A INSTABILIDADE DAS ESTABILIDADES e a queda do governo (e uma citação de Tomás de Kempis que fica sempre bem...)

14-11-2023


Não há como fugir ao tema!

Nem eu, que tento sempre andar em "contra-ciclo", consegui escapar.

De facto, nos últimos tempos, desde o conflito israelo-palestiano até à estrondosa queda do governo, a incoerência tem sido bastante coerente, obrigando-me, mesmo quase me prendendo ao "assunto" do momento o que, confesso, detesto.

Então: o governo caiu!!!!

Até parece simples dito assim.

Mas não é.

Um governo, sustentado por uma maioria absoluta parlamentar, que ainda não tinha chegado, sequer, a metade do mandato, com uma balança orçamental equilibrada e promessas de fundos "faraónicos" da União Europeia, cai, de um dia para o outro, como um castelo de cartas.

Acho que até Platão, Aristoteles e Maquiavel ficariam estupefactos perante tamanha insanidade.

Acredito que é a primeira vez que tal acontece... e não na história moderna, mas na história!

Até na política, nós os portugueses, gostamos de "navegar mares nunca explorados".

Mas antes de avançar, quero esclarecer 2 pontos de princípio:

Como quase todos sabem assumo-me ideologicamente como democrata (antes e acima de tudo) monárquico, de direita, conservador e liberal, ora, "não alinhado" ideologicamente com o governo que acabada de cair.

Dito isto, e em segundo lugar, acho que o Dr. António Costa é um dos melhores, mais capazes, experientes, inteligentes, pragmáticos e esclarecidos políticos que Portugal teve em anos e, sem margem para dúvida nenhuma, de longe, muito longe, o melhor da atualidade.

Então porque o governo caiu?

Simples!

Porque a política não se faz de um só indivíduo e nem mesmo o Dr. António Costas consegui aguentar a incompetência, estupidez, falta de inteligência e laxismo de quase todos os que o rodeavam.

Foram 8 anos…. E, como dizia Maquiavel... "o poder corrompe".

E começou a corromper tanto ativamente como passivamente.

Ativamente começando por instalar-se os grandes interesses, o grande capital (expressão tão leninista!!!!), os grandes grupos económicos...

Nada de novo!

Nada de mais, nada de surpreendente.

Foi assim com o Banco Espírito Santo, com a Portugal Telecom, tanto em governos de direita como de esquerda.

É normal, é assim há milénios e não vai deixar de ser.

O poder atrai o dinheiro, o dinheiro gera poder que atrai ainda mais dinheiro até que as tensões se tornam tão explícitas que se quebram e os "atores" se convencem tanto do seu poder que se acham inalcançáveis, imunes e tão inatingíveis que facilitam e quem facilita... já se sabe e já avisava Sun-Tzu...

É um círculo contínuo e perpétuo, quase endémico aos sistemas políticos (tanto democráticos como ditatoriais) que se autorregulam e assim renovam, de tempos a tempos, e que, em suma, constituem a história, que mais vale aceitar que, assim, custa menos.

Como afirmava Lord Nelson "todos os Impérios são eternos até ao dia do seu fim".

E tudo tem um fim.

É, afinal, uma Lei natural a que nem a política escapa.

Mas o Poder também começa a corromper passivamente, isto é, a convencer os seus "atores" que são bons, que são inatacáveis, que são incontestáveis, que o que tem é para sempre.

Por isso, e como já afirmei noutros textos, o final desta maioria absoluta teve início no dia em que foi conquistada.

As maiorias absolutas, ao contrário do que quase todos pensam, são o antípoda da estabilidade.

Porque não há necessidade de equilíbrios em regimes absolutos, e se isso nas ditaduras é o garante do poder, nas democracias, submetidas ao escrutínio popular, é a garantia da perdição.

É no debate, na obrigatoriedade de consensos, de entendimentos, de compromissos, de oposição séria (como, também, tantas vezes disse), que se baseiam os regimes e governos dos Estados democráticos.

Afinal é a discutir que "gente" se entende, é a debater que se evolui, é a lutar que se progride.

Como afirmaria Adam Smith, a vontade de vitória de cada um incita ao esforço de todos, tornando-nos melhores.

É a base da meritocracia, afinal.

Por isso a "geringonça" terminou o mandato e a maioria absoluta não.

Em poderes consolidados em que não é preciso lutar para vencer, os fracos, incapazes e incompetentes encontram o seu abrigo.

Quando não é preciso lutar os mais fracos prosperam.

É a antítese da Lei da Seleção Natural de Charles Darwin.

Porque alguém imagina que um governo em minoria, logo que tivesse que negociar e chegar a entendimentos, suportasse 11 demissões, tivesse a "distinta lata" de enfrentar o Presidente da República e nomear alguém como o João Galamba para ministro ou ter a Mariana Vieira da Silva como número 2 do governo?

Algum governo em minoria suportaria o caso TAP e a sua anedótica, ridícula e trágico-cómica comissão de inquérito, as atitudes do Pedro Nuno Santos, o colapso do Sistema Nacional de Saúde, do Sistema de Ensino?

Não vos quero maçar com o "Calvário" de 3 anos de governo em que quase todas as semanas havia um caso, uma questão, uma questiúncula.

Casos ridículos como bicicletas atiradas contra ministérios e Agentes dos Serviços Informações e Segurança do Estado pelas ruas de Lisboa atrás de assessores que tinham fugido com computadores depois de terem escapado de garagens enquanto senhoras se barricavam em cabines de casas que de banho em gritinhos estridente de pânico desse mesmo assessor...

Neste caso pode-se mesmo dizer que a realidade supera, em muito, a ficção!

Se não fosse tráfico (e real) este governo era um soberbo enredo de um filme dos Monty Python.

Mas não é!

E caiu o governo!

E caiu só por uma razão: porque Portugal não tem políticos.

Portugal, ao longo dos anos, não produziu políticos, criou antes "elementos partidários", juventudes filiadas (que eu "amorosamente" chamo de "jotinhas"), que tanto estão num partido político como num clube de futebol ou numa associação de proteção ao bivalve.

Não importa se se é de direita, de esquerda, de cima ou de baixo.

O importante é estar "na máquina".

Sem cultura, sem saber, sem competência, sem ideologia, basta colar cartazes, abanar bandeiras, gritar "palavras de ordem" e organizar eventos e assim se "escala" até aos pináculos da influência partidária e, daí, "salta-se" para o poder.

Afinal é a história de António Costa, de Pedro Passos Coelho, de José Sócrates, de João Galamba, de Miguel Relvas...

Uns ainda tem alguns talentos... outros nem por isso e outros são mesmo maus!

Nada foram antes do partido, nada são sem o partido, por isso manter-se na "máquina partidária" não é uma vocação, nem uma opção, é uma necessidade imperiosa de que depende o seu sustento, presente e futuro (depois em consultoras, bancos, escritórios de advogados, empresas de todo o género, universidades rentabilizando o "estatuto" obtido na carreira política).

É tão simples quanto isso.

Este sistema "maquinizado" (e precisamente por ser mecanizado) tem, ainda, o efeito pernicioso de rejeitar a inovação, o talento, o progresso, o arrojo.

Porque o que se espera de uma peça de uma máquina é que cumpra a sua função...

Por isso o sistema "premeia" a mediania, o conservadorismo, a nulidade, a anuência, a obediência e a bajulação...

Nada de mérito, nada de inovação, nada de saber fazer, de saber ser, nada de sentido de Estado, já para não falar naquela palavra atirada para a classificação de arcaísmo: patriotismo.

Atualmente vai-se para a política pelo poder e pelos benefícios próprios que isso pode trazer.

Porque depois disso não há mais nada porque antes disso nada houve.

E depois há "marcadores de livros" de milhares de euros e ainda há quem ache isso "natural" e senhores que a competência cimeira e o maior mérito é ser "melhor amigo e padrinho de casamento do primeiro-ministro".

E, assim, nem mesmo pessoas competentes (e acho mesmo que sérias) como o Dr. António Costa conseguem aguentar seja o que for, muito menos governar um País, rodeado de gente deste "calibre".

É impossível!

O homem quase que governa o país sozinho durante 8 anos, com algumas poucas ajudas (Mário Centeno, Francisca Van Dunem, a muito esforçada Marta Temido, António Lacerda Sales, Henrique Gouveia e Melo, por exemplo), enfrentando uma pandemia que se estendeu por 2 anos e, literalmente, parou o mundo e, logo depois, uma crise económica profunda provocada pela invasão na Ucrânia pela Rússia!!!!

E como não bastasse tudo isto, tem de controlar os "jotinhas" feitos Ministros e Secretários de Estado, impostos pelo "aparelho do partido", pelo normal funcionamento da "máquina" que, qual turma indisciplina do 2º ciclo (desculpem lá meninos!!!), anda, todos os dias (fins-de-semana incluídos) entre rebeldias e travessuras.

Acrescente-se, a tudo isto, um Presidente da República inteligente, brilhante até, mas egocêntrico, vaidoso, por vezes arrogante, e com uma cede de mediatismo que dava para sorver, de uma só golada, todo o rio Amazonas (com piranhas, pitons, paraparás e tudo).

Juro-vos que chego a ter pena do nosso Ex-Primeiro Ministro.

Mas o pior ainda não é isto!

Porque, desculpem-me a frontalidade e realismo: quem vai para a política para se "dar bem" ainda tem um mérito: é esperto.

Pior são aqueles que vão para servir, para fazer o melhor que podem e que sabem mas o que sabem e podem é tão pouco e tão mau que "desgraçam" isto tudo.

Os "interesseiros", se mais não for, para se manter no poder e manter a sua "camuflagem", uma vez por outra, lá tem que fazer algo de positivo.

Os outros não simplesmente porque não sabem.

Desta forma a nossa classe política constitui-se ou por interesseiros ou por inaptos e são esses dois grupos que constituem os nossos governos, a direção da "Função Pública", em suma, a "máquina do Estado".

E isso, nem o Dr. António Costa, mesmo suportado por uma maioria absoluta, nem ninguém consegue sustentar.

Mas há algo de positivo nisto tudo e que o eleitorado gosta: estabilidade.

Como?

Vão realizar-se eleições (em Março), vai haver um governo, de direita ou de esquerda, de coligação, maioria relativa ou absoluta (esta última hipótese duvido muito), mas, como será constituído pela nossa classe política de interesseiros ou inaptos, será exatamente a mesma coisa.

Teremos mais do mesmo.

Que bom!

Espero que sem maioria absoluta, assim ao menos, de algum debate, embora pobre, alguma coisa positiva ainda surja.

E, como dizia Tomás de Kempis, e só porque sim e me apetece: et sic transit gloria mundi ….