O COLAPSO ANUNCIADO: COMO O OCIDENTE PERDEU O SÉCULO XXI PARA A CHINA

Há vinte anos, se alguém me dissesse que o eixo do poder mundial iria deslocar-se, lenta mas firmemente, para o Oriente, provavelmente teria esboçado um sorriso céptico.
Era difícil imaginar que os Estados Unidos, com a sua supremacia militar, económica e cultural, e a União Europeia, com o seu peso político e histórico, pudessem ver o seu protagonismo global reduzido a um papel quase reativo.
Mas aconteceu!
E não foi de um dia para o outro — foi meticulosamente preparado por quem soube pensar em décadas e não em ciclos eleitorais.
O Ocidente, esse espaço político e civilizacional alargado, começou o século XXI convencido de que a sua liderança era incontestável.
Acreditava que os valores liberais, a economia de mercado e a democracia parlamentar eram o destino natural de todos os povos.
O mundo seguiria o seu modelo — bastaria tempo.
Essa ilusão, quase messiânica, impediu uma leitura atenta das profundas alterações em curso.
A China, por seu lado, não perdeu tempo com ilusões.
Não se deixou levar pela tentação de exportar ideologias nem de intervir diretamente em conflitos distantes.
Em vez disso, fixou os olhos num horizonte longínquo e começou a trabalhar silenciosamente para lá chegar.
Quando o Ocidente acordou, o jogo já estava quase perdido.
Durante anos, os líderes ocidentais entretiveram-se com querelas internas, divisões partidárias e debates estéreis sobre temas que, embora importantes, não eram estruturantes.
A política passou a ser um palco de espectáculo, onde o que importa não é a profundidade da decisão, mas a sua aceitação nas redes sociais ou nos noticiários do dia.
Foi neste ambiente que a China consolidou a sua ascensão.
Enquanto os Estados Unidos se enterravam em guerras dispendiosas no Médio Oriente e a Europa se fragmentava em debates sobre identidade e fronteiras, Pequim avançava.
Investia em infraestruturas, em tecnologia, em alianças comerciais e, sobretudo, em diplomacia.
A "Nova Rota da Seda" não é apenas um projeto económico. É uma visão de mundo. É um mapa alternativo ao tradicional domínio ocidental. Através dela, a China ligou-se ao Sudeste Asiático, à África, à América Latina e até à Europa, não com tanques ou porta-aviões, mas com crédito, ferrovias, portos e telecomunicações.
O mais irónico de tudo isto é que o Ocidente facilitou o caminho.
Durante décadas, transferiu capacidade industrial para a China em nome do lucro imediato. Ignorou os sinais claros de que estava a tornar-se dependente de um país com uma estratégia claramente delineada para o século XXI.
E não, isto não foi inevitável!
A perda de liderança ocidental não foi um fenómeno natural, como uma maré que sobe. Foi consequência direta de decisões — ou da ausência delas.
A obsessão com o curto prazo, com as sondagens, com o politicamente conveniente, destruiu qualquer capacidade de planeamento estratégico.
Vejamos o caso europeu: A União Europeia passou as últimas duas décadas presa em crises sucessivas: a crise do euro, a crise dos refugiados, o Brexit, a pandemia.
Cada uma delas revelou uma fragilidade diferente, mas o padrão manteve-se: falta de coesão, ausência de liderança clara e uma visão de futuro turva.
Entretanto, a China, com um sistema político que dispensa os ciclos eleitorais e as pressões mediáticas, conseguiu implementar planos de longo prazo com consistência.
Isto não significa que devamos desejar ou imitar o modelo chinês. Mas é impossível não reconhecer a eficácia de uma estratégia que sabe o que quer e não se desvia do caminho.
O que estamos a viver hoje é, portanto, o resultado previsível de duas dinâmicas opostas: um Ocidente fragmentado, hesitante e emocionalmente instável, e uma China disciplinada, metódica e determinada.
A balança inclinou-se — e não é provável que volte ao ponto de origem tão cedo.
Esta nova realidade manifesta-se de muitas formas. Economicamente, países europeus estão a depender cada vez mais de investimento chinês. Politicamente, assistimos a um realinhamento global em que a influência de Pequim cresce, sobretudo junto de países emergentes que veem na China uma alternativa credível ao modelo ocidental.
A nível tecnológico, a China já disputa — e em alguns casos supera — os avanços dos EUA e da Europa. Inteligência artificial, comunicações 5G, produção de semicondutores: em todas estas áreas, a supremacia ocidental está em causa. E isto não é apenas uma questão de mercado — é uma questão de soberania.
Se o poder, como dizia Foucault, está por toda a parte, então a China soube distribuí-lo com astúcia. Não dominou pela força, mas pela influência. Não impôs, mas convenceu. E, por isso, a sua ascensão parece menos ameaçadora do que, na verdade, é.
Os dirigentes ocidentais falharam em compreender a natureza desta transformação.
Continuaram a operar com mapas mentais antigos, em que a força militar e os tratados entre aliados bastavam para garantir estabilidade e primazia. Ignoraram a importância crescente da interdependência económica, do controlo dos recursos e do soft power.
O problema de fundo foi, e continua a ser, a ausência de visão.
A política deixou de ser um exercício de liderança e passou a ser uma gestão de expectativas. Em vez de estadistas, multiplicaram-se os gestores de imagem. Em vez de estratégia, temos navegação à vista.
E a verdade é que não se pode governar o futuro sem olhar para além do imediato.
A história mostra-nos que as civilizações que perdem a capacidade de pensar a longo prazo acabam por ser ultrapassadas.
E foi exatamente isso que aconteceu com o Ocidente: perdeu a capacidade de se pensar enquanto projecto.
Hoje, vivemos num mundo multipolar, onde os centros de decisão já não se limitam a Washington, Bruxelas ou Londres. Pequim, Nova Deli, Ancara, Riyad e outras capitais emergentes disputam agora esse palco. E fazem-no com ambição, com realismo e, sobretudo, com tempo.
O tempo — esse recurso que o Ocidente desperdiçou — foi o maior aliado da China. Enquanto por cá tudo é urgente e provisório, lá tudo é preparado com calma e com método.
E é isso que faz a diferença entre a liderança e a irrelevância.
Muitos analistas continuam a falar do "declínio do Ocidente" como se fosse um processo reversível.
Mas a verdade é que estamos para lá do ponto de retorno!
O que está em causa já não é apenas liderança — é sobrevivência política e cultural num mundo que já não nos reconhece como farol.
Talvez ainda haja espaço para uma reinvenção.
Mas essa só acontecerá se houver coragem para romper com o imediatismo, com o populismo e com a ilusão de que os problemas se resolvem com marketing político.
O primeiro passo é reconhecer o fracasso. Admitir que se errou. Que se cedeu a uma arrogância infantil, convencida de que o mundo giraria sempre à nossa volta. Que se desprezou quem, pacientemente, preparava o seu lugar ao sol.
O segundo passo é reaprender a pensar estrategicamente. Recuperar a ideia de projeto comum. Perceber que, num mundo em transformação, só sobrevive quem sabe adaptar-se — e adaptar-se não é ceder, é evoluir com propósito.
A China não venceu o Ocidente numa batalha!
Ganhou-lhe no silêncio, na persistência, na inteligência.
Mostrou que o poder não precisa de barulho para ser eficaz.
E isso, mais do que assustar, devia servir de lição.
Política não é teatro. É responsabilidade. É compromisso com o futuro. E talvez esta seja a última chamada para que o Ocidente acorde antes de se tornar uma nota de rodapé na história do século XXI.
Se este colapso anunciado nos ensinar alguma coisa, que seja a humildade.
Porque só a humildade nos pode devolver a lucidez que perdemos.
E talvez ainda vá a tempo.