FÉRIAS: PENSAR, REPENSAR, DEFINIR

Chegou agosto. E, com ele, uma sensação estranha e ao mesmo tempo necessária: a paragem.
Uma espécie de travão doce que nos relembra que não somos máquinas, que o tempo é feito de ritmos e que, até na vida pública e política, há alturas em que parar é, paradoxalmente, a única forma de avançar.
Na Realpolitik, também nós sentimos essa necessidade.
Não de uma interrupção total, claro — o mundo não pára e a política, como a vida, tem horror ao vazio — mas de uma pausa dos nossos artigos de fundo, aqueles que às sextas-feiras procuram ir além da espuma dos dias e mergulhar nas raízes mais profundas da realidade.
Continuaremos com os nossos apontamentos diários, mas sem a intensidade dos mergulhos de fundo.
Porque até os mergulhadores sabem que não se pode estar sempre debaixo de água.
E há algo de profundamente humano neste "abrandar".
As pausas, quando bem aproveitadas, tornam-se oportunidades raras de escuta, reflexão, alinhamento.
Longe do barulho, da pressa, da ansiedade das rotinas, somos convidados — quase empurrados — a olhar para dentro, a fazer perguntas mais básicas, mais exigentes, mais essenciais.
Este ano político não foi meigo.
Foi, antes, um redemoinho de acontecimentos, crises, reviravoltas e tensões.
E não apenas cá dentro — o mundo inteiro parece estar a ferver.
Donald Trump foi reeleito e regressou mais afirmativo, mais senhor de si, mas também — como era previsível — igual a si próprio, com o mesmo estilo divisivo, com a mesma lógica de choque e confrontação.
Na Ucrânia, o conflito permanece aberto, sangrento e sem resolução à vista.
A Faixa de Gaza continua a ser palco de sofrimento extremo, com uma violência que já não espanta, apenas esgota.
E o Médio Oriente, no seu todo, continua instável: Irão, Iémen, Síria... nomes que há anos ressoam como sinónimos de tensão crónica.
A Europa, por sua vez, vive numa bolha.
Uma bolha de causas, de valores autocelebrados, de discursos internos que pouco ou nada dialogam com o que se passa para lá das suas fronteiras.
Não é insensibilidade.
É uma espécie de autismo civilizacional: está tão entretida a defender os seus princípios que esquece que o mundo à volta não joga com as mesmas regras — e, em muitos casos, não joga sequer o mesmo jogo.
Portugal também não escapou à turbulência.
Temos um novo governo, sim, mas ainda a gatinhar. Ainda a procurar o seu espaço, o seu tom, o seu equilíbrio.
A oposição, por sua vez, parece desorientada, como se ainda estivesse em luto pelo que perdeu e sem grande apetite para aquilo que poderia ganhar.
E no horizonte, aproximam-se duas grandes provas: as eleições autárquicas, que poderão reconfigurar equilíbrios locais e nacionais, e, depois, as Presidenciais — com um novo protagonista em Belém com um estilo muito (senão radicalmente) diferente de se relacionar com as instituições do que Marcelo Rebelo de Sousa.
Nada disto é leve. Nada disto se resolve com slogans ou discursos bonitos.
Por isso, agosto é mais do que um intervalo.
É um momento decisivo.
Porque só paramos verdadeiramente quando o fazemos com consciência — com propósito.
E o propósito, neste caso, é este: pensar quem somos, de onde vimos e para onde queremos ir.
É curioso que tantas vezes se repita esta frase — "quem somos, de onde vimos, para onde vamos" — e tão poucas vezes a levemos a sério.
Soa bem, é bonita, mas exige trabalho.
Exige tempo, silêncio, escuta.
E exige, acima de tudo, humildade: a de reconhecer que talvez não saibamos tão bem como pensamos.
Em política, como na vida, é fácil perdermo-nos no acessório. Nas polémicas do momento, nos números do dia, nas redes sociais.
Mas há questões que pedem mais do que likes ou comentários: pedem visão, identidade, projeto. Pedem um esforço coletivo de introspeção.
E agosto pode — deve — ser o tempo certo para esse esforço.
Porque um país que não sabe o que quer torna-se um território à deriva.
E os ventos da história, como sabemos, são impiedosos com quem não segura o leme.
Portugal, país de navegadores, sabe isso como poucos.
Mas já não basta repetir os feitos de outrora: é preciso projetar o futuro com a mesma ousadia, com a mesma coragem — e com mais clareza.
Esta pausa pode ser o momento ideal para reencontrarmos essa clareza.
Para voltarmos a perguntar: o que é verdadeiramente importante? O que é negociável e o que não é? O que estamos dispostos a perder para manter aquilo que mais nos define?
Vivemos num tempo em que a velocidade nos comanda. Tudo é urgente, tudo é imediato, tudo é para já. Mas nem tudo o que é urgente é importante. E, muitas vezes, o que é importante só se revela quando temos a coragem de parar.
Parar não é desistir. É preparar. É limpar a lente, é ajustar o foco, é respirar antes do mergulho seguinte.
É isso que queremos fazer este mês: respirar fundo, observar, recolher.
Não por desinteresse — pelo contrário — mas por respeito ao que está em jogo.
E o que está em jogo é muito. É o lugar de Portugal no mundo. É a saúde da nossa democracia. É o futuro das novas gerações. É a nossa relação com a Europa, com o Atlântico, com o Sul global. É a nossa capacidade de pensar grande sem perder o pé, de ser fiéis à nossa história sem ficarmos reféns dela.
Agosto é tempo de calor, de praia, de descanso — mas também de silêncio interior. E nesse silêncio, às vezes desconfortável, descobrem-se verdades que andavam perdidas. Redefinem-se prioridades.
Escutam-se vozes que o ruído do ano abafou.
A nossa proposta é essa: usemos agosto como tempo de escuta.
Escuta de nós mesmos, dos outros, do país.
Porque quando setembro chegar, o ritmo acelerará de novo — e o que não tivermos pensado agora será arrastado pelo turbilhão dos dias.
Vamos aproveitar o verão, sim.
Mas não apenas para descansar — também para nos preparar.
Porque os desafios que aí vêm exigem mais do que energia física: exigem clareza, firmeza, lucidez.
E isso só se conquista em tempos de pausa.
O mundo está em mutação acelerada.
A política tornou-se mais frágil, mais volátil, mais emotiva.
Precisamos de líderes com visão, mas também de cidadãos com discernimento. E isso não se constrói em estado permanente de urgência.
Por isso, este é o tempo certo. Tempo de nos interrogarmos: que país queremos ser? Que valores queremos defender? Que futuro queremos construir?
As respostas não são fáceis. Nem devem ser. Mas o primeiro passo é perguntar. É parar e perguntar. E isso, todos podemos fazer. Neste agosto, neste verão, nesta pausa.
Sabemos que o regresso será exigente. Que o país não está pacificado. Que o mundo está inquieto. Mas também sabemos que quem se conhece a si mesmo tem mais força para enfrentar o desconhecido.
Por isso, façamos deste mês não um vazio, mas um espaço fértil. Não uma interrupção, mas uma respiração. Não uma fuga, mas uma oportunidade.
Portugal precisa disso!
Todos nós precisamos!
E a Realpolitik também!
Bom verão.
Boas férias.
E até Setembro!
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