A POLÍTICA DOS NÃO POLÍTICOS
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Terminou, então, aquilo que na política se define como "silly season", a estação das tolices, em que, não se passando nada na política, os jornais e telejornais se enchem das notícias mais estúpidas e ridículas, apenas para ocupar espaço e tempo.
Este ano, inclusive, publiquei no espaço diário do Realpolitik no LinkedIn (link para o artigo), um pequeno artigo em que afirmei que a "silly season" deixou de existir, sendo substituída pela "stupidity season", tal é o ridículo e vazio a que chegam os conteúdos noticiosos.
Mas isso é outro assunto que abordaremos mais tarde.
Mas, afinal, o que se passou nesta época em que, habitualmente, não se passa nada?
Lembremo-nos de que, no ano passado, aproveitando esta "pasmaceira" em que o mundo fica durante o mês de agosto, a China promoveu uma reunião alargada dos BRICS, na qual, na minha opinião, definiu a estratégia geopolítica, geoeconómica e até militar que orientará o mundo nas próximas décadas e que, se correr como os dirigentes de Pequim esperam, alterará todo o contexto mundial tal como o conhecemos.
Mas este ano, feliz ou infelizmente, não foi assim e, de facto, nada de relevante se passou, embora existam processos que, num futuro próximo, terão grande impacto.
Então vejamos: a maior potência mundial, os Estados Unidos, estão num processo conturbado de eleições, em que uma recandidatura improvável de Joe Biden se tornou uma inabalável recandidatura do Presidente em exercício, deixando o Partido Democrata paralisado e impotente perante a teimosia do ancião.
Mas depois de muitas manobras em Capitol Hill, e mesmo algumas ameaças declaradas de falta de apoio, Biden retirou a sua recandidatura em favor de Kamala Harris que, todos pensavam, estava "fora do jogo" e que, também, não seria a melhor opção para travar a batalha eleitoral com Trump.
De facto, é preciso muita coragem e "estômago" para entrar num confronto político com Donald Trump, pois este, como sabemos (e ele muitas vezes provou), pode descer o nível do debate a níveis infra-humanos.
Mas, com falta de tempo e opções óbvias, Kamala avançou e, pasme-se, em poucos dias, não só recuperou nas sondagens como, inclusive, ultrapassou Trump, ganhando um ímpeto e uma dinâmica de vitória que, se o conseguir manter, lhe dará fortes possibilidades de derrotar o candidato republicano e desta vez, esperemos, de uma vez por todas.
Por isso, nos Estados Unidos está tudo em aberto, com as duas forças políticas fortemente polarizadas e extremadas.
Desta forma, todo o mundo está em aberto, não se sabendo o destino geopolítico das questões mais prementes até novembro.
Na Ucrânia, as forças de Kiev, ao final de quase 3 anos de conflito, conseguem algumas vitórias no campo de batalha.
Isto pode significar que Moscovo começa a sofrer de fadiga, exaustão e falta de meios, para além da óbvia e já crónica incompetência das chefias militares e, assim, começa a ceder ou, então, que estas vitórias ucranianas são intencionais por parte de Putin, de modo a concentrar forças, meios e o fator surpresa para uma ofensiva no final de outono, início do inverno, altura em que as forças russas sempre gostaram de combater e em que sempre obtiveram as suas grandes vitórias.
Se Kamala vencer, Volodymyr Zelensky ainda pode ter alguma esperança de resistência; se Trump vencer, a Ucrânia ficará, quase por certo, sem o seu principal aliado e tudo se resolverá muito depressa.
O mesmo se passa no conflito da Faixa de Gaza.
Não se prevê, nem ninguém acredita, num acordo entre o Hamas e Israel.
É um conflito que dura há décadas, e não será agora que se resolverá na mesa de negociações.
Resta-nos esperar quem menos perderá, sendo essa parte a que reclamará a vitória.
Mas é pouco provável num conflito não convencional como este, em que de um lado temos um grupo terrorista e do outro um país regido por forças ultraconservadoras que, por razões de princípio, não pode ceder ao terrorismo, se chegue a algum tipo de acordo viável e duradouro.
Também neste aspeto as situações ficarão extremadas no caso de uma vitória de Trump, que não admite nenhuma solução negocial, causando, assim, muito provavelmente, um conflito regional entre Israel/Estados Unidos e Irão/Hamas; ou, no caso dos democratas vencerem, ainda podemos ter alguma, embora muito pouca, esperança na continuidade das negociações.
A União Europeia, acabada de sair de eleições e de nomeação dos seus principais dirigentes, retomará, lenta e "burocraticamente", como já se tornou tradição, a sua pouca e insignificante influência política, mas o suficiente para criar alguns impasses, conquistar algum tempo e condicionar algumas situações.
Foi precisamente esta apatia ou "estado de latência" das principais potências ocidentais que permitiu que as eleições na Venezuela acontecessem, fossem escandalosamente manipuladas por Nicolás Maduro e, não obstante todo o ruído, protestos, condenações e ações diplomáticas desenvolvidas por todos e mais alguns, não se fez, de facto, nada.
A China, a Rússia e o Irão limitaram-se a felicitar Maduro, deixando clara a sua posição, enquanto o Ocidente protestou, mas calou-se, sem força, sem meios, sem determinação de defender os ideais que tanto diz promover.
Enquanto isso, o Ocidente, inerte, impotente e incompetente, entretinha-se com os Jogos Olímpicos de Paris, não dando destaque e relevância ao desporto e os feitos dos atletas, como seria de esperar, mas às questiúnculas sobre beijos, semelhanças artísticas, questões transgénero e outras coisas que tais.
O "Ocidente Civilizado", quando não consegue resolver as questões que, de facto, importam, inventa outras que lhe conferem a ilusão de que ainda pode alguma coisa, que ainda tem alguma influência, que ainda tem algum poder.
O que esperar, então, nos próximos tempos?
Em rigor, nada!
Até novembro, com as eleições dos Estados Unidos a ditarem para que lado tende a política externa americana, ninguém ousará tomar medidas de fundo e ações concretas.
Ou talvez Vladimir Putin seja bem capaz de aproveitar precisamente esse impasse para desferir um golpe forte e eficaz, embora a altura do ano não lhe seja propícia.
A União Europeia estará quieta e calada, aguardando instruções dos "primos ricos" do outro lado do oceano.
No Reino Unido, as tensões sociais provocadas pelo massacre das crianças vão-se atenuando e acabarão por desaparecer, voltando ao seu normal estado de latência, mas deixando bem claro que, nos reinos de Sua Majestade Carlos III, o radicalismo, o extremismo, o racismo e a xenofobia estão longe de ser conceitos do passado.
E assim seguirá o mundo, naturalmente, entre períodos de convulsão e de paz, entre lutas e tréguas, afinal, o de sempre, como sempre.
Aqui, no Realpolitik, tentaremos, todas as semanas, analisar essa evolução, essa dinâmica e saber, em concreto, que consequências traz para todos nós.