OS FINS E OS MEIOS e a tinta verde do Ministro do Ambiente
Foi com alguma estupefação que vi e li, na semana passada, muitas pessoas que eu achava inteligentes, instruídas, sensatas e esclarecidas, a expressar o seu apoio e mesmo a sua admiração a um grupo de jovens que agrediu o Ministro do Ambiente de Portugal com projéteis de tinta verde.
De facto a causa defendida por esses jovens tem todo o mérito e toda a razão.
É uma verdade incontornável que precisamos, com muita urgência e com muita determinação, de fazer algo pelo ambiente e pelo nosso planeta.
Estamos, inegavelmente, a atingir um ponto de não retorno em questões ambientais e climatéricas e o muito do que possamos fazer agora será já tarde de mais para evitar impactos muito negativos para a natureza, para o planeta, para a Humanidade.
Sendo um seguidor, um admirador, um fã do grande e saudoso Carl Sagan, deixei-me impressionar pela causa ambientalista ainda nos anos 80.
Lembro-me do profundo impacto que teve em mim o pequeno filme "um pálido ponto azul"(https://www.youtube.com/watch?v=tRjVDOgGJ8Y) e depois o livro escrito pelo mestre com o mesmo título.
Ao contrário do que pensam os revolucionários jovens de agora, a luta pela defesa e conservação do ambiente tem décadas e homens como Carl Sagan, David Attenborough, Filipe Mountbatten e o seu filho, o atual Rei de Inglaterra, Carlos III (através da sua fundação The Prince's Trust), defendem nos fóruns internacionais, desde os anos 70, a urgência de medidas drásticas de contenção da poluição, de gestão sustentável de recursos naturais e de defesa do ambiente para que possamos salvar o nosso único habitat.
Mas… ninguém lhes deu ouvidos….
Por isso a causa não está em questão.
Também não está em questão a hipocrisia do dito ministro que, se por um lado, defende o ambiente e as causas ambientais, por outro colabora, pactua, numa atitude pequena e subserviente, com os grandes senhores da indústria energética e petrolífera.
Mas não espanta….
Esta promiscuidade entre o grande capital e os governos é algo que mina a nossa democracia há décadas e, mesmo em governos de esquerda (e em especial com governos de esquerda) vai-se intensificando e agonizando.
A questão central neste ato é algo de fundamental nas sociedades de direito democrático e mesmo, diria, civilizadas: os fins não justificam os meios.
Nunca!
Em especial o uso da violência.
Um fundamento incontornável das democracias e das sociedades livres e igualitárias é que o Estado tem o exclusivo do uso legítimo da força.
Quando um cidadão usa de força, seja por que razão for, seja em que circunstância for, está a violar essa premissa e, logo, a pôr em risco e em questão as bases do Lei e da Ordem.
Quando um cidadão acha que alguém está a cometer um delito, está a fazer algo de errado, recorre às instâncias judiciais que julgarão, segundo a Lei, o mérito da queixa.
E, aí, se for provado a culpa, preservados direitos fundamentais como a presunção da inocência, o direito ao contraditório e à defesa, será o Estado, e nunca o cidadão, a exercer a força, a repor a Lei e a ordem e, se se justificar, a punir os prevaricadores.
Se permitirmos que cidadãos individuais, seja por que causa for, seja por que razão for, usem da força, estamos, pura e simplesmente, a destruir a ordem democrática e o primado da Lei e da Ordem, estamos a pôr em causa as bases de tudo em que acreditamos e defendemos, estamos a "desbaratar" conceitos tão fundamentais como a presunção da inocência, o direito ao contraditório e o direito à defesa, princípios sagrados e inalienáveis que vigoram desde o tempo dos nossos "pais" romanos.
E são princípios, bases, fundamentos que, pelo menos eu, acredito e defendo... radicalmente.
Há anos que, por causa do terrorismo, estudo o fenómeno da radicalização.
Defendo que há radicalizações legitimas e depois há as radicalizações violentas. É o que distingue, por exemplo, o defensor de uma causa de um terrorista.
O radical defende uma causa, mas sabe que os fins não justificam os meios e que as causas, assim como os direitos, liberdades e garantias, se defendem nas instâncias próprias e nunca, jamais, em tempo algum, recorrendo à violência, à destruição, à alteração da ordem pública e ao desrespeito pelos princípios fundamentais da Lei Internacional.
A revolta pacífica é eficaz e possível como provou Mahatma Gandhi, Luther King, Nelson Mandela, Lech Wałęsa, Karol Wojtyła, Václav Havel e Mikhail Gorbatchov e tantos outros.
O Apartheid caiu não pela violência nas ruas, mas pelo exemplo pacífico de Mandela e Desmond Tutu; o enorme império soviético foi derrubado, não pelo arsenal nuclear americano, mas pela voz denunciante, mas pacífica, de homens como Wałęsa, Wojtyła, Havel e Gorbatchov.
Outra coisa é o radicalismo violento, aquele que perde a noção das bases democráticas e passa a defender que os fins justificam todos os meios.
Nesse campo podemos dar os exemplos nada abonatórios de homens como Yasser Arafat, Estaline, Osama bin Laden, Sayyid Qutb, Khalid Shaikh Mohammed, Ayman al-Zawahiri e organizações como a Al-Qaeda, o Daesh, Setembro Negro, a ETA, o IRA e todos os grupos terroristas.
E, contra esses, como afirmei num texto recente, não podemos ser mansos e temos de atuar com força proporcional, necessária, imediata e… legal!
O único argumento legal que justifica o uso da força é contrariar o uso da força por quem não tem direito ao seu uso.
Por isso: perante o ato rebelde dos jovens e a sua tinta há um único modo de atuar: com força, disciplina e exemplaridade.
Porque não tenhamos ilusões: quando a barreira do uso da força é quebrada, depois da tinta vem a violência física e depois da violência física vem a destruição, o homicídio e o terrorismo.
Sou radical na defesa do ambiente? Assumo!
Mas também sou radical na defesa da Democracia, do Estado de Direito, da Lei e da Ordem.
Até podemos defender o ambiente, mas se permitirmos que se quebrem as bases democráticas não teremos civilização para nenhum futuro neste planeta.
É tão ridículo não ter ambiente para alojar a civilização como é não ter civilização para habitar o ambiente.
O ambiente precisa de ser defendido: sem dúvida, mas com recurso a meios legítimos, pacíficos e ordeiros.
Na mesma semana em que estas jovens atiravam tinta ao ministro, transformando um hipócrita em "mártir", outros jovens, esses com bases de cidadania e educação, entravam no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, para acusar Portugal e mais 32 países de não fazer o suficiente para cortar as emissões de gases com efeitos estufa, e consequentemente, violar os direitos humanos individuais numa altura em que a meta para a neutralidade carbónica está cada vez mais próxima.
Isso sim: é uma ação efetiva, consequente e capaz de causar profundo impacto futuro em favor da causa do ambiental.
Se mais não for obrigará os Estados a apresentar-se em tribunal como Arguidos e a assumir que não estão a fazer nada e cair no ridículo de tentar explicar a sua inação.
Farão os hipócritas assumir a sua hipocrisia expondo-se!
Por isso as jovens que atiram tinta ao ministro precisam de ser punidas exemplarmente e os outros apoiados e louvados.
E a "irreverência" da juventude não é desculpa para este tipo de atos.
Antes pelo contrário.
É aos jovens que temos de deixar claro que nada nem ninguém está acima da Lei e da Ordem.
Seja quem for, seja por que causa for, seja por que razão for.
O ministro é hipócrita? É!
É incompetente? Também!
É uma nulidade naquilo que faz? Sem dúvida!
Mas, meus caros, e em abono da verdade: se eu, por exemplo, fosse atirar tinta a todos os hipócritas, incompetentes e nulidades que encontro todos os dias mais valia tornar-me acionista de uma fábrica de tintas, tantos eram os litros que iria gastar!
Não podemos perder o foco e a consciência das bases da nossa sociedade.
Não podemos perder e permitir que se desrespeite a Lei e a Ordem.
Não podemos deixar de ser radicais com os direitos, mas também com os deveres, que nos definem.