25 DE ABRIL: O FUTURO DA REVOLUÇÃO

22-04-2024


Como sabem não costumo falar sobre política nacional nem tão pouco sobre assuntos nacionais.

Quando criei o Realpolitik, já está a fazer 3 anos, foi para refletir sobre geopolítica e geoestratégia global e não sobre as questiúnculas internas portuguesas e se em Portugal se faz muito partidarismo faz-se muito pouco política, infelizmente.

Mas desta vez abro uma exceção porque se festeja o aniversário de um acontecimento que marcou a vida de milhões, de Portugal a Moçambique, de Angola a Timor:

A revolução do 25 de Abril.

Em 25 de Abril de 1974, faz agora 50 anos, meio século, um conjunto de militares derrubou o regime então vigente, conhecido como "Estado Novo", que governava Portugal há 50 anos, a maioria desse tempo sob a direção do Prof. Doutor António Oliveira Salazar.

E a história todos a sabemos quase até à exaustão e não a vou aqui repetir.

Tenho uma relação muito especial com a revolução de abril visto ter nascido exatamente 9 meses depois de ela ter acontecido, isto é, eu sou, de facto, um "filho da revolução" (o que explica muitas coisas).

Mas tenho andado, nestes últimos dias, a refletir sobre alguns aspetos destes 50 anos de liberdade e decidi, então, abrir uma exceção aos objetivos da realpolitik e falar-vos do 25 de Abril.

Há 50 anos, todos os anos, mais virgula, menos virgula, os mesmos falam do mesmo.

Não que não tenham razão.

Têm!

O 25 de Abril foi ousado, era mais do que necessário, foi bem feito, tinha de acontecer, a guerra colonial tinha de acabar, as colónias tinham de ser nações soberanos e independentes.

Não há dúvida nenhuma sobre isso.

Nem tudo correu bem, como em tudo, mas os Capitães de Abril foram uns heróis a que estaremos sempre e eternamente gratos e devemos, todos, ter orgulho em ter efetuado uma revolução sem recorrer a chacinas, vinganças e derramamento de sangue.

Também concordo com "fascismo nunca mais" (embora o "Estado Novo", sendo uma ditadura não era fascista) e que "25 de Abril sempre" embora ache que slogans com 50 anos começam a ser um pouco... monótonos... alguma imaginação e criatividade também são conquistas de abril...

Mas também acho que devemos sair dessa superficialidade dos lugares-comuns fáceis e olhar para o que hoje é o 25 de Abril, como hoje o vivemos e sentimos, 50 anos depois o que fizemos desse dia heroico de 74, mas, fundamentalmente, qual o futuro do 25 de Abril já que o passado todos o sabemos.

E é precisamente isso que quero refletir hoje convosco.

Acho que a primeira coisa que temos de fazer, mas fazer ativamente, é reconciliarmo-nos com o passado.

Sim, havia um regime, sim uma revolução derrubou-o.

Feito, é história.

Não é preciso andarmos sempre a apregoar os horrores do fascismo e a felicidade da liberdade, assim como não andamos sempre a condenar a nossa participação no mercado negreiro e a festejar a descoberta do caminho marítimo para a índia.

Somos um país com 900 anos e nesses 9 séculos cometemos muitas faltas, muitos erros, mas também tivemos atos heroicos, atos que mudaram a humanidade.

Como todos em tudo.

E o 25 de Abril faz parte do continuo dessa história, como faz o 25 de Novembro de 1975, como faz o dia 1 de Janeiro de 1986 quanto começamos a fazer parte da Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia.

Assumir, aceitar e integrar esse passado na nossa história e não estar sempre a olhar para trás é fundamental para evoluirmos, para avançarmos.

Ninguém caminha em frente com vigor e segurança quando está sempre a olhar para trás.

Sei que é fácil para mim dizer isto.

Nunca vivi em ditadura, nunca me vi privado da minha liberdade, nunca soube o que era o terror da PIDE e a estupidez da censura.

Assumo.

É-me fácil porque nunca fui vítima.

Mas as vítimas, que honro e respeito, também tem de entender que a maior vingança que podem ter é ajudar a construir algo diferente e provar, pelos atos e pelas ações, que o seu esforço e sacrifício não foram em vão e, por isso, temos de seguir em frente.

Por isso temos de nos reconciliar com o nosso passado.

Nunca esquecendo, sempre lembrando, mas avançando.

Outro aspeto que gostava de referir é das nossas expetativas em relação aos próprios ideais da revolução.

Os tempos dos povos, das culturas e das sociedades não se vivem e não se medem como os tempos na vida dos indivíduos.

O que para um individuo são muitos anos, para uma sociedade, uma cultura, uma nação são apenas alguns instantes.

Se o 25 de Abril faz 50 anos e para cada um de nós é muito tempo, é, por exemplo, o meu tempo de vida, para um país com 900 anos, para um povo que viveu 50 anos sob ditadura, para uma cultura ancestral, 1974 foi como que ontem.

Temos de ter a humildade de saber que a democracia, em termos culturais e sociais, ainda é algo recente, que a liberdade ainda é jovem, que a atividade partidária só agora começou, que a vivência política está dar os primeiros passos.

Não nos podemos comparar com democracias como a norte-americana, com mais de 200 anos, ou então com a britânica com mais de 400.

Temos de dar tempo ao tempo, para evoluirmos, para crescermos, para amadurecermos enquanto democracia, enquanto Estado de Direito, cometendo os nossos erros, conquistando as nossas vitórias e tendo plena consciência que uma coisa é fazer uma revolução, que se faz num dia, outra é fazer uma reforma de mentalidades que dura, pelo menos 4 gerações.

Os primeiros a viver em plena liberdade nem serão os meus filhos, mas sim os meus netos que serão educados já por uma mentalidade "não contaminada" pelas antigas ideias, pelas antigas posturas, pelas antigas visões do passado.

Eu, por exemplo, fui criado por pessoas que nasceram, cresceram e foram educadas completamente em ditadura, que foram vítimas da PIDE, forçados a lutar numa guerra colonial com a qual não concordavam, logo, eu ainda sou um "filho" dessa mentalidade antiga e traumática que condiciona a minha visão em relação a muitas coisas.

No outro dia o meu filho Afonso perguntou-me o que era uma colónia.

É um excelente sinal !!!!

Quer dizer que ele encara Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, a Guiné-Bissau como países que falam português e não como "ex-colónias" porque nem sabe o que isso é.

E é nestes pequenos pormenores que se começa a ver a revolução a acontecer, realmente, efetivamente.

Assim, pouco a pouco, vamo-nos livrando dos pesos e dos estigmas do passado e avançando para o futuro.

Mas tudo necessita do seu tempo e não se pode apressar o tempo que o tempo tem.

Outro fator que acho fundamental é, e em definitivo e para sempre, democratizar o 25 de Abril.

O 25 de Abril não é de esquerda nem de direita: o 25 de abril é de todos os portugueses.

Chega desse discurso mofento e requentado das forças de esquerda que reclamam a revolução como sendo sua propriedade e feudo.

Foram forças de predominantemente de esquerda que deram origem à revolução: sem dúvida! Parabéns e obrigado por isso!

Mas a revolução só serviu para derrubar a ditadura e edificar a democracia e a democracia, essa, foi criada, por pessoas como Mário Soares, Salgado Zenha, Sophia de Mello Breyner e Manuel Alegre, sem dúvida, mas também por pessoas como Freitas do Amaral, Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, Pinto Balsemão, Adriano Moreira, António Ribeiro Telles, todos eles de direita, mas todos eles portugueses que lutaram pela liberdade e ajudaram a edificar a democracia tanto quanto os "camaradas" de esquerda.

Chega do discurso infantiloide do "mas eu sofri mais do que tu", "mas eu fui preso politico e tu não".

Houve e há muitos modos de se lutar pela liberdade, houve muitas frentes na luta contra o regime, houve muitas nuances do heroísmo.

O 25 de Abril não é só de quem anda de cravo ou peito a cantar o "Grândola Vila Morena" e a fazer manifestações (as tais do "fascismo junca mais") que começam a perder a pertinência política por serem sempre mais do mesmo e dos mesmos e a tornar-se folclore (os meus filhos acham-lhe piada).

A revolução é de todos aqueles que a vivem e que acreditam nos seus mais altos ideais e mesmo dos que não acreditam, mesmo daqueles que prefeririam que a revolução não tivesse acontecido.

Uma das grandes conquistas de Abril é que, sendo de todos e para todos, o é mesmo dos que com ela não concordam.

Porque é isso que é liberdade de expressão e de pensamento, isso é que é , verdadeiramente, atitude democrática.

A revolução é de todos os portugueses porque foi feita para e por Portugal.

Não tem donos nem senhores, porque isso de donos e senhores terminou na madrugada de 25 de Abril de 1974.

Por isso, camaradas, com todo o respeito, não continuem a "reclamar" propriedades e direitos sobre a revolução.

O 25 de abril também é meu e eu sou monárquico, conservador e de direita. E sabem porque posso dizer isto assim? Porque houve a revolução.

Ela é de todos, e só sendo de todos é, de facto, revolução, porque não sendo de todos os portugueses transforma-se, somente, em mais um ato de discriminação, sectarismo e censura e, para isso, tínhamos o Estado Novo.

E, isso leva-me ao próximo ponto da reflexão: sendo Abril de todos é mesmo de todos.

O grande Zeca Afonso trovava que "o povo é quem mais ordena".

E o povo é o povo e as suas escolhas livres e democráticas, sempre, mas sempre, legitimas e incontestavelmente soberanas e vinculativas.

Um partido, um ideal, um movimento, um grupo de cidadãos pode ser muito contrário aquilo em que eu acredito e defendo, mas se for sancionado pelo povo, nas urnas, eu tenho de me submeter à vontade soberana dos meus concidadãos.

Não há "liberdades condicionadas", nem "democracias autorizadas".

O "politicamente correto" é um nome brando e cobarde para ocultar a ditadura de opinião e de atentados contra a liberdade de expressão e de pensamento.

A vontade do povo é absoluta e soberana e nada, mas nada nem ninguém, a pode refutar ou boicotar, sob pena de estar a implementar uma censura camuflada.

Apoiar o 25 de Abril é aceitar, em pleno, agrade-nos ou não, a vontade popular e respeitar essa vontade dando-lhe, sempre primazia e respeitando-a.

Alguém que critica e quase estupidifica um resultado eleitoral, afirmando que o povo "errou" no seu voto, não passa de um ditador camuflado, de um tirano hipócrita e de um democrata de fachada.

E a reação de muitos ao resultado das últimas eleições legislativas em Portugal, demonstram, claramente, que talvez não tenhamos assim tantos verdadeiros democratas, talvez não haja assim tantas pessoas a acreditar, efetivamente, nos ideais de abril.

Porque quando a democracia só o é quando se "alinha" com alguns ideais ou quando a Liberdade só é defendida desde que siga determinada orientação, então não temos nem democracia nem liberdade, mas somente mais uma ditadura e esta, ao contrário da anterior, nem se assume, "disfarça-se" entre manifestações com "direito de acesso" e debates com "restrições de participação".

Que fique claro: em democracia não há partidos excluídos, não há livros censurados, não há ideias "canceladas" nem cidadãos condenados em praça pública por "crime de opinião".

Em democracia há liberdade, toda, gostemos ou não, concordemos ou não.

Não gostam do partido? não votem nele; se não gostam do livro? não o comprem; se não partilham de uma ideia não a partilhem ou, então, refutem-na racional e dialeticamente; se não gostam de um cidadão ou não concordam com as suas ideias não o ouçam e não o convidem para jantar.

Simples!!

É assim que se vive em democracia, tendo a nossa liberdade, mas respeitando, sempre, a liberdade do outro, seja ele quem for, pense ele o que pensar, defenda ele o que defender (desde que respeito integral da Lei, claro!!!)

Não somos ninguém para excluir um nosso semelhante.

Porque ser democrata é levar absolutamente à letra o que afirmava Voltaire. "posso não concordar com o dizes, mas defenderei até à morte o direito de o dizeres."

Foi para isto que se vez a revolução e não para substituir uma ditadura política por uma oligarquia de pensadores que se tomam como esclarecidos, sapientes, detentores da verdade e donos e senhores da democracia.

Isso conduz-me ao último ponto: o 25 de Abril não aconteceu, está a acontecer.

E está a acontecer todos os dias!

É preciso transformar em meses e anos uma manhã de abril, é necessário, todos os dias, proteger esta democracia "menina e moça", ainda tão frágil, pueril e inocente.

Não chega clamar os ideais de abril, aplaudir os capitães, pôr cravos ao peito e cantar as músicas do grande Zeca ou de Adriano Correia de Oliveira.

É preciso viver abril ensinando aos nossos filhos o que é democracia, o que é justiça social, o que é liberdade.

É necessário ensinar que há direitos, mas também há deveres, é preciso que as instituições respeitem os cidadãos e se façam respeitar atuando no rigoroso cumprimento dos princípios do Estado de Direito Democrático. 

É preciso uma justiça baseada na igualdade e não uma justiça forte para os fracos e fraca para os fortes.

É preciso que os políticos dignifiquem a sua função, que provem que Portugal e os portugueses são o seu único e exclusivo interesse e motivação e não os "jogos" partidários, questiúnculas pessoais, ambições egocêntricas de poder ou "trampolins" para grandes cargos em instituições internacionais.

É necessário que as nossas Forças Armadas sejam respeitadas e se façam respeitar, como garante da nossa soberania e defesa da nossa Pátria.

É necessário que nos reconciliemos com conceitos como Nação, Pátria, com orgulho na nossa história e uma imensa esperança no nosso futuro.

Temos de ser um país mais humilde consigo próprio, mais assumido tanto nas nossas fraquezas como nas nossas forças, temos de acreditar em nós, não melhores nem piores que ninguém, diferentes, isso sim, com tudo o que ainda podemos dar ao mundo, à humanidade e ao futuro.

E, todos os dias, ser Abril, mas o Abril verdadeiro e genuíno.

Quando a magistral poetisa e mulher de abril, Sophia de Mello Breyner Andresen, escreveu o seu genial poema:


"Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo"


não se referia a um tempo passado, nem tão pouco àquele tempo presente, mas a todos os tempos futuros que se tornavam possíveis naquela madrugada.

Desde 25 de Abril de 1974 que todas as madrugadas são madrugadas de abril e assim devem ser por nós vividas, em pleno, completamente, sinceramente.

Livres, mas responsáveis, democratas, mas comprometidos, porque em liberdade a única ditadura possível é a ditadura da própria liberdade, em que todos, mas todos, somos iguais, porque nascemos debaixo do mesmo céu.

Vamos ser Abril, vamos concretizar a revolução, vamos fazer o que tem de ser feito e em definitivo, sermos verdadeiramente livres.

E agora:

Viva o 25 de Abril!


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