ISRAEL vs IRÃO - QUANDO A GUERRA CONVÉM: O CONFLITO QUE NINGUÉM QUER VER TERMINAR

20-06-2025


Vivemos tempos em que os conflitos já não se medem apenas pelos mortos, pelas cidades destruídas ou pelas lágrimas de quem fica.

Medem-se também pelos interesses que alimentam a sua continuidade, pelas vantagens que oferecem a quem, na sombra, os instiga ou permite que se arrastem.

O confronto entre Israel e o Irão é, neste sentido, um caso de estudo gritante.

Gritante porque, na sua raiz, já não se encontra apenas a velha disputa ideológica, territorial ou religiosa, mas antes um entrelaçado de interesses políticos, económicos e estratégicos que transformaram esta guerra numa engrenagem funcional para muitos.

Basta olhar para o estado em que se encontravam os dois regimes antes do conflito escalar para se perceber que há aqui algo mais do que retórica belicista.

Em Israel, Binyamin Netanyahu já não se limitava a governar em crise permanente; estava encurralado. Acossado pela justiça, manchado por processos de corrupção e com uma popularidade no limiar do colapso, o primeiro-ministro israelita precisava desesperadamente de um novo eixo para a narrativa política.

O conflito com o Irão veio como uma lufada de ar para um governo em estado de asfixia interna.

Do outro lado, em Teerão, o cenário não era menos dramático.

O regime teocrático dos aiatolas, com Khamenei no topo da pirâmide envelhecida, enfrentava há anos uma crescente onda de contestação popular.

Jovens nas ruas, mulheres sem medo, intelectuais revoltados e uma diáspora cada vez mais vocal mostravam que a teocracia xiita estava a perder o seu controlo histórico.

O sistema estava obsoleto, gasto, sem soluções para os desafios económicos, sociais e culturais que o país enfrenta.

É neste contexto que o conflito se revela tão funcional para ambos.

Quando se coloca em cima da mesa a ameaça à integridade ou à soberania nacional, as vozes críticas calam-se — não por convicção, mas por sobrevivência.

O medo une! O patriotismo, mesmo forçado, agrupa!

Os opositores tornam-se traidores aos olhos de uma população levada a acreditar que está à beira do aniquilamento.

E, durante algum tempo, esta cortina de fumo é suficiente para que os regimes respirem.

Mas não são só os regimes de Telavive e de Teerão que tiram proveito desta escalada bélica.

Os vizinhos do Golfo, como a Arábia Saudita, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos, assistem com uma inquietante serenidade ao desenrolar dos acontecimentos. Não apenas porque o preço do petróleo, que andava em queda livre, voltou a subir em flecha, mas também porque vêem o seu velho inimigo xiita — o Irão — com menos tempo e recursos para interferir nas suas próprias fronteiras.

É, aliás, uma regra antiga da geopolítica regional: enquanto o Irão estiver ocupado com Israel, não estará a fomentar instabilidade no Bahrein, no Iémen, ou a financiar milícias no Líbano e na Síria com o mesmo vigor.

A tensão prolongada serve, assim, de escudo e de lucro para os vizinhos sunitas.

Os grandes atores globais, claro está, também têm muito a ganhar com esta perpetuação do conflito.

Os Estados Unidos, por exemplo, encontram nesta guerra uma oportunidade de ouro para justificar a venda de milhares de milhões de dólares em armamento a Israel — armamento esse que precisa de ser renovado constantemente num cenário de guerra prolongada.

Além disso, a distração externa funciona como um eficaz redutor das pressões internas: inflação, imigração, crise habitacional — tudo passa para segundo plano quando o mundo está, mais uma vez, à beira de uma guerra generalizada.

Não esqueçamos que os EUA são hoje um dos maiores produtores de petróleo do mundo. A instabilidade no Médio Oriente, longe de ser um problema, é uma alavanca para a sua própria economia energética.

E, com o pânico como pano de fundo, as empresas do complexo militar-industrial norte-americano florescem como nunca.

Por outro lado, a instabilidade militar na região obriga os aliados locais dos EUA a manterem os contratos de defesa em alta. A narrativa do medo precisa de ser alimentada, e o mercado de armas precisa de compradores com medo. É uma simbiose sinistra, mas eficaz.

A Rússia, curiosamente, também tem razões para cruzar os braços.

O prolongamento do conflito israelo-iraniano tira espaço mediático e político à guerra na Ucrânia.

De repente, o que se passa no Donbass deixa de abrir noticiários e de marcar agendas diplomáticas. Vladimir Putin pode operar com mais liberdade, com menos escrutínio, com menos pressão.

Para Moscovo, esta guerra até pode representar uma oportunidade de reconfiguração estratégica. Se perde um fornecedor como o Irão — envolvido e fragilizado — tem sempre a China como reserva. Já a Ucrânia, por sua vez, vê os EUA cada vez mais pressionados a dividir os seus recursos militares e diplomáticos. E se tiverem de escolher, a prioridade recairá sobre Israel — um aliado incontornável, com peso eleitoral interno.

Estamos, pois, perante uma guerra que, por mais paradoxal que pareça, convém a demasiados. Não porque traga vitórias rápidas ou ganhos territoriais óbvios, mas porque neutraliza oposições, desvia atenções, alimenta mercados e serve agendas.

A paz, neste contexto, seria altamente inconveniente.

Seria o regresso às perguntas difíceis: como resolver os problemas estruturais do Irão? Como enfrentar a crise institucional em Israel? Como baixar os preços do petróleo sem que as economias do Golfo entrem em convulsão? Como manter o fluxo de venda de armas num mundo menos ameaçado?

Por tudo isto, não será exagero dizer que estamos perante um conflito com data indefinida de validade. Um conflito que, como um incêndio controlado, serve para limpar o terreno, mas que ninguém verdadeiramente quer apagar.

O que mais impressiona nesta realidade não é a frieza dos cálculos geopolíticos, mas a resignação com que tantos a aceitam. Como se a guerra fosse uma fatalidade inevitável, um elemento permanente da paisagem política do Médio Oriente.

E, no entanto, cada dia de conflito acrescenta um novo cadáver à contabilidade. Cada míssil disparado representa não apenas uma vida em risco, mas uma escolha deliberada feita por alguém que vê nessa morte um benefício.

A verdadeira tragédia é que o conflito já não é uma aberração, mas uma ferramenta.

Já não é uma consequência de falhanços políticos, mas um instrumento de poder.

E, enquanto assim for, não haverá negociações, cessar-fogos ou resoluções capazes de lhe pôr fim.

A única saída possível passaria por um sobressalto de lucidez colectiva.

Mas num mundo em que o lucro imediato se sobrepõe à justiça, e em que os interesses se escrevem com letras mais pesadas do que os valores, essa lucidez parece cada vez mais distante.

Não há inocentes nesta equação. Apenas diferentes graus de cinismo. O mesmo cinismo que permite a certos líderes dormir descansados enquanto os seus exércitos bombardeiam civis ou enquanto o sangue corre num país que não é o seu.

E é por isso que este conflito — tal como está — não tem fim à vista.

Porque não é a paz que está em jogo.

É o poder. É o controlo. É a conveniência.

Se quisermos verdadeiramente questionar a legitimidade desta guerra, teremos de olhar para lá das bombas e dos discursos inflamados.

Teremos de enfrentar a verdade desconfortável de que, para muitos, a guerra não é um mal necessário. É um bem calculado.

E até que essa verdade se torne insustentável, tudo continuará na mesma.

Porque, no fundo, a guerra entre Israel e o Irão não interessa terminar. Interessa manter.

Para que os problemas de dentro se escondam com os inimigos de fora.

E assim continuará.

Até que um dia — se esse dia vier — os povos de ambos os lados deixem de ser massa de manobra e recusem ser peças num jogo que não controlam.

Até lá, a guerra continuará.

Porque a paz, simplesmente, não convém.

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