ISRAEL E PALESTINA: A GUERRA QUE JÁ NÃO TEM MÁSCARAS

Desde que me lembro, há sempre notícias de um conflito em Israel e na Palestina.
Para muitos, parece apenas uma guerra sem fim que rebenta de tempos a tempos, mas a verdade é que, se olharmos para a história de forma abrangente, percebemos que este choque tem raízes que recuam quase 3.000 anos.
Muito antes de falarmos de islão, já havia confrontos entre tribos judaicas e árabes.
O que vivemos hoje não é, portanto, uma novidade em si, mas sim uma reedição de velhos ódios com roupagens modernas.
A questão que se coloca é: o que é que torna o conflito atual diferente dos anteriores?
Não é apenas mais um capítulo num livro interminável.
Há elementos novos que o transformam num caso paradigmático da hipocrisia internacional e da degradação moral da política mundial.
Em primeiro lugar, há um elemento profundamente pessoal que não pode ser ignorado: Benjamin Netanyahu. O atual Primeiro-Ministro de Israel transformou este conflito num instrumento de sobrevivência política. Literalmente. Ele depende desta guerra para se manter no poder, evitar julgamentos e escapar a acusações de corrupção ativa.
Um líder político não pode, não deve e não tem legitimidade para submeter milhões de vidas à sua conveniência pessoal. Mas em Israel, é exatamente isso que acontece. Netanyahu usa a guerra como escudo, e a sociedade israelita, dividida internamente, acaba por alinhar porque teme mais o inimigo externo do que a corrupção dentro de portas.
Em segundo lugar, é impossível não assumir a intencionalidade declarada do Estado de Israel em relação à Palestina.
Não se trata apenas de defesa, como tantas vezes é proclamado em discursos oficiais. Trata-se, sim, de um objetivo claro de aniquilar o povo palestiniano, de tomar posse integral e total da Faixa de Gaza e de eliminar qualquer identidade árabe naquela região.
Repare-se que não me refiro a identidade islâmica. É mais profundo: a questão é identitária, cultural e étnica. O alvo é o povo palestiniano enquanto povo, não apenas uma religião.
Isso é genocídio. Não há outra palavra.
Em terceiro lugar, há a posição do mundo dito civilizado.
E aqui a vergonha é total!
O Ocidente condena a invasão da Ucrânia pela Rússia em nome do direito internacional, mas ignora a destruição da Palestina por Israel.
Dois pesos e duas medidas!
Uma incoerência que mina por completo qualquer discurso de direitos humanos.
Esta duplicidade é tão gritante que já não há como disfarçar.
A União Europeia prefere calar-se, os Estados Unidos apoiam abertamente Israel, os países árabes dividem-se entre a retórica e a conveniência e, no fim, o povo palestiniano é deixado a morrer, à fome e ao exílio.
O conflito atual é, assim, diferente pela brutalidade com que é executado. Não há disfarces, não há eufemismos. As bombas caem em hospitais, escolas e campos de refugiados. As imagens chegam em direto às televisões de todo o mundo e a reação é um encolher de ombros.
O Hamas, o Hezbollah e outros grupos armados também não são inocentes. Alimentam o ódio, lançam foguetes sobre civis, exploram o sofrimento do seu próprio povo.
Mas a diferença está na desproporção absoluta entre o poder de um Estado altamente militarizado e uma população cercada e empobrecida.
O que Israel está a fazer não é apenas uma guerra. É um processo sistemático de destruição. E o silêncio internacional transforma cada governo cúmplice num aliado objetivo dessa destruição.
Há quem diga que este conflito é insolúvel.
Talvez seja...
Mas o que o torna intolerável é a normalização da barbárie. O facto de já termos chegado a um ponto em que milhares de mortos se tornam estatísticas e não rostos humanos.
A normalização da violência é, em si, uma forma de violência.
Quando a comunidade internacional já não reage, está a legitimar a ideia de que alguns povos têm menos valor do que outros. E esse precedente é, talvez, o mais perigoso de todos.
Porque se aceitarmos que a guerra pode estar acima do direito internacional, acima dos direitos humanos, acima do mais elementar bom senso, então abrimos a porta para que qualquer potência faça o mesmo.
É disso que se trata: de um precedente.
Se Israel pode agir assim sem consequências, o que impede outros Estados de fazer o mesmo?
O mundo torna-se um lugar ainda mais inseguro, mais injusto e mais propício ao abuso do poder.
A pergunta que fica é: como chegámos aqui?
E a resposta é simples: chegámos aqui porque o interesse dos mais poderosos sobrepõe-se a tudo o resto.
A vida humana tornou-se moeda de troca em negociações geopolíticas.
O povo palestiniano paga o preço mais alto. Vive numa prisão a céu aberto, sem direitos, sem Estado, sem futuro. E mesmo assim é acusado de ser o agressor. É um absurdo que só é possível porque as grandes potências escolhem não ver.
Israel, por sua vez, perdeu a sua própria alma.
Um povo que nasceu do sofrimento, da perseguição e do extermínio devia ser o primeiro a rejeitar a barbárie. Mas tornou-se, paradoxalmente, no opressor que um dia odiou.
O discurso da segurança nacional já não convence ninguém. O que está em causa é a posse da terra, o domínio absoluto e a eliminação de quem é considerado indesejado.
E aqui entra também a responsabilidade moral da diáspora judaica. Muitos judeus, espalhados pelo mundo, erguem a voz contra estas políticas. Mas a sua voz é abafada pelos lobbies políticos e económicos que sustentam Netanyahu.
Por outro lado, os países árabes preferem negociar petróleo, armamento e influência em vez de defender verdadeiramente a causa palestiniana. Falam muito, mas fazem pouco.
O Hamas também não ajuda. Instrumentaliza a dor do povo palestiniano, transforma crianças em escudos humanos e perpetua o ciclo de violência. Mas ainda assim, não pode ser posto no mesmo plano que um Estado com carros de combate, aviões e arsenais nucleares.
A desproporção é tão evidente que até cega.
Mas talvez seja isso que convém: um conflito aparentemente insolúvel, útil para justificar orçamentos militares e alianças estratégicas.
Enquanto isso, gerações inteiras crescem sem saber o que é paz. Crianças palestinianas só conhecem o som das bombas, crianças israelitas crescem com o medo de ataques. Ambos os povos são vítimas, mas de formas diferentes.
A paz parece um sonho distante, quase utópico.
Mas não será impossível se houver coragem política.
O problema é que essa coragem não existe. E sem coragem, só sobra o cinismo.
O cinismo é hoje a linguagem dominante neste conflito. E talvez seja isso que o torna tão diferente dos anteriores: já não há máscaras, já não há tentativas sérias de diálogo. Há apenas a frieza dos interesses.
E no fim, quem perde é sempre o mais fraco. O povo sem Estado, sem exército, sem voz. O povo que só aparece nas notícias quando há um massacre, e que depois desaparece até à próxima explosão.
O silêncio dos intelectuais, das universidades, dos líderes religiosos também é ensurdecedor. É como se todos tivessem medo de dizer a palavra certa: genocídio.
Genocídio não é apenas matar. É também destruir a cultura, a identidade, a memória de um povo. E isso está a acontecer diante dos nossos olhos.
O que mais me choca é a indiferença. A indiferença mata mais do que as bombas, porque dá legitimidade ao agressor. E neste momento, a indiferença é global.
Este conflito é um espelho.
Mostra-nos quem somos enquanto humanidade. Mostra que os direitos humanos são frágeis e que o direito internacional é uma ficção quando colide com interesses económicos e estratégicos.
O perigo é que, ao aceitarmos isto, normalizamos a ideia de que a justiça é seletiva. E quando a justiça é seletiva, deixa de ser justiça.
Talvez a solução não esteja à vista. Talvez leve décadas ou séculos. Mas o mínimo que se exige é a verdade. E a verdade é que este não é um conflito entre iguais. É uma guerra de ocupação, de dominação e de aniquilação.
Assumir essa verdade já seria um primeiro passo.
Mas para já, a verdade continua a ser silenciada por conveniência.
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