HÁ UMA AMEAÇA NUCLEAR REAL DA RÚSSIA?

26-09-2022

"Vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança"

Hannah Arendt


Sem rodeios: há!

Há o perigo real e muito provável da Rússia utilizar armas nucleares táticas no conflito ucraniano.

Mas primeiro convém definir o que são armas nucleares táticas: são engenhos explosivos nucleares com "baixa" capacidade, isto é, entre 0,5 e 5 kilotoneladas. Foram concebidas para destruir "pequenos alvos" como unidades militares, vilas e pequenas cidades, instalações e recursos de valor estratégico. Tem um efeito restrito, localizado, mas arrasador, destruindo e incinerando absolutamente tudo na área de expansão da onda física. Para além disso contamina a área de impacto por dezenas de anos e espalha uma "nuvem radioativa" por centenas de quilómetros causando, a milhares ou milhões de pessoas, os efeitos adversos da exposição à radiação. Só para ter comparação a bomba nuclear detonada sob Hiroxima em Agosto de 1945 era de 16 kilotoneladas (destruí a área de 11 km2 e matou, de imediato, 80.000 pessoas causando mais de 70.000 feridos e um número indeterminado de vítimas por radiação). Uma bomba nuclear estratégica atual, capaz de destruir continentes inteiros, pode ir até 57 megatoneladas, isto é, 3.500 vezes mais potentes que as bombas de 1945.

Durante os anos 50 e 60, no auge da guerra fria, a então União Soviética, apostou muito no desenvolvimento de armas nucleares táticas, sendo as mais "famosas" as "Black boxes", bombas nucleares de 0,5 kilotoneladas capazes de uma destruição total de um raio de 3.000 metros, mas capaz de ser oculta numa simples pasta de executivo. O plano era desencadear ataques em território norte americano, nomeadamente em Capitol Hill, em Washington DC e em Manhattan, Nova Iorque, entre outros alvos estratégicos e/ou simbólicos.

Por isso a Rússia tem essas armas, não há dúvida, nem é teoria da conspiração.

Foi provado, foi mostrado e algumas delas nem se imagina onde estejam (chegou-se a temer que a Al Qaeda tivesse comprado alguma delas).

Com isto explicado, passo a expor as razões que me levam, a mim, um otimista nato, a afirmar que acho possível e até provável que a Federação Russa utilize armas nucleares táticas na guerra com a Ucrânia.

O primeiro ponto a analisar é que a Rússia pode ter de usar essas armas. Porquê? Porque a derrota não é uma opção para o regime de Vladimir Putin. Não é uma opção porque é uma questão de verdadeira sobrevivência. Se o regime de Moscovo perder este conflito será deposto pelas forças internas que sustentam o poder no Kremlin. Não haja ilusões: Vladimir Putin só se manterá no poder enquanto for útil aos oligarcas e "altos funcionários" que sustentam o seu poder. No momento que não for útil, lucrativo, rentável, será deposto e substituído por quem o faça. Será um golpe palaciano, calmo, sereno, rápido, sem misericórdia, como só os russos o sabem fazer. Porque mesmo Vladimir Putin depende dos 3 pilares em que se sustenta qualquer poder: militar, económico e político. E basta que os "main players" destes pilares fiquem descontentes (em especial os do Deep State) para nenhum tipo de poder ou nenhum ditador, por muito poderoso que seja, se consiga manter.

Por isso Putin fará tudo, mas tudo mesmo, para se manter no poder e, em última circunstância, para se manter vivo.

Outro fator: Embora os políticos do ocidente bradem e clamem que, um ataque nuclear, não é possível, não é admissível, que é intolerável que, se tal acontecer, a Rússia irá "pagar caro", de facto, o que podem fazer...?

O recurso a sanções está praticamente esgotado, o isolamento internacional possível definido, as consequências políticas extremadas.

Depois disto o que há?

Somente a solução militar.

E o que vai a NATO fazer nesse domínio: invadir a Rússia? Retaliar com outro ataque nuclear? Começar, em concreto, a terceira guerra mundial assumindo a ruína completa das economias, dos mercados, da nossa sociedade como a entendemos? Arriscar uma escalada nuclear que pode ditar, literalmente, o fim do mundo?

Porque, de facto, são estas as opções da NATO perante um ataque nuclear tático russo à Ucrânia e duvido muito que alguém tenha coragem de desencadear qualquer uma delas.

Mas, reparem, nada disto é novidade. É precisamente este o efeito desejado das armas nucleares: o poder de dissuasão. Ninguém ataca uma potência nuclear porque a escalada do conflito conduziria ao aniquilamento mútuo. Por isso a guerra fria nunca "aqueceu", por isso nunca houve uma terceira guerra mundial, mesmo durante a crise dos misseis de Cuba nos anos 60.

Desta forma é mesmo possível um ataque com armas nucleares táticas na Ucrânia. Para além de possível é muito provável porque será eficaz, poderá mesmo ser a única hipótese de Putin encerrar este conflito, manter o poder e, em suma, ficar, na prática, impune.

Perderá, completamente, a hipótese de voltar aos "grandes palcos" da política internacional, mas o ocidente extremou tanto a sua posição, que duvido muito que Putin ainda acredito que esse regresso, seja de que forma for, seja possível.

É por esta razão que não entendo a postura diplomática dos países da NATO, em especial dos Estados Unidos, em relação a este conflito.

Nunca se deixa um inimigo sem "escapatória" sob pena de ele se sentir tão sem opções que todas as opções passam a ser válidas.

Em diplomacia, mesmo a durante conflitos, a solução está sempre em encontrar uma forma de ninguém ter de assumir, em pleno, a derrota.

A amadora e atabalhoada diplomacia Norte-Americana (sempre igual a ela própria desde George Washington) tornou isso praticamente impossível.

Vladimir Putin tem tudo a perder, nada a ganhar por isso está capaz e disposto a tudo.

Por muito que "doa" a verdadeira política é a "arte do possível" e, neste momento, urge encontrar uma solução possível embora esta possa ser (e é sempre) diferente da solução desejada.

Porque não assumir esta diferença e continuar a insistir em utopias idílicas poderá custar a vida a milhões de pessoas.