PARA QUE SERVE A LEI INTERNACIONAL?

01-11-2024

Nos últimos tempos, especialmente nos conflitos da Ucrânia e na Faixa de Gaza, temos visto que o tão proclamado "Direito Internacional" não só é ignorado por quase todas as partes como também não consegue impor-se, fazer-se respeitar e ser respeitado.

Mais ainda!

Vemos que esse mesmo direito, esse pretenso "corpus" jurídico, é interpretado, assumido e aplicado de diferentes modos em diferentes contextos.

Por exemplo, se países como os Estados Unidos e o Reino Unido condenaram e continuam a condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia, não aplicam o mesmo grau e nível de condenação quando Israel invade o Líbano.

Com tudo isto, fica a dúvida: para que serve o direito internacional?

Primeiro, e para contextualizar, sempre houve direito internacional. Isto é, de uma forma ou de outra, formal e informalmente, liderado pelo Papa ou por imperadores, os países sempre concordaram em manter algumas regras para tornar mais estável a convivência entre todos, mesmo em situação de conflito (e em especial em situações de conflito).

Daí têm origem os famosos tratados e acordos, sendo o primeiro o Tratado de Qadesh, assinado há mais de 5.000 anos, passando pelo Tratado de Tordesilhas, em 1494, que dividiu o mundo em dois entre Portugal e Espanha, culminando nas modernas convenções, desde as dos Direitos Humanos às aplicáveis em conflitos como as Convenções de Genebra ou de Viena.

Desta forma, os Estados sempre entenderam a importância de existirem regras que, de alguma forma, legitimassem ou não as suas ações e que estabelecessem alguns princípios por todos aceites e que permitissem alguma estabilidade no contexto externo.

Mas uma questão permanece: como se aplicam esses princípios, essas regras? Como se vincula o direito internacional?

Por vezes, as perguntas mais simples são as de mais difícil resposta, e uma delas é: por que respeitamos a Lei?

A resposta é simples: porque temos medo!

Temos medo, em primeiro lugar, porque sabemos que a temos de cumprir, que ela se aplica a todos, sem exceções ou considerações, e que ninguém está (ou devia estar) acima da Lei.

Por isso, sabemos que existe um conjunto de regras e princípios que, em nome da ordem pública e da sã convivência do coletivo, submete, obriga e vincula todos os indivíduos ao seu cumprimento.

Em segundo lugar, porque o Estado tem o uso exclusivo e legítimo da força, isto é, o Estado, através dos seus Órgãos Policiais e Tribunais, pode "castigar-nos" quando não cumprimos a Lei.

E pode exercer esse castigo de modo efetivo, obrigando-nos a aceitá-lo sob pena de deixarmos de fazer parte da nossa comunidade, sermos privados da liberdade e, em alguns casos e alguns países, mesmo da vida.

Em resumo, e em linguagem muito vulgar: nós cumprimos a Lei porque temos medo de ir presos, e estar preso não dá jeito nenhum a ninguém (ou quase ninguém).

Agora, imaginem que não havia consequências efetivas e reais por não cumprirmos a Lei.

Muitos de nós continuariam, em geral, a cumprir a maior parte dos regulamentos legais, simplesmente por boa educação, bom senso ou pela percepção óbvia de que, muitas vezes, é preciso abdicarmos, pelo menos, de parte do nosso interesse individual para tornar possível e salutar a convivência no grupo.

Mas, convenhamos, que teríamos uma maior propensão para prevaricar e não obedecer.

E, claro, há indivíduos que, pelas mais diversas razões, não sendo dotados de educação, bom senso e "espírito de grupo", passariam a vida a desrespeitar os princípios básicos da convivência coletiva.

Desta forma, para que uma Lei seja realmente eficaz, tem de ter a capacidade de se impor a todos os indivíduos que a ela têm de se submeter, tem de ser universal e tem de ter a capacidade de punir efetivamente quem não a cumpre.

Ora, a primeira grande lacuna da Lei Internacional atual é que não há nenhuma instituição ou entidade com capacidade e autoridade para punir, isto é, legitimamente usar da força, para submeter seja quem for.

Em tempos antigos, no Ocidente, o Papa excomungava os soberanos que desrespeitassem as Leis Internacionais.

Em tempos mais recentes, alianças e tratados vinculavam e protegiam países e territórios de serem agredidos por outros. Foi precisamente a aplicação de tratados e alianças que deu origem tanto à Primeira como à Segunda Guerra Mundial.

Mas esses eram tempos em que o mundo ainda estava segmentado em grandes impérios e vastas zonas de influência geopolítica e geoestratégica, quase estanques entre si, e em que os países se impunham no contexto internacional pela sua influência diplomática e pela capacidade bélica de impor essa mesma influência.

Por isso, quando as Tropas Alemãs invadiram a Polónia em 1 de setembro de 1939, o Reino Unido viu-se obrigado a declarar guerra aos germânicos. Se não o fizesse, demonstrava a todo o mundo que não era capaz de cumprir os seus acordos e tratados, perdia a credibilidade e o ascendente diplomático entre os seus parceiros e, assim, quase que perdia a sua soberania.

Hoje, no entanto, a soberania e a influência das nações já não se "mede" pela sua capacidade de vincular influência política e de a fazer cumprir por meios bélicos.

O princípio do "aniquilamento mútuo" gerado pelas armas nucleares, a dependência de mercados e de matérias-primas, a perda, por parte da população, do sentido de pertença e de pátria, veio esbater os velhos vínculos e forças que faziam com que se honrassem e cumprissem os tratados e acordos internacionais.

Também a transição de uma geopolítica baseada no poder bélico para uma baseada no poder financeiro e económico faz com que, atualmente, se equacionem os impactos orçamentais dos conflitos nas economias nacionais e regionais, o que condiciona, em muito, a vontade e o empenho de respeitar e fazer respeitar o direito internacional.

As guerras e o envolvimento nessas guerras são, atualmente, mais negócios do que deveres legais.

Um país decide se se envolve ou não num conflito ou numa disputa, não pelo incumprimento de um tratado ou pela violação de uma convenção internacional, mas sim pelos possíveis prejuízos ou potenciais proveitos que poderão advir desse conflito.

É por essa razão que há dezenas de conflitos por todo o mundo, declaradas e descaradas violações das convenções internacionais, e ninguém faz nada, ninguém quer saber: porque dariam enorme prejuízo e nenhum lucro a quem neles se envolvesse.

E é por essa mesma razão que a Lei Internacional não se aplica a todos.

A Rússia não pode invadir a Ucrânia, em primeiro lugar, porque a Rússia e os seus aliados (especialmente a China, mas também o Irão) são fortes concorrentes do Ocidente em muitos mercados e muitas áreas. Em segundo lugar, porque a Ucrânia tem meios para, no futuro, pagar (e com juros altíssimos) todo o "investimento" que o Ocidente está a fazer na sua defesa. A Ucrânia é o novo "Plano Marshall" dos Estados Unidos, com todo o lucro que isso lhe trará num futuro próximo, para além de ser o garante da prosperidade da fundamental Indústria do Armamento de muitos países Ocidentais, tais como a França, o Reino Unido, a Itália e, claro está, os próprios Estados Unidos.

Em resumo: a guerra da Ucrânia é um bom negócio!

Por seu lado, Israel pode matar civis e atacar instalações não militares na Faixa de Gaza, pode invadir o Líbano e, cedo ou tarde, a Síria, porque simplesmente é o maior cliente de armamento dos Estados Unidos e do Reino Unido; o povo judeu tem grande influência nas economias ocidentais (controlando desde fundos de investimento e até dívidas soberanas), e Israel é o único "bastião de influência" Ocidental no Médio Oriente, totalmente controlado, cada vez mais, pela "potência rival", isto é, a China através do Irão.

Em resumo: apoiar Israel é um bom negócio!

Desta forma, temos de encarar, atualmente, o Direito Internacional como um argumento que se utiliza quando este se mostra propenso a gerar valor e que se ignora quando o mesmo promove o contrário.

A prova disso é que os Estados Unidos, que se afirmam e arrogam como o "Líder do Mundo Livre", entram e saem das convenções internacionais quando e como lhes convém, só reconhecem o Tribunal Penal Internacional quando não são eles e os seus aliados a serem acusados, e só reclamam violações do Direito Internacional quando os delitos não são cometidos pelos seus.

Desta forma, o Direito Internacional perdeu a sua Universalidade, sendo só para alguns quando lhes convém, e, não tendo a capacidade de se impor pela força e de fazer cumprir o que estipula, pouco mais é que totalmente inútil, inconsequente e até ridículo.

O que é belíssimo e corretíssimo na teoria, como, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e as Convenções de Genebra, são, na prática, letras cheias de sentido, mas completamente vazias de efeito e de ação real.

Seria necessária uma coesão internacional, um acordo efetivo entre as nações para que o Direito Internacional funcionasse e fosse aplicado de modo realmente efetivo, regulamentando e impondo a ordem nas relações entre países, impedindo atos de brutalidade e barbárie e protegendo, fundamentalmente, as populações civis inocentes.

Mas essa convergência, esse acordo, é cada vez mais uma utopia distante e irrealista e, cada vez mais, as Leis Internacionais só servem de argumentos para alguns quando lhes dá jeito, mais uma "arma" para submeter os fracos quando convém aos fortes, um meio de pressão unilateral do Ocidente para quem põe em causa o seu estatuto de influenciador global e moralista universal.

Por isso, tantas e tantas vezes, atualmente, o Direito Internacional é mais pernicioso e prejudicial do que benéfico e auxiliador, porque, quando se torna um meio de discriminação dos fracos em relação aos fortes, quando é tendencioso e logo injusto, anula-se a si mesmo e tem o efeito inverso àquele que, na sua origem, se propôs ter.

Desta forma, há que tomar uma difícil mas necessária, decisão: ou há Direito Internacional e cumpre-se, por todos em todas as situações, ou não há, e as relações internacionais ficam entregues aos interesses e negócios dos países e dos seus líderes.

Mas, antes de mais e primeiro que tudo, é necessário coerência, verticalidade e honestidade da classe política.

Não se pode, no mesmo dia, e a mesma pessoa, apelar ao respeito pelo Direito Internacional para uns e permitir e até apoiar a sua violação para outros; não se pode condenar a violência contra o povo ucraniano e não fazer o mesmo em relação ao povo palestiniano; não se pode censurar a invasão da Ucrânia e "fechar os olhos" à invasão do Líbano.

E é precisamente isso o que, por exemplo, a Administração Norte-Americana faz todos os dias.

É necessário que os cidadãos, especialmente do mundo ocidental, se de facto defendem os direitos humanos, se de facto se importam com a justiça, com a igualdade, fraternidade e liberdade, se, de facto, como tantas vezes gritam em manifestações mediáticas e em protestos "virais", querem um mundo justo em que todos são iguais, com os mesmos direitos e deveres, independentemente de interesses económicos, raça, credo, ideologia ou nacionalidade, utilizem o seu direito ao voto e punam aqueles que gerem os destinos dos seus países e do mundo baseados na hipocrisia, falsidade e mentira descarada.

Só o povo pode salvar aquilo que ao povo importa.

Não está nas mãos dos políticos, porque somos nós que os elegemos; não está nas mãos das instituições, porque somos nós que as legitimamos; não está na mão do poder, porque somos nós que o detemos.

Está nas nossas mãos!

Não sejamos, também, falsos, hipócritas, incoerentes e cobardes.