O PREÇO DA IGNORÂNCIA E A FALÊNCIA DO SISTEMA FINANCEIRO

04-10-2022

Está a causar uma onda de estupefação a decisão do governo britânico, especialmente do seu ministro das finanças, Kwasi Kwarteng, em recuar na sua medida de reduzir de 45% para 40% a taxa de incidência de imposto sobre os rendimentos mais altos.

Tal deveu-se a uma crescente onda de contestação daqueles que acham que os mais ricos não devem sair beneficiados, enquanto as classes mais baixas não tiveram a mesma benesse fiscal.

O governo de Liz Truss, como quase todos os governos atuais, foi atrás do clamor da populaça e cedeu.

Fez mal!

Porque a medida era uma medida correta!

Explicando:

Nós, durante a segunda metade do século XX e início do século XXI, especialmente na Europa ocidental, fomos "doutrinados", e isto para não usar uma palavra mais forte, que não pode haver ricos. 

O Estado Social é um estado igualitário, dizem-nos, em que a riqueza deve ser distribuída de forma igual entre os cidadãos, em que as desigualdades e as clivagens devem ser combatidas e que deve ser o Estado a promover essa igualdade, esse nivelamento, esse equilíbrio.

Até aqui tudo bem e todos de acordo.

O mal disto tudo é que esta política foi aplicada "ao contrário". 

Nós, de facto, não queremos não ter ricos. 

O que nós queremos é não ter pobres. 

Nós não queremos que os ricos ganhem menos, nós o que queremos, ou devemos querer, é que os pobres ganhem mais. 

O Estado Social não é um estado sem ricos, é, sim, um Estado sem pobres.

Mas, como é obvio, para que se gere valor, proveito e riqueza, e os cidadãos atinjam, na sua esmagadora maioria, um nível de vida confortável, são necessárias medidas estratégicas, estruturantes, de médio e longo prazo, fundamentadas na educação, na formação, no incentivo ao investimento, à retenção de capital, à inovação, ao desenvolvimento.

Medidas que demoram anos, gerações até.

Medidas que, devido à sua morosidade, implicam pactos de regime, paciência, comprometimento, sentido de Estado, noção de futuro, inteligência estratégica.

Tudo o que os partidos ocidentais, em especiais os de esquerda e mesmo os sociais-democratas não tem.

As políticas são feitas para o aqui e agora, para a satisfação imediata dos eleitores, para se refletirem nas sondagens, para garantir a próxima eleição.

De facto, é muito mais fácil cortar do que criar, é muito mais fácil empobrecer os ricos do que enriquecer os pobres, é muito mais fácil reduzir proveito a aumentar valor.

É muito mais fácil dar o peixe do que ensinar a pescar.

E assim fomos educados, mentalizados, doutrinados, convertidos, que os ricos são maus, os ambiciosos perniciosos, as grandes fortunas feitas com o sangue e suor do pobre proletariado, que o grande capital só existe porque explora a classe trabalhadora.

Mas vejamos: quem cria valor, rendimento e emprego? Quem desenvolve as economias, quem investe, quem gera riqueza? Quem cria fluxos financeiros, quem paga, de facto, os impostos que fazem a diferença, em suma, quem alimenta o sistema de divisas e capital?

Não são os que tem menos rendimento!

São os que tem mais!

Em tempos de crise a prioridade é aumentar o valor, aumentar os fluxos financeiros, incentivar ao investimento, garantir que o dinheiro circula e contrariar a tendência natural de reter divisas em tempo de incerteza.

E como se faz isso?

Aliciando os mais ricos a ficar no país, a investir, a desenvolver e a criar valor!

Como?

De muitos modos, mas, o mais imediato, com a redução dos impostos.

Porque reparem: quando num supermercado se quer vender mais batatas o que se faz? Faz-se uma promoção das batatas, isto é, reduz-se o preço. Numa loja de roupa, quando se quer aumentar as vendas o que se faz? Faz-se saldos, isto é, reduz-se o preço. Num Estado é exatamente a mesma coisa: quando se quer aumentar a coleta fiscal o que se deve fazer? Como é obvio reduzir a incidência. Simples! Não é preciso ser um génio para a chegar lá.

Para receber mais em imposto desce-se os impostos, não se sobe. Se se subir, embora o efeito imediato seja o aumento da coleta, o efeito a médio longo prazo é a retração do investimento que, embora aumente a incidência, diminui a coleta.

E isso especialmente em relação aos rendimentos mais altos que são aqueles que podem ir para o mercado e investir, comprar, gastar.

A redução fiscal sobre os ativos de alto valor cria liquidez, cria investimento, cria valor.

A redução fiscal das classes com menos rendimento cria gasto, cria desperdício e gera inflação pois a redução fiscal não é compensada pela geração de valor proporcional a essa mesma redução. Isto é, em linguagem mais simples, o que os "pobres" poupam com a redução de impostos não o gastam de um modo a pagarem imposto ou gerarem valor que compense a redução que tiveram.

Outro fator é que, com o atual quadro da facilidade na transação de bens e serviços, assim como de capitais, se uma empresa, empresário, investidor se sentir pressionado ou condicionado por um sistema fiscal ou legal demasiado "punitivo" ou "incisivo" o que ele faz: segue a regra da minha avó Maria! "Quem não esta bem, põe-se". Por isso as economias que tem seguido políticas que taxam mais o capital e os rendimentos elevados, nos últimos anos, têm perdido dezenas de milhões de euros com a transferência de ativos, de empresas, de capitais e estou-me só a referir ao mercado legal e regulado. Grandes grupos económicos, grandes fundos de investimento e detentores de capital tem mudado as suas operações ou mesmo sedes sociais para os países com políticas fiscais mais "brandas" e sistemas tributários mais liberais.

Quando se aumenta a incidência fiscal sobre o capital os políticos ganham créditos e as multidões aplaudem e votam.

Mas é única coisa em que se ganha. Em tudo o resto se perde.

O Estado paga muito caro a satisfação dos seus eleitores, os políticos vendem a alto preço a sua reeleição.

E esse preço é pago por aqueles que pediram ou até mesmo exigiram essas medidas.

Porque, tarde ou cedo, com os mais ricos a retrair o investimento, a deslocalizar as operações, a radicar as empresas em paraísos fiscais, o país vai sofrer de falta de liquidez, falta de investimento, uma perda de receita fiscal.

Com isso vão ficar mais expostos aos empréstimos em mercados externos, e, obviamente, com essa exposição, os juros sobre a divida soberana vão aumentar até ao ponto de ser insustentável...

E sabem o resto da história, não sabem?

Intervenção do FMI e do Banco Central Europeu, medidas draconianas, contenção, crise, e a famosa austeridade.

Para os ricos?

Não! Que esses fugiram quando as hordas ignorantes e as esquerdas demagógicas pediram a sua taxação, a sua espoliação e, por vezes até se fala, ainda, de nacionalização.

Quem paga, sempre, as grandes receções são os mais pobres, os mais vulneráveis, os com menor rendimento.

Por culpa dos ricos? Não! Por culpa deles que não souberam aliciar e reter aqueles que lhes pagam os ordenados, que lhes garantem os empréstimos, que fazem os investimentos, que asseguram o desenvolvimento de que todos dependemos.

Com medidas que incidam negativamente sobre o capital o povo só consegue uma coisa: que os pobres fiquem mais pobres, que as suas necessidades e dependência aumentem e que o Estado Social perca cada vez mais sustentabilidade.

Chega a ser ridículo como isto não se entende.

Chega a ser criminoso quando políticos, unicamente movidos pela sua ganância de poder e necessidade de eleição, não explicam aos seus eleitores algo de tão obvio e simples e, ainda por cima, acalentam o oposto, fazendo da voz da ignorância a sua voz, e da estupidez a sua política.

Reparem que não estou a descobrir nada de novo!

Vejam a história de Portugal nos últimos 48 anos e vejam se não tenho razão. Tem dúvidas? Vejam a frança, a Espanha, a Grécia...

Por isso Kwasi Kwarteng estava só a ter razão e aplicar os princípios mais básicos da economia óbvia.

A sua política, a médio prazo ia gerar rendimento, valor e liquidez e ia ser a alavanca do Reino Unido para sair da crise profunda onde agora se encontra. Foi assim e só assim que Margaret Thatcher resgatou Reino Unido de uma crise profunda nos anos 80 e tornou o país no colosso financeiro dos anos 90 e 2000.

Agora o governo de Liz Truss, muito débil politicamente, não consegui sustentar essa medida.

Uma pena!

Mais uma vez os eleitores terão o peixe, mas não aprenderão a pescar. Garantem a migalha de hoje, assegurarão a miséria do amanhã, outra crise, outra recessão que, em vez de se solucionar só se agrava.

Um dia destes vamos falar no dever dos políticos e no nosso dever de os eleger....

Enquanto a motivação dos políticos for ser eleito e não governar, for ser popular e não eficiente, for garantir o hoje e não o amanhã, nunca sairemos deste marasmo em que andamos, repetida e incessantemente, há anos.

Porque enquanto não aprendemos a pescar estaremos sempre dependentes do pescador, o mesmo pescador que expulsamos porque, não conseguindo ser como ele, ficamos contra ele.

Um dia ainda vamos descobrir que nada sai mais caro que a ignorância e é por sermos cada vez mais ignorantes que somos cada vez mais pobres.