MORREU FRANCISCO. E AGORA, IGREJA?

02-05-2025


Morreu o Papa Francisco.

E, como sempre, multiplicam-se as interrogações, os temores, os palpites.

Quem será o próximo Papa?

Será mais conservador? Será progressista?

Terá carisma? Será firme? Fará reformas?

E, sobretudo, que futuro dará à Igreja de Cristo?

Mas, perdoem-me: discordo desta lógica.

E faço-o com a dor de quem ama a Igreja, embora não seja fiel nem tão-pouco crente. Amo-a como uma força dinamizadora e transformadora — umas vezes melhor, outras pior, mas sempre em renovação — assente nos ensinamentos de um homem que muito admiro: Jesus de Nazaré.

A ideia de que o futuro da Igreja depende do sucessor de Pedro é uma ilusão reconfortante.

Conforta porque dispensa da responsabilidade.

Convence porque desobriga da conversão.

Se a Igreja dependesse do Papa, depois de doze anos de pontificado de Francisco, a Igreja seria hoje justa, igualitária e fraterna.

Mas não é.

E não o é, não porque Francisco falhou — mas porque não foi ouvido.

Porque foi ignorado.

Porque se preferiram os confortos às suas provocações.

A verdade é que a Igreja não depende das suas cúpulas.

A Igreja vive das suas bases.

É nos bancos das igrejas, nas salas de catequese, nos confessionários, nos lares e nas ruas que a Igreja se constrói — ou se destrói.

A Igreja não é o Vaticano: são os seus fiéis!

E o que se tem feito com ela?

Enquanto os fiéis não forem verdadeiramente católicos, a Igreja será apenas uma sombra de si mesma.

Enquanto houver uma distância abissal entre o que se professa e o que se pratica, Cristo continuará a ser traído.

Enquanto, dentro da Igreja, se baterem no peito mas, fora dela, se espalharem o ódio, a exclusão e o preconceito, não há Papa que valha.

Enquanto se falarem palavras doces e se praticarem gestos cruéis, não há sínodo, não há reforma, não há documento que chegue.

É fácil falar de amor.

É difícil amar.

É fácil pregar o perdão.

É difícil perdoar.

É fácil dizer que a Igreja é de todos.

É difícil aceitar que esse "todos" inclui também quem não se pensa, quem não se escolhe, quem desafia.

A Igreja não vai a lado nenhum enquanto continuar prisioneira de um baixo clero arrogante, instalado e autocomplacente.

Não foram os Papas que esconderam e permitiram, durante séculos, os abusos sexuais de maiores e menores; não foram os Papas que expulsaram gays, divorciados, filhos "ilegítimos" e "hereges".

João XXIII convocou um Concílio que renovou a Igreja e a projetou para o século XX e seguintes, devolvendo a Igreja aos fiéis e a fé fundamentada nos ensinamentos de Jesus; Paulo VI concluiu esse Concílio, o Vaticano II, e iniciou a sua implementação; João Paulo II, o Papa peregrino, percorreu o mundo pregando o amor, para além de ter renovado o Catecismo da Igreja Católica e o Código de Direito Canónico, abrindo as portas à participação dos leigos na vida da Igreja e nos sacramentos, inclusive mulheres; Bento XVI ordenou as investigações aos abusos sexuais na Igreja, puniu severamente os provados culpados, obrigou à transparência financeira da Santa Sé.

Os Papas do último século podem não ter ido tão longe quanto alguns de nós desejaríamos, mas de inércia e conservadorismo ninguém pode acusar os últimos ocupantes da cátedra de Pedro.

O problema está em que, enquanto nas suas dioceses e paróquias se mantiverem redutos de poder em vez de centros de serviço, enquanto a ostentação for confundida com autoridade, enquanto a intolerância for travestida de zelo pastoral, nada valerá a pena.

E pior: tudo isto é amplificado por uma franja de leigos que, por vaidade ou medo, querem uma Igreja que nunca mude.

Que querem mais tradição do que Evangelho.

Mais regras do que compaixão.

Mais controlo do que comunhão.

Mais aparência do que verdade.

A culpa da paralisia da Igreja não é de todos os fiéis.

Mas é, sim, de uma minoria barulhenta, ocidental, burguesa, instalada, arrogante e hipócrita.

Uma minoria que só lê as passagens dos Evangelhos que lhe convêm, só pratica o que a engrandece, que vê na sua fé (ou suposta fé) um meio de autopromoção, de superioridade moral e de arrogância ética.

Acham-se exemplos, acham-se maiores, quando ser grande em Cristo é ser o que Cristo foi: o primeiro servo dos seus servos, o que se ajoelha perante o humilde, o que acolhe a prostituta, o que se senta à mesa com os excluídos.

Jesus é o último reduto dos que nada têm, dos que foram de todo o lado expulsos, dos que foram por todos condenados, dos que são por todos culpados.

Jesus é certeza dos que não têm caminho, a esperança dos que já nada esperam, é o conforto dos que já em nada acreditam.

Sem limites, infinito na misericórdia, infinito no perdão, infinito no amor.

E tudo isto "sem que a mão esquerda saiba o que faz a mão direita".

Tudo isto com humildade, sem vaidades, sem ostentações.

Em paz, como a brisa onde habita o Deus de Isaías…

Por isso, a Igreja não é daqueles que fazem da fé uma vitrina de respeitabilidade social, que se servem da Igreja mas não servem a Igreja, que querem uma Igreja para se proteger do mundo — e não para o transformar.

O próximo Papa terá, por isso, um desafio imenso.

Mas não é o desafio da comunicação ou da diplomacia.

É o desafio da verdade.

Antes de qualquer coisa, o novo Papa terá de ser um disciplinador.

Um homem de rigor.

Alguém que imponha clareza onde há ambiguidade, verdade onde há hipocrisia.

Tem de haver ordem.

Tem de haver fidelidade.

Tem de haver coerência.

Chega de igrejas cheias de hipócritas.

Chega de liturgias sem vida.

Chega de rituais sem conversão.

Chega de uma fé de fachada.

É preciso uma Igreja pequena, se for necessário — mas verdadeira.

Mais vale um punhado de fiéis autênticos do que multidões que apenas procuram consolo, status ou perdão barato.

Mais vale uma Igreja perseguida do que uma Igreja popular e vazia de Cristo.

Recordo, com dor, aquele dia em Lisboa.

O Papa dizia "todos, todos, todos", com os olhos rasos de ternura.

E nesse mesmo dia, um grupo de jovens ditos católicos invadia uma capela onde um pequeno grupo de irmãos homossexuais celebrava discretamente a Eucaristia.

Invadiram com crucifixos em riste e rosários como pedras.

Chamaram-lhes aberrações, hereges, pecadores, excomungados.

Os atacantes chamaram-se católicos pela verdade.

Mas eram eles que, contrariamente às regras da Igreja a que dizem pertencer, negavam as palavras do seu Pontífice Máximo, do Vigário de Cristo, do Bispo de Roma — negavam tudo aquilo que lhes tinha sido ordenado defenderem.

Enquanto a Igreja não fizer como Jesus — expulsar os vendilhões do templo — não há Papa, nem Cúria, nem sínodo que a salve.

O próximo Papa terá de ter coragem de dizer basta.

De corrigir.

De expulsar.

Sim, de expulsar: "aqueles que não crêem, não adoram, não esperam e não amam."

Não para reduzir a Igreja.

Mas para a purificar.

Para que possa voltar a ser o que deve: casa de todos, a casa do Pai, sempre de braços abertos para todos os filhos pródigos deste mundo.

E de todos mesmo.

Especialmente dos pobres, dos pequenos, dos pecadores.

Daqueles que precisam de perdão, de acolhimento, de esperança.

De um olhar que compreende.

De um abraço que salva.

Francisco falou muito.

Mas foi pouco escutado.

Foi muito citado.

Mas pouco imitado.

Foi muito louvado.

Mas raramente seguido.


O próximo Papa terá de carregar, com humildade, a cruz.

Mas terá também de empunhar o chicote.

Porque, se não o fizer, temo que a Igreja se perca.

Não para o mundo.

Mas de si mesma.




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