CHINA: E A MELHOR ESPIONAGEM DO MUNDO
A China é a maior potência mundial.
Já não vale a pena negar, já não é possível negar.
Embora ainda não o seja de uma forma "efetiva", pública, nem assim se assuma (acho que nunca o assumirá), só alguém muito distraído não entende que, com o posicionamento atual (que, em rigor, não a torna a maior potência), somado aos ativos futuros garantidos por todo o planeta (especialmente em África), não há a mínima hipótese de os Estados Unidos, muito menos a Europa, fazerem frente à hegemonia do Império do Meio.
Isto sem considerar a cada vez maior queda do sistema politico e económico norte-americano (que poderá piorar muito com uma possível vitória de Donald Trump) e de uma União Europeia paralisada, enfraquecida, irritativa e seriamente comprometida por crises sucessivas e pelo insolúvel conflito ucraniano.
A conquista deste estatuto de superpotência mundial é tanto mais surpreendente pela rapidez com que foi alcançado.
De facto, até ao final dos anos 90, a China era um colosso amorfo, paralisado por um sistema totalitário e opressivo, ainda parado no tempo, quase idêntico (ou mesmo pior) ao que existia nos tempos dos "Imperadores do Céu e da Terra".
Mas, com o sistema de "um país, dois sistemas", implementado por Deng Xiaoping desde os anos 90 do século passado, a China teve um crescimento meteórico em termos económicos, tecnológicos, industriais e comerciais. Em apenas 3 décadas, a China passou de potência regional a potência global, de país isolado a país influente, de país retrógrado a país inovador.
O "milagre chinês"!
Só há aqui uma questão: em realpolitik, nós não acreditamos em milagres.
E também não acreditamos que, em apenas 30 anos, unicamente com meios e conhecimentos próprios, a China tenha conseguido o que outros países demoram décadas a alcançar.
Então, como foi possível a República Popular da China conseguir o que conseguiu e posicionar-se como se posicionou em tão pouco tempo?
Muito simples: espiando!
Mas, por muito "glamorosa" e sedutora que seja a espionagem "clássica" de agentes secretos no terreno tipo 007, literalmente a "roubar" os segredos dos opositores e inimigos, a China não o fez (só) assim.
Os poderosos, omnipresentes e omnipotentes serviços secretos chineses, o famoso Ministério de Segurança do Estado (MSE), sabiam que esse processo obteria resultados muito mais rápidos e imediatos, mas que comportava um grau elevado de risco, exposição e possibilidade de ser sabotado.
Afinal, no Ocidente estão serviços de inteligência muito eficientes e com muita experiência em termos de contraespionagem, como a Mossad, o MI6 e até a CIA, que, não sendo sempre muito eficiente, por vezes ainda consegue alguma coisa.
O MSE sabia, contudo, que o segredo obtido hoje ficaria desatualizado amanhã, tornando as missões contínuas, e, quanto mais longas são as missões, mais expostas ficam, mais arriscadas e com maior risco de serem desmanteladas, ou, pior, comprometidas e infiltradas, virando-se o "feitiço contra o feiticeiro".
Foi então que os chineses fizeram o que melhor sabem fazer: pensar estrategicamente.
Em vez de enviar regimentos de agentes secretos, enviaram grupos de jovens.
Selecionaram as mentes mais brilhantes do país (com o processo a começar na escola primária), dotaram-nos de capacidades linguísticas e científicas de base e enviaram-nos para o Ocidente para aprender, formando-os nas nossas universidades e institutos superiores.
E o Ocidente, alegre e inocentemente, ensinou a esse grupo de chineses (um grupo de milhões) toda a nossa ciência, todo o nosso conhecimento, toda a nossa experiência, toda a nossa diferenciação.
Os chineses "inundaram" as nossas universidades, as nossas empresas em estágios ou mesmo em cargos, aprendendo como se faz, analisando os pontos fortes, os pontos fracos, assimilando toda essa informação e passando-a para análise do MSE.
Não foi preciso "roubar": bastou pedir e pagar as propinas!
O Ocidente sempre teve (e continua a ter), especialmente a classe empresarial, muita dificuldade em aceitar que o verdadeiro valor, o verdadeiro poder, a verdadeira riqueza, não está, somente, no produto acabado, nos processos de produção, nas fábricas ou no marketing.
Esse poder, essa riqueza, esse valor estão no conhecimento, no know-how, na informação.
E foi precisamente isso que não foi valorizado, não foi salvaguardado, não foi protegido.
Encantadas com os milhões que vinham da China, universidades como Oxford, Cambridge, Harvard, Boston (com o MIT), Yale, Princeton, onde reside a vanguarda da invenção, da inovação e da diferenciação do Ocidente — e, nisso, o ascendente comercial, tecnológico e militar que garantiu a supremacia ocidental por décadas — abriram as suas portas de par em par, formando milhões de chineses no que de mais precioso temos: o conhecimento.
Depois... depois foi fácil.
Bastou estes jovens regressarem à China, não só com os "segredos" do Ocidente (alguns, de facto, "roubados" pela Humint do MSE), mas com a capacidade de os melhorar, de os aperfeiçoar, de os dotar de uma dinâmica de escala e de sustentação impossível no Ocidente.
Porque a China, devido à sua dimensão, ao seu acesso a matérias-primas fundamentais, mas também devido à sua mão-de-obra quase ilimitada e por não ter de cumprir regras e leis laborais, nem de lidar com oposições políticas ou escrutínio popular como nos países de direito democrático, tem uma capacidade de implementação quase inultrapassável.
Desta forma, a maior operação de espionagem da história, que transformou uma potência regional na maior potência global e lhe garantiu a manutenção desse estatuto por muitas décadas devido ao investimento em futuros, foi conseguida... sem se fazer espionagem.
Porque agora é muito simples: com as competências necessárias, basta fazer engenharia inversa, basta esperar que o Ocidente e as suas empresas invistam em investigação, pesquisa e desenvolvimento e, depois, pegar nos resultados de todo esse investimento, melhorar e colocar no mercado, melhor e a mais baixo preço.
Quase só lucro!
Claro que muitas empresas também "caíram" em duas "ciladas" que de tão óbvias chegam a ser anedóticas: uma foi colocar as suas unidades de produção em território chinês, atraídas pelos enormes benefícios oferecidos pelo governo de Pequim, pelo baixo preço da mão-de-obra e pela quase inexistência de direitos laborais.
Óbvio que esse "jogo" do governo chinês de atração de investimento estrangeiro só tem uma razão de ser: a transferência tecnológica, o ensinar aos chineses como fazer e o que fazer.
Outra das "ciladas" foi a crescente dependência das empresas ocidentais de componentes fabricados na China, ao ponto de, se a produção na China parar em determinadas áreas ou as rotas logísticas forem afetadas por um dia que seja, muitas empresas, indústrias e áreas de atividade na Europa e nos Estados Unidos ficarem, pura e simplesmente, paralisadas.
A tudo isto acresce o facto de alguns países terem vendido a empresas chinesas ativos estratégicos, tais como redes elétricas, redes informáticas e instituições bancárias.
Como disse: chega a ser genial de tão simples que foi (e é) ver o Ocidente, inocente e incompetente, literalmente vender por cêntimos a sua autonomia, o seu ascendente, a sua subsistência e sobrevivência.
O pior de toda esta situação é que, não obstante os resultados serem óbvios, o método ser claro e os processos explícitos, no dia de hoje, continua a fazer-se o mesmo, sem qualquer ação para proteger os nossos ativos informacionais estratégicos, as nossas competências diferenciadoras, os resultados do nosso investimento em investigação, conhecimento e pesquisa.
Alegre e inconsciente, o Ocidente continua a fortalecer o seu maior inimigo ao ponto de o tornar insuperável e invencível.
Mesmo em termos de futuros isso acontece!
Não há, no dia de hoje, uma ação concertada nem dos Estados Unidos, nem da União Europeia, para garantir posicionamentos favoráveis, em termos diplomáticos, comerciais, económicos e militares com África, com a Ásia ou com outros interesses a nível global.
Desta forma, não estamos, com esta néscia ingenuidade, a comprometer apenas o nosso presente, mas também o nosso futuro — e um futuro não de anos, mas de décadas.
O que fazer, perguntam todos?
Não se pode evitar o que já aconteceu, e as máquinas do tempo não existem.
Foi demasiado tempo de políticas ridículas, executadas por políticos incompetentes e aplicadas por agentes inconsequentes, para agora se reverter um processo tão inteligente, eficaz e executado com tanta estratégia, minúcia e empenho.
Por isso, aconselho vivamente, e sem brincadeiras, a que estudem a cultura chinesa e aprendam mandarim (os meus filhos já estão a aprender, e eu próprio já fiz um curso e vou continuar).
Não, não me estou a preparar para "passar para o lado do inimigo".
Estou-me, simples e realisticamente, a preparar para me submeter aos nossos novos amos.