A DEMOCRACIA QUE SE ANULA E A POSSIBILIDADE DA REELEIÇÃO DE BOLSONARO

12-10-2022

Já aqui escrevi sobre a quase certeza da vitória de Luís Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais brasileiras.

Para mim estava certo como estava certo da vitória de Hillary Clinton em 2016.

Hoje já não tenho tanta a certeza da vitória de Lula.

De facto, a vitória de Bolsonaro é uma possibilidade bem real.

Porquê?

Porque a democracia proporcional a isso nos leva.

Lula não ganhando na primeira volta (primeiro turno como lhe chamam no Brasil), fica dependente de dois fatores: da fidelidade do seu eleitorado e da abstenção.

Vamos a contas: Lula teve 48,4%, apenas 1,6% de garantir a maioria necessária para ser imediatamente eleito.

Foi por pouco, muito pouco.

Mas, Bolsonaro garantiu (uns espantosos) 43,2%, apenas 5,2% aquém de Lula.

Ora, o sistema eleitoral proporcional determina que o universo dos eleitores é formado pelos votos expresso e unicamente por estes. Assim, basta que aumente a abstenção por parte dos eleitores de Lula, que podem já dar a vitória como garantida, e pelo rácio da diminuição de votos expressos combinada com a diminuição, ainda que residual, dos votos em Lula e Bolsonaro ganha. Contas por alto, se Lula tiver uma variação de 3% no seu eleitorado, Bolsonaro será presidente.

E Lula tem alguns fatores que concorrem contra si. Neste caso a vitória na primeira volta pode ter o efeito pernicioso de incrementar a abstenção, porque os eleitores consideram a eleição ganha, garantida.

A festa dos apoiantes de Lula deviam assustar, mas mesmo muito, o candidato do PT.

Também contribui que o eleitorado de Bolsonaro é mais fiel, mas comprometido, tem outras motivações mais vincadas como a religião extrema ou o fanatismo patriótico. Envergonhados pela derrota, embora que parcial, ganham, pelo rancor, poder de iniciativa e de mobilização.

Lula deve, mais do que nunca, mobilizar o seu eleitorado e alerta-lo para o perigo eminente de uma reeleição de Bolsonaro.

Incrível como a democracia pode ser tão madrasta de si própria.

Incrível como o poder do povo acaba por se anular a si mesmo.

Incrível como, nestes tempos, é tão fácil o absurdo.

Mas seja qual for o resultado temos uma certeza: a sociedade brasileira está profundamente bipolarizada. E, se é normal a bipolarização política em todos os sistemas, no Brasil esse fenómeno extremou-se. E extremou-se porque ambos os lados estão demasiado radicalizados, extremados, "fanatizados".

E ambos os lados tem muito a perder.

Do lado de Bolsonaro a sociedade mais tradicional, mais conservadora, mas, fundamentalmente, a classe média que não quer voltar aos tempos de Lula e do PT em que se viu desprestigiada, empobrecida, esmagada com a carga fiscal e alvo de uma desigualdade gritante. Esta classe média teme, e muito, os tempos em que um beneficiário do "rendimento básico" (mais ou menos o mesmo que o Rendimento Social de Inserção em Portugal) ganhava mais sem fazer absolutamente nada que um Gestor Bancário que tinha que trabalhar quase 12 horas por dia para conseguir manter o emprego. Essa classe média não apoia Bolsonaro nem tão pouco concorda com ele. Muitos, longe disso. Conheço alguns assim. Mas a perspetiva de mais 4 ou mesmo 8 anos de política socialista radical leva-os a "engolir muitos sapos" e votar no atual presidente.

Do lado de Lula também há muito a perder. No governo de Bolsonaro as políticas sociais foram muito restritas, muito controladas. Os mais desfavorecidos não foram, de facto, uma das prioridades de Bolsonaro. Em rigor, e assim de repente, nem sei identificar nenhuma prioridade do governo do atual presidente do Brasil a não ser favorecer a sua família, os seus amigos e tentar "blindar" o seu poder no Palácio do Planalto.

Os sem terra, as populações das favelas, do sertão, dos subúrbios das grandes metrópoles ansiam pelo regresso da "cesta básica", do crédito facilitado para poder comprar "parcelado" o mais recente "telão" e isto sem fazer basicamente nada, podendo, assim, "quebrar uns galhos" por fora, duplicando o rendimento.

A atual eleição Presidencial Brasileira não é uma mera eleição: é uma verdadeira luta de classes, de estilos de vida e, para alguns, mesmo quase de sobrevivência.

Também, ambos os candidatos, e todos os seus apoiantes mais próximos, sabem que esta será a sua última luta caso percam.

Não há sobrevivência política possível, nem para um, nem para outro em caso de derrota.

Alguns sectores da sociedade, alguns deles com poder imenso, também estão fortemente envolvidos.

Por exemplo, e só por exemplo: tanto as Forças Armadas como a Igreja Evangélica, dois verdadeiros estados dentro do Estado, perderão muito, mesmo muito, se Lula da Silva vencer. O envolvimento destas duas organizações nas eleições é tão aberto e declarado que não é possível um futuro amistoso e neutro se o seu candidato perder.

Sindicatos e o próprio PT tem também tem muito a perder se Lula sair derrotado. A sede de poder de Lula, o seu apego ao poder, a sua vontade de vingança e desforra levou-o a concorrer a uma eleição que ele só devia apoiar. Ao avançar Lula dizima e aniquila a nova geração do Partido dos Trabalhadores, os quadros que estavam muito bem posicionados para concorrer a estas eleições e propor uma nova esquerda, um novo PT, uma nova visão para o Estado Social, uma nova perspetiva para uma "economia inclusiva". Com a possibilidade de 8 anos de Lula, esta nova geração esbate-se, dispersa, perde vontade, perde motivação.

Lula não consegui conter a sua ambição e, com isso, negou-se a si próprio. Vencendo vai fazer mais do mesmo, porque só isso sabe fazer. Vai implementar medidas sociais imediatistas e populistas, que não geram valor nem proveito e que, à mínima queda do petrodólar levará á falência do Estado, como já aconteceu no Brasil, na Venezuela, etc, etc, etc. Pior que errar é não aprender com os erros e Lula não aprende porque Lula acha-se o salvador da pátria, o revolucionário eterno, o líder supremo.

Desta forma, e como já referi noutros artigos, com esta eleição, o Brasil saíra sempre a perder.

Portugal terá outra vaga de emigração de brasileiros: falta saber quais? Se da classe média, se da classe mais desfavorecida.

Aconteça o que acontecer temos todos de nos preparar para mais um período de crise e convulsão no nosso país irmão.