NEGAR AS EVIDÊNCIAS e o presente futuro do projeto europeu

29-11-2022

O PROJETO QUE VIROU UM DESASTRE MONUMENTAL! 


Lembro-me bem do entusiasmo da adesão de Portugal à CEE.

Da vitória que foi, para nós, enquanto nação e enquanto povo, aderir à Comunidade Económica Europeia.

Foi, em suma, o culminar da revolução de abril, foi o fim definitivo e absoluto do "orgulhosamente sós" do Prof. Salazar, foi o início do progresso, da civilização, da modernidade.

E todos gostamos, muito, disso, festejamos, assim como festejamos a adesão ao Euro, o fim das fronteiras, a liberalização dos mercados, dos serviços.

Era tudo tão novo, tão bom, tão Europeu!

Era tão bom sermos europeus que, durante anos, não nos importamos em ser os piores da Europa, os mais pobres, os mais atrasados, os com menos desenvolvimento.

Para a minha geração, e muito mais para as gerações anteriores à minha, ser um mau europeu era muito melhor do que ser um bom português.

E foi assim em Portugal, mas também foi assim noutros países da Europa como Espanha, Hungria, Itália, Grécia e mesmo, de alguma forma, no Reino Unido.

O ideal europeu impunha-se a todos os nacionalismos que pudéssemos ter.

Voltar ao isolamento anterior não era, pura e simplesmente, opção ao ponto de até merecer sacrifícios de imposições de cotas, restrições de mercados, perdas de competitividade, cedências de soberania.

Merecia porque sabíamos para onde não queríamos voltar.

Sabíamos porque víamos as autoestradas, os comboios de alta velocidade, os faraónicos edifícios como o CCB, as Universidades, betão aos rodos, euros aos molhos, tudo vindo da Europa, fonte inesgotável de riqueza, de progresso, que dava tudo, nada pedia em troca...

Achavam quase todos...

Mas o tempo passa, o tempo tudo consome, o tempo tudo dissolve e o tempo tudo esclarece.

A memória começou-se a perder com as novas gerações.

E a Europa generosa começou a ser a Europa cobradora.

Por isso, a minha geração e as gerações anteriores à minha, tem de se colocar algumas questões de forma séria e frontal.

De que vale, quais as vantagens do projeto europeu para quem nunca viveu só e isolado no mais ocidental e remoto torrão da vasta Europa? O que são os ideais europeus para quem já nasceu na Europa? Quais as vantagens, qual a razão dos sacrifícios da união para quem nunca soube o que é viver separado de tudo e todos?

E é precisamente esse desconhecimento do que foi antes que afasta a nova geração da Europa e do ideal europeu que é hoje.

Para quem nasceu depois da integração, a Europa são uns senhores na Alemanha, na França e na Bélgica a decidir a vida de todos, normalmente sem nada de bom que se veja.

São as Troikas, as taxas de juro, as imposições, as ordens, a crise e, atualmente, os combustíveis, a guerra e sempre, sempre a austeridade.

A Europa é aquela figura, quase em modelo Disney, do vilão chato, do opressor caduco, do tirano distante, indiferente, reles que, se não fosse tão sádico, seria patético e cómico.

E para quem não sabe a origem de tudo, isto é humilhante, desprestigiaste, vergonhoso.

A Europa, a União Europeia e os seus dirigentes, governam e administram como sendo donos da razão, do certo, da verdade. Pensam, ordenam, executam escudados no ideal europeu que, por ser tão válido, acham eles, ninguém contesta.

Sentem que o que defendem é tão válido e necessário que não têm, sequer, a necessidade de se justificar, fundamentar as suas ideias, as suas decisões e as suas opções.

Úrsulas e Christines, falam com a autoridade de sacerdotisas que protegem o Santo dos Santos europeu a quem todos devemos as bênçãos e benesses do europeísmo e dos seus dogmas que, como todos os dogmas, são incontestáveis, irrefutáveis, inquestionáveis.

Mas as sacerdotisas e os guardiões do ideal europeu esquecem-se que começaram a votar e a ter crescente peso eleitoral os membros de uma geração que não se lembra e não viveu os fundamentos do ideal europeu e, logo, não o entende, não o partilha e ousa (porque tem esse legitimo direito) não o aceitar.

Uma geração à qual a Europa não se soube explicar, não se soube justificar, não soube mostrar as suas vantagens e a sua utilidade.

Uma geração a que Europa e as suas instituições se limitaram a impor-se, certas como o destino, incontornáveis como a morte.

Uma Europa de burocratas, fechados nos seus gabinetes de Bruxelas e Estrasburgo, que vincam o centralismo e acentuam as desigualdades para a periferias, cada vez mais remotas e distantes, e não somente em quilometragem.

Uma Europa sem ideais para além dela própria, sem vontade, sem entusiasmo, sem os entusiastas e os heróis do ideal europeu, que acreditavam, que arriscavam, que viam mais longe, muito mais longe.

Era a Europa de Jean Monnet, Helmut Kohl, François Mitterrand, Robert Schuman, Margaret Thatcher e Jacques Delors entre outros. Políticos que acreditavam no que diziam e faziam o que afirmavam. Políticos mais importados em construir um futuro do que a manter um presente, políticos que preferiam o progresso à estabilidade, o dinamismo à inércia, para quem governar era a concretização de sonhos e não a cimentação da ordem estabelecida.

Uma Europa que se expandiu tanto que perdeu a sua identidade, as suas cumplicidades e os seus laços.

Uma Europa tão focada e centrada em se manter e preservar que se esqueceu que o tempo passa, a realidade evolui e as gentes modificam-se.

Fenómenos como o Brexit, a ascensão dos extremos políticos antieuropeístas, a ausência da juventude da prática política, os galopantes números das abstenções eleitorais (especialmente em eleições europeias), os grupos e movimentos independentistas com crescimento galopante, deviam ser fatores de enorme alerta para quem governa o projeto europeu.

Mas os gritos ensurdecedores de uma maioria cada vez menos silenciosa não consegue penetrar nos vidros high-tech dos gabinetes de comissários e presidentes ns douradas torres de Bruxelas.

Não há voz que chegue ao Olimpo europeu.

Os Europeus, muito em espacial os mais novos (logo o futuro do velho continente) têm estado a enviar sinais, a demonstrar sintomas, a assumir posições que denunciam que não se revêm nos conceitos, nos ideais e nos métodos da atual Europa.

Esta Europa perdeu os europeus!

De Itália, um dos países fundadores da União Europeia, veio o último sinal de alerta.

Outros se seguirão.

Porque a Europa não é política, não é estratégia, não são ideais, por muito nobres e elevados que sejam.

A Europa são os Europeus e, como vivemos em democracia, afinal Europa é o que os Europeus querem que seja, mesmo que isso não agrade a quem governa, mesmo que isso não vá de encontro aos altos e elevados motivos de antanho que fizeram da Europa o que ela é hoje.

Porque, onde é o povo quem mais ordena, é a vontade dele que prevalece.

E se deixarmos de acreditar e vincar este princípio, então, de facto, nada vale a pena, nem essa Europa que sonhamos e que hoje parece já não existir.