ATAQUE TERRORISTA A MOSCOVO - Uma primeira análise

23-03-2024


A capital russa sofreu, no último dia 22 de Março, um violento ataque terrorista, no Crocus City Hall, uma sala com capacidade para 6.000 pessoas, na cidade de Krasnogorsk (a cerca de 20 km do centro de Moscovo).

O ataque foi reivindicado, poucas horas depois, pelo ISIS, conhecido grupo radical islâmico sunita.

A Ucrânia, assim como outros grupos anti-moscovo, apressaram-se a negar o seu envolvimento no atentado.

De facto, há 2 semanas, vários Serviços de Inteligência tinham alertado Moscovo para que algo se estava a preparar, inclusive o MI6 e a CIA.

Na altura foi interpretado como uma manobra de desinformação para, de algum modo, tentar, pelo menos, interferir nas eleições presidenciais russas do passado dia 17.

No que diz respeito aos autores ser um ataque com origem em Kiev é mesmo muito pouco provável: seria um puro e simples suicídio político da Ucrânia que colocaria toda a comunidade internacional contra ela dando força ao regime de Putin e tornando insustentável a continuidade do apoio ocidental à causa ucraniana.

Também não é credível que seja uma manobra de "falsa bandeira" de Putin como aconteceu em 1999 em relação à Chechênia. Se, na altura, devido à ação dos rebeldes Chechenos era "fácil" sustentar a tese que os ataques terroristas tinham origem no grupo independentista, atualmente, Putin sabe que é praticamente impossível levantar sequer a suspeita do envolvimento ucraniano no ataque.

Acrescente-se que um dia antes do ataque, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas Russas, o General do Exército Valery Gerasimov, tinha anunciado um ataque eminente de grande escala à totalidade do território ucraniano nas próximas semanas. Por isso não há qualquer lógica geopolítica em gerar uma provocação para um ataque já anunciado.

Do ponto de vista mais operacional este é, de facto, o modus operandi do ISIS, só sendo estranho terem sido capturados. No entanto a notícia da captura tem origem na agência estatal russa, TASS, logo fonte muito pouco credível.

Pouco credível é, também, o número de vítimas (que deve ser manifestamente superior) assim como superior deve ser o número de atacantes. É difícil acreditar, pelas imagens que foram transmitidas, que um ataque de tal magnitude fosse operacionalizado por um número tão pequeno de efetivos (anunciaram 10) e que causasse um tão baixo número de vítimas (60 mortos e 1500 feridos).

Por outro lado, é "fácil" explicar o envolvimento do ISIS no ataque: desde os ataques do Hamas a Israel em Outubro, o ISIS estava a ser fortemente pressionado, tanto interna como externamente, para demonstrar que ainda existe e ainda é capaz de desencadear ações de grande impacto.

Segundo o Counter Extremist Project (report às 01.20 GMT de 23.03) o "filiado" do ISIS IS-Khorasan Province (ISKP) seria o mais capaz de desencadear um ataque, sendo Moscovo, precisamente a sua área de ação.

Por isso é quase certo que foi, de facto, o ISIS a desencadear o ataque embora, devido a como são conduzidas as investigações na Rússia, nunca saberemos ao certo.

Em relação a consequências diretas a primeira é questionar a eficiência do FSB e mesmo do SVR. Acho que os Serviços de Intelligence Russos andam tão ocupados em tentar "marcar pontos" na política externa, no conflito ucraniano e nas muito recentes eleições russas que literalmente negligenciaram a segurança interna.

Do ponto de vista politico os primeiros grandes afetados por este ataque foram Volodymyr Zelensky e Joe Biden que, com este acontecimento, tiveram uma "oportunidade de ouro" de retirar dividendos políticos enormes. Se, desde o primeiro momento, sem demora e hesitação, condenassem o ataque, prestando solidariedade às vitimas e suas famílias (demonstrando, assim, e inequivocamente, que o seu opositor é Putin e não o povo russo) e mostrando que, não obstante todas as disputas e conflitos, há causas que a tudo se sobrepõe, tinham mostrado uma "elevação", um sentido de Estado e uma dimensão enquanto líderes empenhados, de facto, nos mais basilares direitos humanos que Putin, dificilmente poderia evitar agradecer e, assim, ser obrigado a perder a iniciativa em relação aos seus opositores.

Putin sairia ainda mais fragilizado deste ataque.

Mas tanto Biden como Zelensky em vez de, antes de mais e primeiro que tudo, condenar o ataque e prestar homenagem às vítimas tiveram atitudes absolutamente ridículas, absurdas e "infantiloides" de se orgulharem que tinham avisado, que afinal Putin não é tão forte como diz ser... Chega a ser anedótico como estes 2 "líderes" (estão longe, muito longe do que acredito ser, de facto, liderança) perdem uma oportunidade tão óbvia e flagrante para conseguir, sem qualquer tipo de esforço, uma vitória política e diplomática retumbante.

Este facto, muito nos diz de quem está a liderar a oposição a Putin e as suas reais "capacidades", "competências" e "talentos" políticos e diplomáticos.

Mas Vladimir Putin sai, como é óbvio, muito fragilizado com este ataque pois não consegue, assim, afirmar que tem controlada a segurança interna, quanto mais a externa da Federação Russa.

É uma "brecha" profunda de um homem que vive e se sustenta na imagem e no estatuto de infalível e insuperável.

Putin não pode negar os factos: ele também falha, ele também é derrotado, ele também é ultrapassado.

E todas as grandes derrocadas começam por uma simples, ligeira e quase imperceptível brecha. E esta está longe de ser simples, ligeira e imperceptível.

Claro que nunca assumirá a culpa e conseguirá fazer mais uma purga interna nos seus mais diretos opositores (que já são tão poucos), e, talvez, aproveitar para, em definitivo, "fundir" o SVR e o FSB, reconstruindo, em pleno, a estrutura do KGB organizada em diretórios.

Também, por certo, tentará retirar dividendos em termos de política externa.

Afinal, como afirmou a então Secretária de Estado Norte-americana Hillary Clinton, "Nunca se deve desperdiçar uma boa crise".

Uma coisa temos certa: Vladimir Putin é rápido e eficaz nas suas ações.

Assim teremos notícias nos próximos dias, mesmo nas próximas horas.