A NOVA ÁFRICA !

16-02-2024


É absolutamente impossível falar em política global e, em especial, em geopolítica, sem se falar de África.

E as razões são incontáveis.

Abordemos as que, acho eu, são as principais e, somente isso, as principais.

Em primeiro lugar a sua posição no próprio globo, ligando o Indico-pacifico ao Atlântico que motivou os portugueses a empreender a descoberta do caminho marítimo para a India, no longínquo século XV, um dos marcos da história de humanidade.

Se, até ao século XVI África tornou-se estratégica por controlar 2 rotas marítimas fundamentais, a rota do Cabo que liga o Indico ao Atlântico pelo Cabo da Boa-Esperança, mas também a rota do Sul do Atlântico devido à projeção do Arquipélago de Cabo Verde (precisamente no centro dessa rota), a partir do século XIX, com a construção do Canal do Suez, África também passou a controlar essa rota importantíssima (15% do mercado mundial e 70% do mercado Europeu passa pelo Canal), devido ao domínio das costas orientais do Golfo de Aden, de todo o Mar Vermelho e, inclusive, do próprio canal embora este já fique na África sobresariana, uma realidade cultural, geopolítica e geoeconómica total e completamente distinta.

Depois o seu tamanho. Não sendo o maior continente em termos absolutos (é somente o 2º depois da Ásia, isto se dividirmos, como é lógico, a América em 2), é aquele que mais se estende no globo, quase desde as regiões temperadas da Europa às imediações da Antártica.

Também é fundamental a sua diversidade: 52 países, 1 225 080 510 habitantes, 3.000 línguas faladas, 492 grupos étnicos distintos. Esta multiplicidade sendo, não raras vezes, um problema, se bem gerido, pode ser um fator de potenciação de progresso e desenvolvimento.

Claro está não podemos deixar de falar dos recursos. Desde petróleo a metais preciosos (inclusive os utilizados pelas novas e futuras tecnologias), até ao café e cacau, dos diamantes à pesca, das potencialidades do turismo e da indústria, passando por recursos agropecuários imensos e inexplorados, fez, faz e fará de África uma potencia incontornável e inabalável no contexto global, seja qual for a sua configuração ou ordenamento geopolítico.

Por isso, a Europa, desde o século XV tentou controlar África e os seus recursos. 

Por isso, desde o século XVI, beneficiando, somente, de um ascende tecnológico, submeteu os povos africanos, provocando atentados aos direitos humanos e à autodeterminação e identidade cultural que ainda hoje envergonha o ocidente, em especial a Europa.

Esta submissão foi total e plena, baseada no racismo e na xenofobia, não só negando aos povos africanos a sua independência política, cultural e económica, como também lhes negando o acesso à educação, ao desenvolvimento, ao progresso, à tecnologia.

Foi somente com os movimentos independentistas da segunda metade do século XX que os povos e as nações africanas obtiveram a sua autonomia e depois independência.

Mas mesmo assim essa independência era muito limitada.

Em primeiro lugar as fronteiras, as divisões territoriais, não refletiam, na maior parte das vezes, a realidade étnica, cultural e histórica dos povos africanos, mas sim os ditames europeus na divisão africana efetuada no famoso "Mapa cor-de-rosa" em finais do XIX.

Em segundo lugar, porque muitos países africanos, com independências recentes, sem quadros, sem estruturas de desenvolvimento, sem bases políticas (que eram eliminadas pelos europeus logo que surgiam), foram presa fácil para as duas superpotências no auge da Guerra Fria.

Os países africanos foram "disputados" e, em grande parte controlados, ora pelos Estados Unidos da América, ora pela União Soviética, desde os movimentos independentistas dos anos 60 e 70 até ao colapso do muro de Berlim, nos anos 90.

Por isso, a África, de facto, independente, autónoma e com iniciativa própria existe há menos de 30 anos.

E foram nestes 30 anos que muitos países foram caminhando, uns mais depressa, outros mais devagar, para as democracias, para a liberdade, para o progresso, para o desenvolvimento, "livrando-se", progressivamente, de "vícios" criados no esforço da resistência à colonização, como as desigualdades sociais e, fundamentalmente, a corrupção e as economias paralelas.

Não nos podemos esquecer que, no tempo colonial, com todas as estruturas dominadas pelos Europeus, a economia paralela e a corrupção eram, de facto e realisticamente, a única hipótese de os africanos poderem ter alguma qualidade de vida num ambiente que, sendo deles, nada era controlado por eles.

Este sistema vigorou durante séculos, estando profundamente enraizado na própria cultura africana.

Mas, nos últimos 30 anos (e ressalvo, somente 30 anos) o progresso de muitas nações de Africa para controlar e erradicar a corrupção e a economia paralela tem sido absolutamente notável e fantástico.

"Desmantelar", em 30 anos, um sistema de séculos e, colocar, no seu lugar, um outro, é uma obra titânica e que demora gerações.

O que alguns países têm conseguido em apenas em 30 anos é notável sob todos os pontos de vista.

Isto ao ponto de algumas economias da África subsariana estarem, progressivamente, a ingressar nos mercados financeiros globais, com a Costa do Marfim a emitir Eurobonds em Janeiro de 2024, e que será seguida, por certo, por outros países.

Por exemplo a capitalização da Bolsa de Valores de Moçambique cresceu quase 200% desde 2016 e o Banco Mundial anunciou a aprovação de um novo programa-quadro de cooperação para São Tomé e Príncipe, que abrange mais de 10 projetos avaliados em mais de 225 milhões de dólares para os próximos cinco anos.

Mas que África é esta que, muito em breve, vai fazer valer nos mercados, na diplomacia e na política o poder que sempre teve mas nunca lhe deram o direito de exercer?

A Europa, nunca consegui "resolver" a sua relação com África.

As relações são antigas, mas são más relações, embora todos tentem demonstrar (e alguns até acreditam) que são óptimas, excelentes, fantásticas!

Os africanos ainda veem com desconfiança os europeus e muitos europeus ainda não se livraram de um certo "paternalismo colonialista" em relação a África.

Para muitos ocidentais África ainda é habitada por "pretinhos coitadinhos e pobrezinhos" que, como diria César "não se governam nem se deixam governar".

Este "paternalismo" provocou que, em termos políticos, económicos e geoestratégicos o Ocidente, mas em especial a Europa, nunca levasse, de facto, a sério, África, e sempre visse as relações comerciais e financeiras na antiga lógica do colonialismo de "explorar" e não "negociar".

Por isso, em 30 anos, a Europa, para além de boas intensões e milhares de tratados e acordos, não firmou uma posição sólida e efetiva, em termos de influência e de poder junto das nações africanas.

Mas se a Europa não o fez, alguém o consegui.

O bloco China-Rússia, sem o "peso" do passado colonial e com uma visão muito mais estratégica em termos políticos, económicos e diplomáticos (muito devido à estabilidade permitida por governos totalitários) foram controlando, adquirindo, dominando e assumindo posições por toda África subsariana.

Hoje em dia tanto a China como a Rússia dominam grande parte dos recursos naturais de África, em especial os metais preciosos e os hidrocarbonetos. O investimento global em hidrocarbonetos pode atingir os 580 mil milhões de dólares em 2024, o que representa um aumento de 11% em relação ao ano de 2023, de acordo com o estudo Oil & Gas Industry Outlook 2024 da Deloitte, muito desse investimento suportado pela República Popular da China. 

Um indicador notório é que as exportações de mercadorias dos países de língua portuguesa para a China atingiram 147,5 mil milhões de dólares em 2023, num novo recorde histórico, de acordo com dados oficiais.

E tanto a China como a Rússia estão a ter a astucia suficiente para não fazer este processo recorrendo a medidas de imposição ou hostilidade, mas sim em politicas (pelo menos aparentes) de cooperação e mutuo entendimento, contribuindo para o desenvolvimento, fazendo "negócio" e não "exploração" (mas criando dependências que, no futuro, serão muito difíceis de inverter).

Por isso, quando a "Nova África" começar a fazer sentir a sua influência na economia e na geopolítica, quase por certo, seja por dependência ou gratidão, será um aliado do Bloco China-Rússia e não, quase como seria natural, um aliado da Europa.

Foi mais um erro infantil, uma incompetência ridícula e uma ingenuidade absurda de uma Europa que, essa sim e cada vez mais, "não se governa nem se deixa governar".

Com os equilíbrios frágeis da geopolítica e geoestratégia atuais, com a crescente influencia e domínio da China globalmente, com os Estados Unidos e os seus aliados, mais frágeis e desorientados tanto em termos de política externa como interna, África poderá ser o elemento que faltava à China para impor uma hegemonia avassaladora em termos mundiais que tanto (mas tão pacientemente) procura.

Controlando as produções e as rotas comercias africanas (a rota do mar vermelho, a rota do cabo e a rota do atlântico sul pela projeção insular) a China não precisa de mais nada para se impor como uma superpotência mundial e superpotência dominante.

É algo que a todos devia assustar, todos devia pôr em alerta para que algo ainda possa ser feito, pelo menos garantir do que resta dos mercados africanos, que é pouco mas sempre é melhor que nada.

Mas, sinceramente, não vejo grandes perspetivas de isso acontecer.

A antiga e também muito enraizada "presunção de ocidentalidade", postulada pelo Antropólogo francês Claude Lévi-Strauss ainda impede que os Europeus, e em especial os seus políticos, assumam África como incontornável e absolutamente fundamental em qualquer ordenamento geopolítico e geoeconómico mundial.

Será demasiado tarde quando os políticos europeus entenderem que a "África Negra" deixou de ser o conjunto das ex-colónias de quem é preciso cuidar, mas sim um colosso macroeconómico e geopolítico com quem é obrigatório negociar.

Em África a humanidade teve o seu berço, em África a humanidade tem o seu futuro.

Veremos a quem esse futuro irá sorrir.


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