TERRORISMO : O perigo da mansidão e os atentados à liberdade

18-09-2023

Sempre que revejo os conteúdos do curso de Contraterrorismo e o leciono  fico impressionado com o fenómeno na sua génese.

E é assim há mais de 20 anos.

E nunca deixo de ficar pasmado.

Porquê?

Porque acho sempre um completo absurdo seres humanos submeterem outros seres humanos ao sofrimento, ao medo, ao terror.

Há causas ridículas como a religião ou os sectarismos e até há causas meritórias como a luta contra a opressão ou a defesa da autodeterminação, mas o terrorismo é sempre uma forma preversa, mesquinha e cobarde de travar uma luta, seja ela qual for, tenha ou não mérito.

Por isso fico horrorizado e mais horrorizado fico quando depreendo que é uma forma de luta muito antiga, com mais de 2.000 anos (segundo consta, os primeiros foram os judeus através dos Zelotas e dos Sicários que "lutavam" contra a ocupação Romana da Palestina e Judeia), e que, durante todo este tempo, nunca foi eficazmente travada, desacreditada, impedida.

E, se no passado, podemos justificar tal fracasso pela própria natureza dos Estados, pela falta de comunicação, pela fragilidade das instituições e organizações que combatem este tipo de fenómeno, hoje em dia, com todos os meios, todas as agências, todos os organismos e cooperações não há desculpas para a continuidade de tal fenómeno.

O mesmo se passa com o crime organizado transnacional, com as várias vertentes do tráfico que vão desde armas, a drogas, a seres humanos, seja para exploração laboral ou sexual, assim como outros géneros de criminalidade e desvios que põe a causa a Lei, a Ordem, a própria integridade dos Estados e das instituições e tem um forte impacto, tanto direto como indireto, nos cidadãos dos países livres.

Para além das mortes, feridos e instalações destruídas, o terrorismo, estima-se, custa por ano 117 mil milhões de dólares americanos (USD) aos Estados.

É o dinheiro que os Países gastam em forças policiais, em investigação e na segurança das mais variadas infra-estruturas assim como, e principalmente, dos seus cidadãos.

Imaginem o que se podia fazer com 117 mil milhões de USD se não se tivesse que "torrá-lo" no combate a este tipo de gente.

Não fui investigar (pura preguiça) qual é o gasto dos Países no combate ao crime organizado, ao tráfico, à corrupção, ao branqueamento de capitais e outros tipos de crimes sofisticados que tem um efeito avassalador nas nossas sociedades e na nossa economia.

Mas, facilmente deve ser o dobro ou o triplo.

Acho que não ficarei muito longe da verdade se disser que se gasta mais de 500 mil milhões de USD/ano no combate e prevenção a este género de fenómenos e, mesmo assim, não se consegue resultados significativos.

Numa investigação que fiz recentemente sobre o crime organizado transnacional até se verifica um crescimento de 20% na "época pós-pandémica" com este tipo de criminalidade.

E sejamos frontais: esse dinheiro faz falta para alimentos, para a saúde, para a educação, para a cultura.

Cada dólar gasto no combate ao terrorismo, ao crime organizado, ao tráfico, é um dólar que é roubado a uma criança, a um idoso, a uma mulher ou homem de bem.

Impõe-se então uma questão:

O que se está a passar, no que estamos a falhar, o que está a correr mal?

Depois de pensar durante muitos anos, de discutir isto com colegas e mestres cheguei a uma conclusão que, de tão simples e tão óbvia, chega a ser ridícula:

O grande mal e a razão da nossa ineficácia está na nossa "mansidão".

Generalizou-se na sociedade, em especial na ocidental "abastada" e urbana, um perigoso estado de mansidão, de paz inconsequente e de passividade cobarde.

São moda expressões como "fazer bem sem olhar a quem", "frente a uma arma uma flor", "faz amor e não a guerra", "contra a violência a paz".

Dão como exemplos do sucesso dessa postura a ação de figuras como Mahatma Gandhi e Martin Luther King, esquecendo-se que, ambos, se apunham (e com toda a razão) a Estados de Direito Democrático (Reino Unido da Grã-Bretanha e Estados Unidos da América, respetivamente), controlados por sufrágio livre dos respetivos cidadãos e que, no final da "história", acabaram os dois assassinados.

Hoje os nossos opositores são grupos terroristas como o Daesh e a Al-Qaeda, grupos de crime organizado como os carteis de droga colombianos, as máfias Russa, Georgiana ou as tríades Chinesas e ainda os Estados Ditatoriais como a Rússia, a Coreia do Norte e a China.

E mesmo perante estas ameaças há setores da sociedade, cada vez mais audíveis e "pressionantes", que defendem a diminuição do investimento nas forças de segurança, o fim das forças armadas, a desmilitarização das Nações e o encerramento dos Serviços de Informações e Segurança que apelidam de "polícia politica".

Há quem acredite mesmo nisso e defenda estes pontos de vista com veemência e tais questões já chegaram, inclusive, ao debate político e mesmo aos parlamentos de alguns países ocidentais.

Ora: todas as pessoas têm direito à sua opinião e as que defendem estes pontos de vista também, como é óbvio.

Comungo da mesma convicção de Voltaire: "Posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo".

Mas já se questionaram das consequências objetivas e reais de tais medidas?

Sem quem defenda os nossos ideais da liberdade, da igualdade e da democracia, sem quem se oponha à tirania, ao terror e ao crime, estes vencerão facilmente, sem oposição e sem qualquer tipo de dificuldade.

Ou pensam que grupos terroristas, organizações criminosas e Estados ditatoriais e déspotas, perante as vossas flores e boas intenções, vão depor as armas e dar-vos abraços e beijinhos, embebidos no espírito de uma nova ordem e de um mundo fraterno e pacífico?

Não creio!!!

MESMO!!!

Por isso temos que nos deixar de teorias de pacifismos utópicos e de mansidões irrealista e, de uma vez por todas, assumir: se não defendemos o que é nosso iremos perder tudo.

E só há um modo dessa defesa ser eficaz: ser mais astuto, mais forte e mais eficaz que o inimigo.

E para isso é preciso usar a força e, muitas vezes, a violência, porque, e infelizmente, é a única linguagem que esses indivíduos conhecem e entendem.

Enquanto não formos tão eficazes, tão empenhados e tão capazes como os nossos opositores eles sairão sempre vencedores.

E sempre que eles vencem morrem pessoas inocentes, perde-se património legítimo e saem fragilizados os ideais do Estado de Direito que defendemos, ficando mais fortes os populismos e as demagogias antidemocráticas que, à esquerda e à direita, grassam por esse mundo fora, em especial no ocidente.

Thomas Mann, Nobel da Literatura de origem alemã, disse, um dia, que "a tolerância é um crime quando aquilo que é tolerado é a maldade".

E, quase como sempre, estava muito certo.

Os pacifistas acomodados e os mansos utópicos têm, de uma vez por todas, que tomar uma decisão e comprometer-se com ela: afinal defendem a liberdade, a igualdade, a democracia e o primado da Lei e o Estado de Direito ou isso é irrelevante?

Porque se for irrelevante a questão está resolvida!

Depõe-se as armas, deixa-se de lutar e dá-se livre-trânsito a terroristas, criminosos e ditadores.

Seremos escravos, oprimidos e manietados, mas cheios de flores, de paz, de concórdia, de mansidão e a fazer muito amor.

Seremos, afinal, o que todo o bom opressor gosta: escravos submetidos e contentes com o seu estado de escravidão.

Mas se, pelo contrário, defendem os ideias que a tanto custo os heróis do nosso passado conquistaram, muitas vezes com o custo da própria vida, tenham a consciência que esses ideais não são gratuitos nem tão pouco garantidos.

Todos os dias, mulheres e homens trabalham, investigam e lutam (a esmagadora maioria das vezes nas "sombras" e no mais completo anonimato) para que vocês continuem a ter a liberdade de deambular pelos vossos sonhos de paz universal e concórdia global.

Como dizia o saudoso John Le Carré, "para que as ovelhas vivam em paz alguém tem de caçar os lobos".

Trata-se do uso lógico da legítima defesa, o ato humano de proteger aquilo em que se acredita e se sabe correto.

Mas, para que essa luta seja, de facto, eficaz, para que possa ser travada de um modo pleno é necessário, imperioso até, que haja um consenso alargado sobre a legitimidade dessa mesma luta.

A sociedade civil dos Estados de Direito, onde assenta o poder democrático e legítimo, tem de estar unida e coesa na real e eficaz defesa dos seus ideais e assumir que essa defesa passa pelo combate direto e focado ao inimigo.

De outro modo nunca venceremos, de outro modo tudo aquilo que defendemos estará sempre a ser atacado e, um dia, mais tarde ou mais cedo, cederá.

Precisamos de legitimar, primeiro e antes de mais pelo nosso voto nas urnas democráticas, todos aqueles de acreditam nessa democracia e estão prontos a lutar por ela até às derradeiras consequências, repudiando, no mesmo ato, todos os outros pacifistas inconsequentes, utópicos irresponsáveis, mansos alheados que, ou se recusam a ver a realidade, ou são ignorantes teimosos ou então demagogos que estão dispostos a tudo para serem eleitos.

Por vezes são tudo isso e em todos os casos, indivíduos a manter longe do exercício do poder.

Depois temos de atuar de todos os modos possíveis contra aqueles que, de alguma forma, apoiam e/ou permitem, seja pela sua ação seja pela cobarde inação, o crime, o terrorismo e tudo o que põe em causa os direitos, liberdades e garantias que a tanto custo conquistamos.

Temos de fazer de cada ação um ato de luta, de cada expressão um apoio e incentivo aos que lutam, de cada movimento uma reação, forte, clara e decidida contra todos aqueles que põe em causa ou não defendem o que tanto nos orgulha.

Sou daqueles que não se importa de ter sangue nas mãos para que os meus filhos possam ter esperança nos olhos.

Deixar um mundo livre, igualitário e fraterno, livre do obscurantismo e da tirania, é a herança que quero legar aos meus filhos e aos meus netos.

Sei que isso tem um custo e estou disposto a pagar esse custo até ao meu último suspiro.

Estão vocês preparados e dispostos a fazer o mesmo?