BALSEMÃO: O ÚLTIMO DOS HUMANISTAS

24-10-2025


Nos últimos dias, tudo já se disse sobre Francisco Pinto Balsemão.

O político, o empresário, o jornalista, o homem de cultura, o líder.

Mas há algo que me parece escapar, algo mais profundo, mais essencial.

Para mim, o que ficará de Pinto Balsemão, o que realmente perdurará, é a sua condição de Humanista. E quando digo Humanista, não me refiro ao lado Humanitário — essa faceta bondosa, solidária, atenta ao outro — embora também a tivesse.

Refiro-me ao Humanista no sentido mais clássico, mais filosófico, mais pleno da palavra: aquele que, como Terêncio dizia, acredita que "sou Homem e nada do que é humano me pode ser estranho".

Pinto Balsemão foi, acima de tudo, um devorador de saber. Um homem movido pela curiosidade insaciável, pela vontade constante de compreender o mundo, de o interrogar e de o melhorar.

Havia nele uma inquietação que não se esgotava, uma fome de conhecimento que parecia nunca ter fim. Essa busca incessante pelo saber não era vaidade intelectual — era o reflexo da sua crença profunda no poder da razão, da cultura, do diálogo.

Era um homem de múltiplas dimensões, e talvez por isso tão difícil de encaixar em rótulos simples. Jornalista rigoroso, político íntegro, empresário com visão, mas também pensador, leitor voraz, amante das artes, da literatura, da música.

Francisco Pinto Balsemão representava uma síntese rara de qualidades que hoje parecem em extinção: inteligência, ética, curiosidade e, acima de tudo, humanidade.

Chamaram-lhe muitas coisas — e com razão.

Mas a que melhor o define, a meu ver, é a de um verdadeiro "último dos Renascentistas". Tal como na célebre figura do Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci, o Ser Humano estava no centro do seu universo. Não como abstração, mas como essência de tudo o que valia a pena compreender, estudar e defender.

O fascínio de Balsemão era a própria humanidade. E foi esse fascínio que o tornou num político exemplar, num jornalista inabalável, num empresário respeitado e num homem admirado. Acreditava que a liberdade era o bem maior da civilização — e defendeu-a com a serenidade e firmeza de quem sabe que sem liberdade não há progresso, nem verdade, nem dignidade.

Fundou o Prémio Pessoa movido precisamente por essa convicção humanista. Premiar a inteligência, a criação, o talento em todas as suas formas. Do biólogo ao poeta, do músico ao médico, do cientista ao clérigo. Era a celebração do que de melhor há no ser humano: a capacidade de pensar, criar e transformar.

Num tempo de especialização extrema, em que tantos se fecham em nichos e perdem a visão do todo, Balsemão insistia na importância dos humanistas. Recusava o dogmatismo, o simplismo e a mediocridade. Defendia a cultura como espaço de liberdade e o conhecimento como antídoto contra o fanatismo.

Essa postura, tão coerente e tão rara, acompanhou-o em todas as fases da sua vida. No governo, soube ser ponderado sem ser tímido; no jornalismo, rigoroso sem ser frio; nos negócios, justo sem ser ingénuo.

A sua marca estava sempre na forma como equilibrava razão e sensibilidade, lógica e empatia, firmeza e modéstia.

Muitos o definiram como um "cavalheiro". E é verdade: Balsemão era, no sentido mais pleno da palavra, um homem de princípios, um senhor. Mas mais do que isso, era alguém que via a política e a vida pública como um espaço de serviço. Servir a verdade, servir a liberdade, servir o bem comum.

Pedro Santana Lopes definiu-o de forma brilhante: "um príncipe da liberdade e um cavalheiro da democracia". Poucas frases captam tão bem o que foi Francisco Pinto Balsemão. Um homem que nunca se deixou deslumbrar pelo poder, porque entendia que o poder sem ética é vazio, e que o sucesso sem sentido é apenas ruído.

A sua serenidade era, paradoxalmente, a sua força.

Num tempo em que a política se tornou espetáculo e a comunicação ruído, Balsemão lembrava-nos que a verdadeira liderança é feita de discrição, de consistência, de convicção tranquila.

Era alguém que pensava antes de falar e que escutava antes de decidir. E isso, num mundo onde todos querem falar mais alto, era um ato quase revolucionário.

Não buscava aplausos, buscava sentido. Não procurava vitórias fáceis, procurava coerência. Não queria ser popular, queria ser justo. E foi, acima de tudo, fiel a si mesmo — até ao fim.

Hoje, quando olhamos à volta, percebemos como figuras como Balsemão são cada vez mais raras. Homens com cultura, com ética, com visão. Homens que acreditam que o conhecimento liberta e que a ignorância escraviza.

Morreu um Senhor. E com ele vai uma forma de estar que nos faz falta. Uma elegância moral, uma decência intelectual, uma nobreza de espírito que não se compra nem se finge.

Resta-nos o exemplo. Resta-nos a responsabilidade de não deixarmos morrer essa herança humanista. De acreditarmos que é possível fazer política com ética, jornalismo com rigor e empresas com valores.

Francisco Pinto Balsemão foi — e será sempre — um farol.

Um homem que nos lembrou que a grandeza não está no poder, mas na integridade. Que o verdadeiro sucesso é ser fiel aos próprios princípios.

E talvez essa seja a sua lição maior: não desistir do ideal humanista num mundo que parece ter desistido dele.

Não podemos permitir que a mediocridade se torne norma. Que a ignorância se disfarce de opinião. Que a arrogância substitua o saber.

Balsemão acreditava no contrário — e provou que é possível. Que se pode ser firme sem ser autoritário, culto sem ser pedante, influente sem ser arrogante.

O seu legado é, no fundo, um apelo: voltemos a colocar o ser humano no centro. Voltemos a valorizar o pensamento, a reflexão, o diálogo. Voltemos a acreditar que a política pode ser nobre e que o jornalismo pode ser serviço público.

Porque enquanto houver quem pense, quem questione, quem sonhe, haverá esperança.

Francisco Pinto Balsemão foi um desses.

Um homem que nos ensinou que pensar é o primeiro dever da liberdade.

E que a liberdade, quando vivida com responsabilidade, é a mais bela forma de humanidade.


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