Futuro da Ucrânia: Paz ou vitória?

31-10-2023


O conflito ucraniano irá para o seu 21º mês, embora já quase ninguém fale dele devido à crise israelo-palestiniana.

...parece que as guerras e os conflitos também sofrem de desgaste mediático...

Mas, com isto, vamos entrar, de novo, num inverno longo que irá agravar toda esta situação.

Em primeiro lugar para as vítimas diretas, o povo ucraniano, que permanece no país.

Será mais um ano com frio, sem habitação, sem aquecimento, sem alimentos, sem água, sem roupa, sem cuidados de saúde, sem escolas...

Com tudo destruído e a economia completamente inoperante, cada vez é mais difícil sobreviver a invernos tão impiedosos e rigorosos como o das estepes ucranianas.

E, para agravar a situação, quem ficou para trás, quem ainda permanece na zona de conflito, são os mais idosos, os mais pobres, os mais desfavorecidos.

Em suma: aqueles que não tiveram ou a capacidade ou a possibilidade de fugir da guerra.

É esta população fragilizada que irá enfrentar este inverno.

Em segundo lugar as vítimas "secundárias".

Aquelas que, não sendo diretamente afetadas pelo conflito, o são pelas suas consequências.

E essas estão por todo o mundo.

Em suma: somos todos nós!

São famílias inteiras que enfrentar graves problemas devido ao aumento do preço de bens essenciais, das taxas de juro, dos combustíveis, de inflações galopantes.

A Europa e a sua frágil economia, já debilitada pela pandemia e por décadas de crescimento insustentado, não estruturado e inconsistente, transforma a sua classe média em desfavorecidos, cavando um fosso cada vez maior entre classes.

Uma Europa que agora começa a conhecer os "Wealthy poors", realidade há muito conhecida na América do Norte, que retrata quadros médios e superiores, com formação ao nível do Mestrado e Doutoramento, que auferem bons salários, mas que enfrentam um custo de vida tão elevado que são, de facto, pobres, chegando ao nível de ter de optar entre comer e ter uma casa.

São diretores de departamentos, chefias, que dormem no carro e recorrem à assistência social para viver.

Mas, com esforço, muito, vão sobrevivendo, comprando caríssimo o pouco que conseguem.

E é esta capacidade de comprar a "peso de ouro" das magras migalhas que lhes iludem a fome, que tira, a outros, essas mesmas migalhas que há muito os sustentavam.

São os povos desfavorecidos, em especial de África, da Ásia e da América Latina, que o pouco que tinham é-lhes agora inacessível, porque não podem competir com os preços de num mercado altamente (e, em muitos casos, artificialmente) inflacionado.

É o efeito dominó de uma economia global que foi mantida artificialmente próspera por políticas imediatistas e inconsequentes durante décadas.

A "última peça" a cair e a ser esmagada por todas as outras é sempre a mais fraca.

E porque tudo isto?

Porque os políticos, em especiais os Europeus e os Norte Americanos, não sabem distinguir entre paz e vitória.

Vitória implica que uma das partes do conflito capitule, que assuma a derrota, que retire e se submeta ao vencedor.

Mas só existem vitórias na "guerra" clássica.

E, como bem diz Sean MacFate no seu incrível livro "A nova arte da guerra" (que recomendo fortemente), já não se pratica a guerra clássica.

Os conflitos, atualmente, afirma este especialista, travam-se mais com desinformação e manipulação do que com armas.

A Rússia pode não vencer, mas também muito dificilmente alguma vez perderá. Mesmo sozinha é capaz de aguentar anos este conflito "morno", desgastante e continuado.

São as "vantagens" dos regimes déspotas e totalitários: não dependem da satisfação e do escrutínio popular.

Fazem o que querem sem temer as consequências.

E Putin já mostrou que está longe de se preocupar com quem quer que seja.

Mas a Rússia nem está sozinha.

Tem o apoio da China (outro regime déspota) que jamais permitirá que a Rússia perca o conflito ou, dito de melhor forma, nunca permitirá que os Estados Unidos e a OTAN/NATO vençam esta guerra.

É absolutamente inaceitável para Pequim uma vitória ocidental, seja por questões políticas e do ascendente diplomático que isso daria ao Ocidente, seja pelo ponto de vista de controlo de mercados e rotas comerciais.

E se a Rússia não perderá, a Ucrânia, como se tem visto, também não vencerá.

A tão proclamada "contraofensiva" foi um fiasco tanto em termos políticos como militares, as tropas ucranianas, amadoras e mal comandadas, nem com a mais recente tecnologia militar ocidental conseguem nada de realmente significativo na frente de combate.

Prova disso foi o ataque ao mercado da cidade Ucraniana de Kostiantynivka, que provocou 17 mortos e dezenas de feridos e que, não obstante as acusações ucranianas, segundo investigações independentes (dos jornais New York Times e The Guardin) foi disparado por forças ucranianas que, por negligencia, falharam o alvo provocando esta mortandade.

Como em tudo, mesmo a melhor e mais precisa tecnologia do mundo, mal-usada e orientada, causa a destruição própria...

O governo e o comando militar ucraniano, como provam as sucessivas "purgas" de Zelensky, continua (como sempre esteve) altamente fragilizado pela corrupção e pela traição.

Um exército de civis amadores, não obstante a muita coragem, patriotismo e imensa valentia que todos, unanime e valorosamente lhe reconhecemos, mas malformados, mal treinados e comandados não são um bom pronuncio para uma vitória...

Para além disso a capacidade do SVR ("antigo" KGB) e do GRU de, nas sombras, subvertem sistemas políticos inteiros é antigo e continua a ser muito eficaz.

Não ia deixar de o ser agora.

Desta forma, se se continuar a insistir na esperança vã de uma vitória ucraniana e numa capitulação russa, por certo teremos conflito para anos e isso com todas as consequências que isso acarreta.

Por isso e por muitas outras razões, não se devia promover uma vitória fornecendo cada vez mais material bélico à Ucrânia e a incentivar o conflito em discursos e intervenções.

O que a Ucrânia e o seu povo precisam não é de uma vitória, mas de paz.

A Ucrânia e todos nós, que estamos a suportar com as nossas carteiras os sonhos delirados de políticos que mais parecem adolescentes que não querem abdicar do seu orgulho mesquinho e admitir o seu erro.

E para que se atinja a paz é preciso negociar, é preciso tratar o opositor com dignidade, é preciso estar preparado para ceder alguma coisa.

Já ouvi um comentador bem nutrido afirmar, peremptoriamente, que é inaceitável fazer qualquer tipo de cedências a Putin sob a pena de sancionarmos o totalitarismo e encorajarmos atos idênticos por parte de outras forças e outros regimes totalitários (com a questão de Twain, obviamente, sempre muito, mas mesmo muito, presente).

Até concordo em teoria, mas, de facto, o que é verdadeiramente inaceitável é a fome, a morte, o sofrimento, a perda de gerações inteiras num conflito que se sabe inconsequente, inútil e interminável.

Infelizmente deixamo-nos chegar a um ponto em que temos de admitir que todos já perdemos.

Resta agora tentar que essa derrota concretizada seja o menos onerosa possível.

O bem-estar, a vida e a estabilidade dos povos e das nações deve ser o principal objetivo de todas as políticas.

E não é isso que está a acontecer.

Porque não podemos esquecer a origem desta guerra e também não vamos hipocritamente esconder que os Estados Unidos e a União Europeia tiveram inúmeras hipóteses de evitar este conflito.

Não o fizeram!

Relembremos que o princípio basilar de toda a geopolítica: a guerra é o falhanço da diplomacia.

Putin fez o que, embora muito errado e criminoso, era previsível e foi igual e coerente a si próprio.

Disso ninguém o pode "acusar"!

Há todas as razões ideológicas, políticas, morais, éticas e filosóficas para sustentar, apoiar e desejar uma vitória ucraniana no conflito.

EU quero que a Ucrânia VENÇA!

E depois há a realidade...

Tem, então, de se tomar uma decisão: apostaremos na continuidade de um conflito que nunca iremos vencer ou na paz que é imperativo que alcancemos?

Seremos um novo Rei Pirro, que, no final da Batalha de Ásculo, em 279 a.C., que, embora tenha vencido, sofreu baixas tão devastadoras que teve de afirmar "mais uma vitória destas e estamos perdidos", ou seremos maduros, conscientes e realistas o suficiente para assumir que, atualmente, as guerras não se perdem, mas também não se ganham e que a prioridade é sempre a paz?

Podemos dizer que a decisão está na mão dos políticos.

Mas não: está na nossa!!!!

Porquê?

Porque nós temos os políticos que permitimos, que elegemos e que merecemos.

É hora de exigir não melhores políticas, mas melhores políticos e, aí, cada um, com seu voto, é o último decisor em toda esta questão.

Exijamos os políticos que precisamos, elejamos os políticos que merecemos.

Pela paz que, para todos, será a vitória.