O ZÉ POVO E A DONA JUSTIÇA: DEMOCRACIA OU CENSURA DISFARÇADA?

Vivemos tempos inquietos, em que as fundações da democracia parecem estremecer de forma quase impercetível, mas constante.
Em Portugal, na Europa, no Brasil, nos Estados Unidos — praticamente em todo o mundo ocidental — temos assistido a episódios cada vez mais frequentes de políticos a braços com a justiça.
Uns em fase de investigação, outros com processos em tribunal, e alguns já com sentenças transitadas em julgado (o Presidente dos Estados Unidos foi condenado dias antes da sua eleição)
Não deixa de ser curioso (e até paradoxal) observar que, mesmo perante condenações judiciais, algumas destas figuras continuam a merecer a confiança do eleitorado.
Vão a votos!
E vencem.!
Sim, vencem com maioria clara, com apoio popular, com legitimidade reforçada.
E é precisamente aqui que a questão se levanta com toda a sua força.
O caso recente de Marine Le Pen, em França, é apenas mais um exemplo.
Foi condenada a pena de prisão e, ainda mais relevante, impedida de exercer cargos públicos durante cinco anos.
Uma decisão que, naturalmente, gerou reações.
Algumas de surpresa, outras de indignação — e muitas de solidariedade, esmo entre os seus adversários políticos.
Mas deixemo-nos de rodeios: será a justiça um instrumento legítimo para intervir no jogo político?
Ou estaremos perante uma linha ténue, perigosamente ténue, entre a aplicação da lei e a manipulação do sistema democrático?
A democracia assenta num princípio basilar e inquestionável: "o povo é quem mais ordena".
É a vontade soberana dos cidadãos que legitima o poder.
Não são os tribunais, nem os comentadores televisivos, nem os partidos que controlam os bastidores do sistema.
É o voto!
Se um cidadão, consciente e informado, decide votar num candidato condenado pela justiça, quem tem o direito de lhe dizer que está errado?
Quem pode sobrepor-se a essa escolha, livre e democrática?
A resposta devia ser simples: ninguém.
E, no entanto, temos vindo a assistir ao contrário.
A justiça, em vários casos, deixou de ser apenas um instrumento de correção e passou a ser um fator de condicionamento político.
Investiga-se em vésperas de eleições.
Julga-se durante campanhas.
Condena-se às portas do voto.
Não ponho, de modo algum, em causa a importância da justiça.
A sua missão é nobre: garantir que ninguém está acima da lei.
Mas essa função tem limites claros e precisos.
Deve ser isenta, imparcial, aplicada de forma universal e sem agendas ocultas.
A política, por seu lado, é um domínio totalmente distinto.
É o espaço da vontade popular, da gestão da coisa pública, da deliberação colectiva sobre o futuro de todos.
E, nesse espaço, só há um juiz legítimo: o povo.
Quando os poderes se misturam, surgem os abusos.
Começam as suspeitas. Cresce o descrédito. Instala-se a desconfiança.
Porque quem controla a justiça também pode — e muitas vezes quer — controlar a política.
Há hoje uma tendência preocupante de as democracias se transformarem em oligarquias de elites, onde uma classe política e intelectual se arroga o direito de definir o que é aceitável ou não, quem é elegível ou não, quem pode ser ouvido ou deve ser silenciado.
Controlam o discurso público através dos meios de comunicação social. Condicionam o pensamento através de narrativas cuidadosamente desenhadas. E, em muitos casos, manipulam a justiça para eliminar adversários que não conseguem vencer nas urnas.
É essa elite que decide, muitas vezes à porta fechada, o que o povo pode ou não escolher.
E isso é profundamente antidemocrático.
No caso de Marine Le Pen, a dúvida é legítima: foi condenada por crimes reais ou por ideias inconvenientes?
Foi punida pela justiça ou censurada pelo sistema?
Não tenho todas as respostas.
Mas tenho uma certeza: a justiça nunca deve interferir na soberania popular.
Nunca deve impedir um povo de escolher os seus representantes.
Nunca deve excluir, condicionar ou banir candidatos legitimados pelo voto.
Porque, no fim de contas, é nas urnas que tudo se decide.
É no boletim de voto que reside a verdadeira legitimidade.
E é aí, e só aí, que se deve escrutinar a política.
Podemos discordar das escolhas do povo.
Podemos achar que são irracionais, perigosas ou até imorais.
Mas isso não nos dá o direito de as impedir.
Porque o voto não é uma questão de razão: É uma questão de liberdade.
E essa liberdade é sagrada. Intocável. Inalienável.
Se queremos uma democracia verdadeira, temos de aceitar todas as suas consequências.
Mesmo aquelas que nos desagradam!
Mesmo aquelas que nos assustam.
Porque uma democracia a fingir, onde só se pode votar dentro dos limites definidos por uma elite, não é democracia — é censura disfarçada.
O povo pode errar, sim. Mas também pode aprender. Pode mudar. Pode corrigir. E, sobretudo, pode decidir.
Não é a justiça que deve dizer quem pode ou não governar.
Não são os tribunais que devem definir quem pode ou não ser eleito.
São os cidadãos, com o seu voto. Sempre!
A separação entre justiça e política tem de ser absoluta.
Sem ambiguidades. Sem zonas cinzentas. Porque só assim garantimos que o poder continua a emanar de onde deve: do povo.
E quando todos repetem que "o povo é quem mais ordena", então todos — sem exceção — têm de respeitar essa máxima. Sem reservas. Sem atalhos. Sem desculpas.
No fim, como diziam os romanos: "vox populi, vox Dei" — a voz do povo é a voz de Deus.
E essa voz, goste-se ou não, nunca deve ser calada.