FÉRIAS: PENSAR, REPENSAR, DEFINIR

01-08-2025


Chegou agosto. E, com ele, uma sensação estranha e ao mesmo tempo necessária: a paragem.

Uma espécie de travão doce que nos relembra que não somos máquinas, que o tempo é feito de ritmos e que, até na vida pública e política, há alturas em que parar é, paradoxalmente, a única forma de avançar.

Na Realpolitik, também nós sentimos essa necessidade.

Não de uma interrupção total, claro — o mundo não pára e a política, como a vida, tem horror ao vazio — mas de uma pausa dos nossos artigos de fundo, aqueles que às sextas-feiras procuram ir além da espuma dos dias e mergulhar nas raízes mais profundas da realidade.

Continuaremos com os nossos apontamentos diários, mas sem a intensidade dos mergulhos de fundo.

Porque até os mergulhadores sabem que não se pode estar sempre debaixo de água.

E há algo de profundamente humano neste "abrandar".

As pausas, quando bem aproveitadas, tornam-se oportunidades raras de escuta, reflexão, alinhamento.

Longe do barulho, da pressa, da ansiedade das rotinas, somos convidados — quase empurrados — a olhar para dentro, a fazer perguntas mais básicas, mais exigentes, mais essenciais.

Este ano político não foi meigo.

Foi, antes, um redemoinho de acontecimentos, crises, reviravoltas e tensões.

E não apenas cá dentro — o mundo inteiro parece estar a ferver.

Donald Trump foi reeleito e regressou mais afirmativo, mais senhor de si, mas também — como era previsível — igual a si próprio, com o mesmo estilo divisivo, com a mesma lógica de choque e confrontação.

Na Ucrânia, o conflito permanece aberto, sangrento e sem resolução à vista.

A Faixa de Gaza continua a ser palco de sofrimento extremo, com uma violência que já não espanta, apenas esgota.

E o Médio Oriente, no seu todo, continua instável: Irão, Iémen, Síria... nomes que há anos ressoam como sinónimos de tensão crónica.

A Europa, por sua vez, vive numa bolha.

Uma bolha de causas, de valores autocelebrados, de discursos internos que pouco ou nada dialogam com o que se passa para lá das suas fronteiras.

Não é insensibilidade.

É uma espécie de autismo civilizacional: está tão entretida a defender os seus princípios que esquece que o mundo à volta não joga com as mesmas regras — e, em muitos casos, não joga sequer o mesmo jogo.

Portugal também não escapou à turbulência.

Temos um novo governo, sim, mas ainda a gatinhar. Ainda a procurar o seu espaço, o seu tom, o seu equilíbrio.

A oposição, por sua vez, parece desorientada, como se ainda estivesse em luto pelo que perdeu e sem grande apetite para aquilo que poderia ganhar.

E no horizonte, aproximam-se duas grandes provas: as eleições autárquicas, que poderão reconfigurar equilíbrios locais e nacionais, e, depois, as Presidenciais — com um novo protagonista em Belém com um estilo muito (senão radicalmente) diferente de se relacionar com as instituições do que Marcelo Rebelo de Sousa.

Nada disto é leve. Nada disto se resolve com slogans ou discursos bonitos.

Por isso, agosto é mais do que um intervalo.

É um momento decisivo.

Porque só paramos verdadeiramente quando o fazemos com consciência — com propósito.

E o propósito, neste caso, é este: pensar quem somos, de onde vimos e para onde queremos ir.

É curioso que tantas vezes se repita esta frase — "quem somos, de onde vimos, para onde vamos" — e tão poucas vezes a levemos a sério.

Soa bem, é bonita, mas exige trabalho.

Exige tempo, silêncio, escuta.

E exige, acima de tudo, humildade: a de reconhecer que talvez não saibamos tão bem como pensamos.

Em política, como na vida, é fácil perdermo-nos no acessório. Nas polémicas do momento, nos números do dia, nas redes sociais.

Mas há questões que pedem mais do que likes ou comentários: pedem visão, identidade, projeto. Pedem um esforço coletivo de introspeção.

E agosto pode — deve — ser o tempo certo para esse esforço.

Porque um país que não sabe o que quer torna-se um território à deriva.

E os ventos da história, como sabemos, são impiedosos com quem não segura o leme.

Portugal, país de navegadores, sabe isso como poucos.

Mas já não basta repetir os feitos de outrora: é preciso projetar o futuro com a mesma ousadia, com a mesma coragem — e com mais clareza.

Esta pausa pode ser o momento ideal para reencontrarmos essa clareza.

Para voltarmos a perguntar: o que é verdadeiramente importante? O que é negociável e o que não é? O que estamos dispostos a perder para manter aquilo que mais nos define?

Vivemos num tempo em que a velocidade nos comanda. Tudo é urgente, tudo é imediato, tudo é para já. Mas nem tudo o que é urgente é importante. E, muitas vezes, o que é importante só se revela quando temos a coragem de parar.

Parar não é desistir. É preparar. É limpar a lente, é ajustar o foco, é respirar antes do mergulho seguinte.

É isso que queremos fazer este mês: respirar fundo, observar, recolher.

Não por desinteresse — pelo contrário — mas por respeito ao que está em jogo.

E o que está em jogo é muito. É o lugar de Portugal no mundo. É a saúde da nossa democracia. É o futuro das novas gerações. É a nossa relação com a Europa, com o Atlântico, com o Sul global. É a nossa capacidade de pensar grande sem perder o pé, de ser fiéis à nossa história sem ficarmos reféns dela.

Agosto é tempo de calor, de praia, de descanso — mas também de silêncio interior. E nesse silêncio, às vezes desconfortável, descobrem-se verdades que andavam perdidas. Redefinem-se prioridades.

Escutam-se vozes que o ruído do ano abafou.

A nossa proposta é essa: usemos agosto como tempo de escuta.

Escuta de nós mesmos, dos outros, do país.

Porque quando setembro chegar, o ritmo acelerará de novo — e o que não tivermos pensado agora será arrastado pelo turbilhão dos dias.

Vamos aproveitar o verão, sim.

Mas não apenas para descansar — também para nos preparar.

Porque os desafios que aí vêm exigem mais do que energia física: exigem clareza, firmeza, lucidez.

E isso só se conquista em tempos de pausa.

O mundo está em mutação acelerada.

A política tornou-se mais frágil, mais volátil, mais emotiva.

Precisamos de líderes com visão, mas também de cidadãos com discernimento. E isso não se constrói em estado permanente de urgência.

Por isso, este é o tempo certo. Tempo de nos interrogarmos: que país queremos ser? Que valores queremos defender? Que futuro queremos construir?

As respostas não são fáceis. Nem devem ser. Mas o primeiro passo é perguntar. É parar e perguntar. E isso, todos podemos fazer. Neste agosto, neste verão, nesta pausa.

Sabemos que o regresso será exigente. Que o país não está pacificado. Que o mundo está inquieto. Mas também sabemos que quem se conhece a si mesmo tem mais força para enfrentar o desconhecido.

Por isso, façamos deste mês não um vazio, mas um espaço fértil. Não uma interrupção, mas uma respiração. Não uma fuga, mas uma oportunidade.

Portugal precisa disso!

Todos nós precisamos!

E a Realpolitik também!

Bom verão.

Boas férias.

E até Setembro!

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