JUSTIÇA MORIBUNDA - As Origens Subjacentes do Colapso nos Sistemas Judiciais

06-05-2024


Todos os dias, nas notícias, nos jornais, nas televisões, por todo o mundo, ouvimos notícias que indicam que os sistemas judiciais, especialmente os ocidentais, estão em colapso.

Processos de demoram anos a ser investigados e julgados, casos que chegam a prescrever por não terem sido apreciados a tempo, tribunais completamente apinhados de processos, em que os funcionários trabalham em péssimas condições, provas comprometidas por falta de condições de preservação...

De tudo ouvimos todos os dias.

E tal é muito grave.

O sistema judicial, isto é, a capacidade do Estado manter a ordem através da aplicação do poder cursivo da força (afinal, o que faz dele, de facto Estado), é um dos pilares fundamentais dos Estados de Direito Democrático.

Um Estado em que os seus cidadãos não confiam que os seus órgãos são capazes de manter a Lei e a Ordem, em suma e em resumo, deixa de ser um Estado.

Desta forma, cada vez que há notícias a anunciar o mau funcionamento dos sistemas judiciais e o eminente colapso da justiça, representa uma degradação da imagem que o Estado tem perante os seus cidadãos e uma perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado.

Representa também, entre muitas outras coisas, um incentivo à criminalidade, a que se faça "justiça pelas próprias mãos", que não se respeite as autoridades além de ser um campo fértil para todo o tipo de populismos, extremismos e demagogias.

Ora: isto é gravíssimo!

Mas, então, e impõe-se a questão, por que estão os sistemas judiciais a funcionar tão mal e perto do efetivo colapso?

Os sistemas judiciais contemporâneos enfrentam uma série de desafios intrincados que vão além da mera má gestão. E tal deve-se, na minha opinião, a três fatores interligados que contribuem significativamente para a crise dos sistemas de justiça: a falta de pensamento estratégico, o declínio dos meios informais de regulação social e o crescente analfabetismo jurídico.

Estes elementos, muitas vezes negligenciados, convergem para criar um cenário judicial caótico, onde justiça e impunidade coexistem de forma contraditória.

Em primeiro lugar a má gestão dos sistemas judiciais é frequentemente atribuída à falta de pensamento estratégico. A política contemporânea, permeada pela cultura do imediatismo, planeia com base em dados atuais, negligenciando a previsão do futuro. Esta abordagem, em termos estratégicos, representa uma negação da própria essência da estratégia. Consequentemente, os sistemas judiciais são constantemente apanhados desprevenidos, incapazes de se adaptarem eficazmente às mudanças sociais e tecnológicas.

A incapacidade de antecipar as necessidades futuras conduz a sistemas judiciais sobrecarregados, incapazes de lidar com a crescente complexidade dos processos. A falta de investimento em tecnologias modernas, a análise preditiva de dados e métodos inovadores de resolução de litígios contribuem para a ineficiência global. A sociedade moderna exige uma abordagem mais proactiva e orientada para o futuro da administração da justiça.

Não se pode planear para amanhã com dados de hoje.

Isto é a base de qualquer pensamento estratégico.

Que os sistemas judiciais não aplicam. Por isso quando se inaugura um tribunal este já está obsoleto, quando se inaugura um estabelecimento prisional ele fica imediatamente sobrelotado, quando se aplica um diploma ele já se encontra desfasado da realidade e do contexto.

Assim tem sido em muitos dos sistemas judiciais ocidentais assim continuará a ser se não se mudar de atitude.

Em segundo lugar, aponto como causa, algo de central e fundamental na sociedade contemporânea: o declínio dos meios informais de regulação social.

Historicamente, as interações sociais eram frequentemente reguladas através de acordos informais, conversas e apertos de mão. No entanto, registou-se um declínio significativo destes meios informais de regulação social, que têm sido cada vez mais substituídos por processos judiciais formais. O que antes poderia ser resolvido com uma simples conversa agora acaba nos tribunais, sobrecarregando o sistema judicial e aumentando a carga de trabalho de todo o sistema.

Esta mudança assinala não só uma transformação nos métodos de resolução de litígios, mas também uma mudança na própria natureza das interações sociais. A falta de confiança em soluções informais reflete uma desconfiança generalizada na capacidade das pessoas para resolverem os seus próprios problemas. Esta diminuição contribui para o congestionamento dos tribunais e para a perda de eficácia dos métodos informais de resolução.

Em terceiro, e muito a causa do anterior indicador, está, na minha opinião, a base de todo o problema: O crescente analfabetismo jurídico e autoconfiança enganosa.

A iliteracia jurídica é um problema crescente nas sociedades contemporâneas. Cada vez mais, os cidadãos acreditam erradamente que têm um profundo conhecimento do sistema jurídico. Porque viram na televisão, porque pesquisaram na internet, porque pensam que devia ser assim... Essa autoconfiança enganosa leva a uma proliferação de ações judiciais desnecessárias e muitas vezes frívolas, aumentando a carga de trabalho nos tribunais.

A confusão entre conceitos jurídicos fundamentais, como a legalidade e a legitimidade, evidencia a necessidade urgente de uma educação jurídica adequada. Muitos indivíduos constroem suas próprias noções distorcidas de justiça, agindo de acordo com suas interpretações pessoais, o que resulta no caos e no desmoronamento do sistema jurídico. É imperativo esclarecer a diferença entre o primado do indivíduo e o egoísmo, bem como entre a liberdade e a libertinagem.

É necessário ensinar, desde a tenra idade, os cidadãos a serem cidadãos, como funciona o sistema judicial, os fundamentos do Estado de Direito democrático, as Leis e os Códigos fundamentais que regulam o Estado e, fundamental, quando se deve ou não recorrer ao sistema judicial para que se faça justiça.

Assim a solução para muitos dos desafios enfrentados pelos sistemas de justiça reside na educação jurídica e cívica.

É crucial implementar programas educativos que promovam uma compreensão mais profunda da Lei e dos seus princípios básicos. A distinção entre legal e legítimo, bem como uma compreensão adequada dos direitos e responsabilidades individuais, deve ser enfatizada desde o início.

O ensino jurídico não deve restringir-se apenas aos académicos ou profissionais do direito, mas alargar-se a toda a sociedade.

A literacia jurídica é essencial para dotar os cidadãos de capacidade para tomarem decisões informadas e participarem ativamente na construção de uma sociedade justa e equitativa.

Porque, se tal não se fizer, causa-se, o que na minha opinião, é outra causa da falência do nosso sistema judicial: Distorções na Perceção dos Direitos Individuais e Coletivos.

Uma compreensão inadequada dos direitos individuais e coletivos contribui para a erosão dos sistemas judiciais.

É fundamental salientar que cada indivíduo tem direito à sua opinião, mas não tem o direito de a impor aos outros.

A liberdade individual é valiosa, mas deve ser exercida com responsabilidade, evitando interferir na liberdade dos outros. O equilíbrio entre os direitos individuais e coletivos é essencial para o bom funcionamento da sociedade. Quando esta noção é distorcida, surgem conflitos que minam a coesão social e sobrecarregam os tribunais com litígios que poderiam ser resolvidos através do diálogo e da mediação.

Para remediar estes desafios, é crucial implementar estratégias que promovam uma abordagem mais proactiva e orientada para o futuro da administração da justiça. Além disso, a revitalização dos meios informais de resolução de litígios, combinada com uma educação jurídica abrangente, é fundamental para restaurar a confiança na capacidade das comunidades de resolverem os seus próprios conflitos.

Só através de uma compreensão mais profunda da Lei, da promoção do diálogo e do reforço do equilíbrio entre os direitos individuais e coletivos poderemos aspirar a sistemas judiciais mais eficientes e justos.

O investimento na educação jurídica e cívica é uma medida crucial para construir sociedades resilientes e coesas, onde a justiça prevaleça e os tribunais não sejam sobrecarregados com litígios que possam ser resolvidos de forma mais eficaz e harmoniosa.

Mas, fundamentalmente, é preciso restaurar a confiança dos cidadãos nos sistemas judiciais, é necessário que cada indivíduo acredite que o Estado a que pertence é capaz de manter a Lei e a Ordem, de punir quem desrespeita a ordem e de proteger quem a segue e cumpre. O sentimento de justiça, a perceção de segurança, a confiança na ordem são conceitos que não se restringem a si mesmos: tem implicações em toda a sociedade, em todo a mentalidade da Nação, em todo o estado de espírito do povo.

Só uma sociedade que acredite na justiça, que se sinta segura e confie nas instituições pode ser uma sociedade estável, logo produtiva, logo em desenvolvimento.

Não podemos mais negar o evidente: a confiança do povo em quem o governa e como o governa, logo, a confiança do povo nas instituições, é o ponto, a base fundamental e central do desenvolvimento de um país.

Por isso não vale a pena grandes teorias de desenvolvimento e planos de recuperação e resiliência enquanto não se intervir nas bases de todo o sistema, enquanto não se fundamentar o essencial, enquanto não se resolver os problemas que estão na origem de todos os outros.

Não vale a pena aniquilar os sintomas e não combater a doença.

Por isso urge o início de um programa alargado e atempado, baseado num pacto de regime, que intervenha sobre as bases do sistema judicial e que devolva, aos cidadãos, a confiança, a segurança, a estabilidade que precisam para, ai sim, se tornarem produtivos, desenvolvidos e, enfim, prósperos.


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