispostos a sacrificar princípios morais em nome do poder ou do interesse nacional (como, de facto, tem e deve ser!).
Em segundo lugar a Realpolik centra-se na busca de poder e sobrevivência a curto prazo, em detrimento de objetivos mais amplos de justiça ou paz duradoura.
Afinal, o povo quer saber o que vai comer logo ao jantar e não daqui a 20 anos pelo almoço!
Claro que tal gera enorme desconfiança entre aqueles que acreditam numa abordagem mais idealista na política internacional (e no Pai Natal também!).
Em terceiro porque, e com razão, não raras vezes, a Realpolitik recorre a Manobras Diplomáticas "Opacas", a estratégias realistas que, muitas vezes, envolvem negociações e acordos nos bastidores, longe do escrutínio público.
Claro que cria suspeitas (absolutamente legítimas na Política) sobre a transparência das ações dos líderes políticos, fazendo as pessoas perguntarem se estão a ser informadas sobre as verdadeiras motivações por trás das decisões (óbvio que não estão!!!!)
Claro que, e em quarto lugar, em todo este contexto, há um forte potencial (grande eufemismo aqui!!!) para ignorar os mais básicos Direitos Humanos e cívicos.
Em alguns casos, a Realpolitik obriga a decisões que ignoram considerações de direitos humanos em favor de vantagens políticas ou económicas. Tal pode ser entendido como insensível ou mesmo imoral por aqueles que valorizam a proteção dos direitos fundamentais, embora, muitas vezes, são precisamente essas medidas que garantem o seu modo de vida e mesmo a sua liberdade, o seu sustento mais básico, e a sua segurança mais elementar...
Em quinto a obvia desconfiança em relação aos Políticos com a história repleta de exemplos de líderes que usaram a Realpolitik para justificar ações controversas ou até mesmo agressivas...
Isso contribui para a desconfiança generalizada em relação a essa abordagem, especialmente quando as consequências das decisões são prejudiciais para outros países ou populações.
Por último, e não em último, a principal característica de que tanto acusam a Realpolitik: Falta de Consistência.
A Realpolitik muitas vezes é criticada por ser oportunista e por ter falta de consistência moral.
Afinal, consciência e honestidade, como afirmava um grande idiologo da Realpolitik, Henry Kissinger, "são virtudes de quem não tem muitas outras..."
Mas tal gera, claro, desconfiança, pois as pessoas perguntam-se se os líderes políticos estão a agir de acordo com princípios ou apenas em resposta a circunstâncias específicas.
No entanto é importante observar que a Realpolitik, apesar das críticas, é uma abordagem que tem sido historicamente empregue por muitos países e líderes, reconhecendo e resolvendo, na prática, as realidades complexas e muitas vezes impiedosas da política internacional.
A desconfiança que recebe reflete diferentes visões, uma mais idealista, outra mais realista, de como os Estados devem conduzir as suas relações e abordar os desafios globais.
No entanto a Realpolitik deve existir, controlada, obviamente, escrutinada, por certo, com limites bem definidos e bases intransponíveis, mas deve e tem mesmo que existir.
Porque, no fundo e no fim de tudo isto, Darwin continua a ter razão, e embora todos gostássemos que não fosse assim, o mundo, como desde a sua origem, continua a não ser um local nem bonito, nem simpático, e, morais e éticas à parte, o lixo tem que continuar a ser recolhido e as populações, embora não tenham disso noção, não comem ideais e não se alimentam de boas intenções.
Até para a semana!