ADEUS TIO SAM: TARIFAS E A VERDADE ESCONDIDA

11-04-2025


Não sou, nunca fui, nem me imagino a ser admirador de Donald Trump.

A sua postura, o seu discurso e muitas das suas políticas colidem frontalmente com os meus valores e a minha visão do mundo.

Há algo de instintivamente egocêntrico e destrutivo na forma como conduz os destinos do seu país, quase como se fosse uma empresa em falência iminente.

Mas, paradoxalmente, é justamente essa destruição que, por vezes, traz à superfície verdades há muito abafadas.

As tarifas alfandegárias impostas por Trump são, a meu ver, um verdadeiro desastre económico.

Estão a corroer as bases da economia americana e a provocar ondas de choque que se fazem sentir muito para além das suas fronteiras.

É mais do que certo que, aplicadas de imediato e sem um período alargado de adaptação, estas tarifas não terão outro efeito que aumentar, em muito, o preço dos produtos para os consumidores finais americanos, paras as empresas dependentes de matérias-primas e componentes vindos do exterior, e , assim, provocar um disparar da inflação, uma retração do poder de compra e mais uma crise social e económica para os Estados Unidos.

Em termos de mercados externos, nesta era de interdependência global, nenhum país é uma ilha.

O que se decide em Washington tem consequências em Lisboa, Pequim, São Paulo ou Joanesburgo.

No entanto, seria intelectualmente desonesto não reconhecer que esta ofensiva tarifária revelou algo profundamente enraizado, mas convenientemente ignorado durante décadas: o desequilíbrio estrutural nas relações comerciais dos Estados Unidos com o resto do mundo.

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a Europa — e com ela grande parte do mundo ocidental — tornou-se, voluntária ou inconscientemente, vassala dos Estados Unidos.

Não estou a falar de subserviência declarada, mas de uma dependência estrutural que moldou as relações políticas, económicas e militares.

Durante mais de sete décadas, os Estados Unidos suportaram uma série de desvantagens comerciais com os seus parceiros.

Aceitaram tarifas desiguais, acordos desequilibrados e assumiram, quase sozinhos, os custos de uma defesa global que beneficiava sobretudo outros.

A lógica era simples: manter a liderança geopolítica e geoestratégica a qualquer custo.

A América fazia de polícia do mundo, enquanto os outros — especialmente na Europa — investiam menos em defesa e mais no seu bem-estar económico e social.

O problema é que esse "pacto não escrito" tinha os dias contados.

E Trump, com a sua abordagem destrutiva, foi quem rasgou o véu.

O seu método pode ser condenável, os seus motivos discutíveis, mas o resultado é que expôs uma realidade inegável.

A América estava a ser explorada por um sistema que ela própria ajudou a criar. Um sistema em que, paradoxalmente, os seus parceiros prosperavam enquanto ela acumulava défices comerciais astronómicos.

Era uma bomba-relógio silenciosa, disfarçada de diplomacia e boas intenções.

Sim, o que Trump está a fazer é catastrófico.

Está a empurrar parceiros para os braços da China, está a quebrar laços de décadas e a desestabilizar os mercados.

Mas, ainda assim, introduziu um conceito essencial no debate global: reciprocidade.

Durante demasiado tempo, confundimos aliados com dependentes.

Confundimos comércio livre com comércio injusto.

E a verdade é que, numa relação saudável, seja entre países ou entre pessoas, tem de haver equilíbrio, equidade e respeito mútuo.

A União Europeia, e os outros membros do chamado "ocidente alargado", têm de olhar para esta crise como um alerta.

Um sinal claro de que o tempo das proteções americanas e dos subsídios invisíveis acabou.

Chegou o momento de assumir responsabilidades e de redefinir prioridades.

Não podemos continuar a construir economias frágeis, totalmente dependentes de cadeias de produção longínquas e de mercados com regras que não controlamos.

A globalização trouxe enormes benefícios, mas também criou vulnerabilidades perigosas.

Esta crise — tal como outras no passado — é também uma oportunidade.

Uma oportunidade para repensar os modelos económicos, para reequilibrar relações comerciais, para apostar na diversificação de mercados e na autonomia estratégica.

Precisamos de olhar para o futuro com realismo, mas também com ambição.

O modelo implementado nos anos 40 já não responde aos desafios do século XXI.

Está morto e enterrado!

O mundo mudou e nós temos de mudar com ele.

Talvez nunca venha a concordar com Trump.

Provavelmente, continuarei a repudiar a sua forma de estar e as suas ideias.

Mas não posso ignorar que, no meio do caos que criou, houve uma verdade que emergiu — e essa verdade precisa de ser debatida, compreendida e transformada em ação.

Se quisermos que a Europa tenha voz própria, que as nossas economias sejam sustentáveis e que os nossos valores sobrevivam à tempestade, teremos de fazer muito mais do que criticar.

Teremos de agir!

É tempo de abandonar o comodismo, de investir em inovação, em produção local, em parcerias equilibradas e em mercados mais resilientes.

Não se trata de fechar portas, mas de abrir os olhos.

A justiça nas relações comerciais não é um luxo; é uma necessidade.

A reciprocidade não é um capricho; é um princípio básico de qualquer acordo sério.

E a independência estratégica não é nacionalismo; é bom senso.

Trump não foi o mensageiro que gostaríamos de ter tido.

Mas, gostemos ou não, trouxe-nos uma mensagem que não pode ser ignorada.

E agora, cabe-nos a nós decidir o que fazer com ela.

Este é o momento para assumirmos o nosso destino com coragem, lucidez e visão de longo prazo.

Porque o mundo não espera, e quem fica parado… fica para trás.

Estamos, gostemos ou não, perante uma nova ordem mundial.

E a história nunca foi simpática para os que se recusaram a adaptar-se.